Esta reflexão do evangelho é referente a passagem Mateus 5,1-12, e o texto pertence a Carlos Mesters, Francisco Orofino e Mercedes Lopes.
Olhar a prática da nossa comunidade
O evangelho deste domingo nos convida a meditar sobre o começo do “Sermão da Montanha”. Certa vez, vendo aquela multidão imensa de gente que o seguia, Jesus subiu um pequeno morro para que todos pudessem vê-lo e ouvi-lo. Sentado lá no alto e olhando o povo, ele disse: “Felizes os pobres de espírito”. Estas palavras de Jesus fazem a gente pensar e se perguntar: “O que é mesmo a felicidade? Quem é realmente feliz?”.
Situando
Aqui, no capítulo 5, Jesus aparece como o novo legislador. Sendo Filho, ele conhece o Pai e o objetivo que ele tinha em mente quando, séculos atrás, deu a Lei ao povo pela mão de Moisés. Por isso, Jesus pode nos oferecer uma nova versão da lei de Deus. O solene anúncio da Nova Lei começa aqui no Sermão da Montanha.
No Antigo Testamento, a Lei de Moisés é apresentada em cinco livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Imitando o modelo antigo, Mateus apresenta a Nova Lei que revela o sentido desta Lei, dividindo o evangelho em cinco livrinhos. As partes narrativas dos cinco livrinhos, intercaladas com cinco Sermões, descrevem a prática de Jesus e têm como objetivo mostrar como Jesus observava a Lei e a encarnava em sua vida.
Comentando
Mateus 5,1: O solene anúncio da Nova Lei
Havia apenas quatro discípulos com Jesus. Pouca gente. Mas uma multidão imensa estava à sua procura. No AT, Moisés subiu o Monte Sinai para receber a Lei de Deus. Como Moisés, Jesus sobe a Montanha e, olhando o povo, proclama a Nova Lei.
Mateus 5,3-10: As oito portas de entrada do Reino
São oito categorias de pessoas, oito portas de entrada para o Reino, para a Comunidade que é chamada a viver as relações do Reino. Não há outras entradas! Quem quiser entrar terá que identificar-se com uma dessas oito categoriasA primeira e a última categoria recebem a mesma promessa: o Reino dos Céus. E a recebem desde agora, pois Jesus diz “deles é o Reino dos Céus”.
Como mostra o esquema acima, entre estas duas categorias, há três duplas às quais é feita uma promessa no futuro:
- 2 e 3: mansos e aflitos: dizem respeito ao relacionamento com os bens materiais, terra e consolo;
- 4 e 5: Fome e sede de justiça e misericordiosos: dizem respeito ao relacionamento com as pessoas na comunidade: justiça e solidariedade;
- 6 e 7: Coração limpo e promotores da paz: dizem respeito ao relacionamento com Deus: ver a Deus e ser chamado filho de Deus.
Em outras palavras, o Projeto do Reino, apresentado por Jesus nas bem-aventuranças, quer reconstruir a vida na sua totalidade: no seu relacionamento com os bens materiais, com as pessoas entre si e com Deus. No tempo de Mateus, este projeto estava sendo assumido pelos pobres e, por causa disso, estavam sendo perseguidos.
Alargando
A comunidade que recebe as bem-aventuranças
Mateus tem oito bem-aventuranças. Lucas tem quatro bem-aventuranças e quatro maldições (Lucas 6,20-26). As quatro da Lucas são: “vocês pobres, vocês que passam fome, vocês que choram, vocês que são odiados e perseguidos” (Lucas 6,20-23). Lucas escreve para comunidades de pagãos convertidos. Elas vivem no contexto social hostil do Império Romano. Mateus escreve para as comunidades de judeus convertidos, que vivem num contexto de ruptura com a sinagoga. Antes da ruptura, elas tinham certa condição e aceitação social. Mas, depois da ruptura, essas comunidades entraram em crise. Nelas, aparecem grupos de várias tendências brigando entre si. Alguns da linha farisaica querem manter rigor na observância da Lei a que estavam acostumados desde antes da conversão a Jesus. Mas fazendo assim, excluem os pequenos, as pessoas pobres.
A nova lei trazida por Jesus pede que todos possam ser acolhidos na comunidade como irmãos e irmãs. Por isso, o solene início da Nova Lei traz oito bem-aventuranças que definem as categorias de pessoas que devem ser acolhidos na comunidade: os pobres em espírito, os mansos, os aflitos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os de coração limpo, os que promovem a paz e os que são perseguidos.
O que é ser pobre em espírito?
Jesus reconhecia a riqueza e o valor dos pobres. Definiu a sua missão como envio do Espírito do Senhor para “anunciar a Boa Nova aos pobres” (cf. Lucas 4,18-19). Ele mesmo vivia como pobre. Não possuía nada para si, nem mesmo uma pedra para reclinar a cabeça. E, a quem queria segui-lo, ele mandava escolher: ou Deus ou o dinheiro. Então, o Pobre em Espírito quem é? É o pobre que tem este mesmo Espírito de Jesus. Não é o rico. Nem é o pobre com cabeça de rico. Mas é o pobre que diz:
“Eu acredito que o mundo será melhor quando o menor que padece acreditar no menor!”
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Fonte: Texto é de Carlos Mesters, frade carmelita que trabalha com a Bíblia nas Comunidades Eclesiais de Base, e que participa do CEBI desde seu início até hoje; Mercedes Lopes, teóloga, mestre e doutora em Ciências da Religião, e assessora do CEBI; e Francisco Orofino, leigo católico, biblista, assessor do CEBI e do ISER Assessoria.