A sessão com os cardeais vai pôr a mesa para uma cúpula mundial de bispos em outubro, para falar sobre casamento e família. Entre as questões difíceis está se os católicos que se divorciaram e se casaram novamente sem uma anulação, uma declaração da Igreja que anula o primeiro casamento, deve ser autorizada para receber a comunhão e os outros sacramentos da Igreja.
É difícil exagerar a importância da questão no nível de "varejo". Um estudo de 2007 descobriu que, nos Estados Unidos, cerca de 10% dos católicos são divorciados e se casaram novamente 10 anos depois do seu primeiro casamento, um número que sobe para 18% depois dos 20 anos.
Encontrar uma maneira para permitir que essas pessoas recebam os sacramentos tem sido adiado por décadas, e Francisco pareceu abrir a porta para a flexibilização das regras durante um discurso em julho. Os cardeais mais antigos têm divergido, e o coordenador do G8 diz que a mudança é possível, mas tanto o czar doutrinal do Vaticano, quanto O'Malley sinalizam que provavelmente não é.
O futuro cardeal alemão Gerhard Müller e O'Malley argumentaram que, dado o ensino de Cristo sobre o casamento – "o que Deus uniu, ninguém separe" –, alguém que se casa novamente sem uma anulação está em desacordo com a fé e, portanto, não pode receber os sacramentos.
Às vezes ridicularizada como um "divórcio católico", uma anulação é uma declaração por parte de um tribunal da Igreja de que um casamento nunca existiu, em primeiro lugar porque uma das condições de validade não foi cumprida, como o livre consentimento por ambas as partes.
Diante dessa tensão, um compromisso pode estar entrando em foco: nenhuma mudança na proibição dos sacramentos, mas um processo mais fácil e mais amplo para a concessão das anulações.
O'Malley levantou essa ideia durante uma recente entrevista ao jornal The Boston Globe, dizendo que, talvez, as anulações poderiam ser aceleradas, ao se eliminar a possibilidade de recurso a Roma, uma disposição que, muitas vezes, significa que um caso pode se arrastar por anos, se uma das partes quiser contestar o resultado.
Uma conferência de canonistas da região italiana da Ligúria no dia 15 de fevereiro pareceu apontar para a mesma direção, argumentando que as bases sobre as quais uma anulação pode ser concedida deveriam ser expandidas.
Em particular, esses advogados canônicos propuseram o acréscimo do "mamma-ismo" à lista, ou seja, uma situação em que os cônjuges estão tão completamente sob o controle de um dos pais – geralmente, de acordo com os juristas, a mãe – que eles não têm livre-arbítrio.
Quer se entenda o "mamma-ismo" como um conceito jurídico ou psicológico ou não, ele ilustra como muitas autoridades católicas estão ávidas para tornar as anulações mais amigáveis.
Eis o porquê.
Muitos conservadores católicos acreditam que agora é o momento errado para enfraquecer a defesa da Igreja da santidade do casamento, especialmente à luz do crescente impulso ao casamento gay em todo o mundo desenvolvido. Como se vê, permitir que os católicos divorciados e em segunda união voltem aos sacramentos em massa equivaleria a jogar a toalha.
Liberais e moderados que querem a mudança não podem simplesmente ignorar esse avanço por parte daqueles preocupados com as implicações doutrinais e políticas.
Anulações mais rápidas, mais fáceis e mais baratas podem ser uma maneira de dar a todos, ao menos, um pouco do que querem – defendendo a indissolubilidade do matrimônio, mas também fornecendo a milhões de católicos divorciados e em segunda união uma estratégia de saída da sua forma de limbo.
Saberemos em breve se é assim que pensam os quase 200 cardeais do mundo, que estarão compartilhando as suas opiniões com Francisco nesta semana.
*A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no jornal The Boston Globe, 17-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.