Notícias

Existem riscos de uma tragédia alimentar? [Frei Sérgio Görgen]

Existem riscos de uma tragédia alimentar? [Frei Sérgio Görgen]
Podemos estar entrando nas consequências já visíveis de uma crise civilizatória de proporções imprevisíveis.

Quais as consequências para a subsistência alimentar da humanidade?

Notícias em várias partes do mundo dão conta de uma crise alimentar e do aumento do preço dos alimentos. Mas a tragédia alimentar ainda não começou. Por enquanto, é apenas uma redução de estoques estratégicos de alimentos que gera especulação e aumento de preços, aliada a uma pressão de custos de produção agrícola puxados pelo preço dos insumos químicos, das sementes e da cobrança de royalties, o custo cada vez maior do fosfato e do potássio com o esgotamento das minas, e o aumento do uso de venenos agrícolas pela resistência biológica de plantas, insetos e fungos prejudiciais à produtividade agropecuária.

Estamos assistindo a uma crise conjuntural, e que é o primeiro sintoma de uma crise estrutural. A tragédia vai chegar, embora não se possa prever com precisão em quanto tempo. O que estamos vendo é o primeiro sinal, o primeiro pedaço de gelo visível de um enorme iceberg. E não se pense que se trata de palavras de algum profeta de catástrofes ou garimpeiro de desgraças. Bom seria. Aí, bastaria desqualificar o autor e o mundo seguiria tal e qual, ajustando-se aos novos patamares do mercado.

O que está em movimento é uma crise geral de abastecimento alimentar da população em todo o mundo, com consequências imprevisíveis. Isto vem sendo alertado por muita gente qualificada há bastante tempo (José Lutzenberger e Ana Maria Primavesi, só para citar dois brasileiros), mas sem encontrar eco no status quo dominante que conduz as políticas agrícolas em todo o mundo, inclusive no Brasil. Pelo contrário, todos os vetores que levam à insustentabilidade na produção de alimentos no mundo foram reforçados e reafirmados. A cegueira política e técnica é generalizada entre os formuladores de políticas para a agricultura. A visão predominante só tem olhos para o lucro, para o livre comércio e para as tecnologias controladas pelas transnacionais e dependentes da indústria química e do petróleo.

Mas se há a previsão, num horizonte próximo, de uma tragédia alimentar – escassez generalizada de alimentos – qual é a base desta argumentação e desta previsão? Três linhas de raciocínio levam a esta conclusão:

1º – O esgotamento tecnológico e energético da agricultura industrial;

2º – O monopólio dos mercados agroalimentar, agromadeireiro, agroenergético, agrotêxtil, agrobioquímico e agropneumático nas mãos de um pequeno grupo de grandes empresas transnacionais;

3° – Efeitos da crise do clima e do aquecimento global instabilizando a produção de alimentos – secas, excesso de chuvas, temporais, granizo e outros eventos extremos.

A tragédia alimentar virá com a crise aguda do modelo de agricultura industrial implantado no mundo todo a partir da segunda guerra mundial (classificado na história da agricultura como “Revolução Verde”), e controlada através de um pequeno grupo de grandes empresas transnacionais exclusivamente movidas pela lógica imediatista da rentabilidade do capital financeiro nelas investido. Esta lógica mercadológica é destrutiva das bases produtivas de alimentos, sejam as humanas e/ou as ambientais.

Os sintomas são de um paradigma superado e de uma ameaça à segurança alimentar da humanidade.

Uma agricultura camponesa, intensiva em trabalho e baseada na agroecologia, produzindo alimentos saudáveis, diversificados e em equilíbrio com os agroecossistemas, é o que se aponta para o futuro da humanidade e o Brasil poderá ter um papel decisivo neste cenário.

.oOo.

*Por Frei Sérgio Antônio Görgen, missionário Franciscano no Assentamento Conquista da Fronteira. Onde junto à Fraternidade Padre Josimo atuam em favor dos pequenos agricultores e dos movimentos sociais.

Nenhum produto no carrinho.