por Tony Goes*
Em sua missa de sétimo dia, escritora me fez voltar a comungar
A igreja do Imaculado Coração de Maria lotou para a missa de sétimo dia de Fernanda Young. Famosos de diversas áreas, amigos de várias fases da vida e maluquetes em geral foram abraçar a família e rezar pela escritora. Tinha uma trans belíssima, um cara de vestido e outro de tiara de orelhinhas.
Quase o coquetel de abertura de um vernissage punk em uma galeria alternativa. Mas era missa mesmo, celebrada por um padre moderno que ressaltou que Fernanda e o marido Alexandre ajudaram muito na restauração da igreja centenária, perto da casa deles.
Pois é, galera: além de tudo, Fernanda Young era católica praticante. Uma maluca de Deus, e não há nada de contraditório nisso. Católico quer dizer universal; universal quer dizer para todo mundo.
Mas há setores fortes no Vaticano que fingem não saber disso e pregam a exclusão. O discurso do padre sobre Fernanda me emocionou às lágrimas, e de repente eu me senti acolhido pela Igreja onde fui criado – e de onde saí por vontade própria, por não compactuar com o machismo e a homofobia explícitos. Mas na manhã de hoje, no Imaculado Coração de Maria, me deu vontade de fazer algo que eu não fazia há muito tempo: comungar.
Comunguei.
Comuniquei-me, como diz a raiz latina. Depois parentes e amigos deram depoimentos, e Rita Lee – grisalha, curvada, voz tênue – leu a letra de “O Hino dos Malucos”, de Fernanda e Alexandre.
Na saída, após beijos e abraços, ainda ganhei um saquinho de balas e outro com sal grosso e um líquido que eu ainda não descobri o que é. Manias de Fernanda. Também levei para casa uma rosa amarela e um poster com a imagem aí ao lado – do outro lado tem o “Poema do Menino Jesus”, lido na voz de Maria Bethânia em uma gravação que abriu os trabalhos. Saí mexido, surpreso com o meu catolicismo renitente. Fernanda Young me fez voltar a comungar.
A maluca de Deus continua realizando milagres.
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