Durante o dia de ontem, o grupo de três parlamentares – o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Padre João (PT-MG), o vice-presidente, Paulo Pimenta (PT-RS) e Zeca do PT (PT-MS) – conversaram com pessoas que estiveram no local do ataque.
Na noite de quarta, a comitiva visitou os feridos no hospital.
Lá constataram que os tiros foram para matar, pois atingiram somente regiões vitais, como peito e abdômen.
Segundo as vítimas, fazendeiros da região, com auxílio de pistoleiros, já chegaram ao acampamento atirando.
O agente de saúde indígena Clodiode Rodrigues Souza, de 20 anos, da etnia Guarani Kaiowa, foi morto e cinco outros ficaram feridos, entre eles uma criança, atingida na barriga.
De acordo com o diretor hospital, Genivaldo Silva, até aquele momento a polícia não tinha comparecido ao local para investigar os crimes, nem solicitado nenhuma informação.
Segundo afirma, esse é um “comportamento diferente do padrão” de quando ocorre esse tipo de delito.
Retomada
Os conflitos ocorreram na aldeia Ivu/Amambaipeguá, a 20 km da cidade de Caarapó, onde índios procedem ao que chamam de retomada, processo em que ocupam terras habitadas por suas etnias no passado.
O território em disputa nesse episódio foi ocupado pelos Guarani Kaiowa, mas entregues pelo poder público a fazendeiros de fora da região décadas atrás.
Hoje, o local encontra-se em processo de demarcação e foi declarado como terra tradicional indígena pelo Governo Federal no início deste ano.
Na visita ao local do conflito, o líder Ernesto Veron relatou que o ataque foi promovido por “umas 200 caminhonetes com pistoleiros, fazendeiros e mais o sindicato rural Famasul”.
Ao jornal Folha de S. Paulo, o assessor jurídico da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Gustavo Passarelli, disse que a entidade não tinha informações sobre o conflito de terça-feira.
Ainda segundo o advogado, a federação orienta seus filiados a “ficarem dentro da legalidade, aguardar as decisões do Poder Judiciário” e evitar “qualquer ação que envolva violência”.
“Sem piedade”
De acordo com as vítimas, quem participou do ataque foi um fazendeiro chamado Virgílio. Conforme relatam, no dia anterior, Virgílio foi acompanhado por policiais do Departamento de Operações de Fronteira, da Polícia Militar, e da Polícia Federal, tentar convencer os indígenas a sair das terras ocupadas.
Como não houve acordo, asseguram que ele jurou voltar para “resolver do meu jeito”.
Eliezer Benotes relata que os fazendeiros “atiraram sem piedade, não para assustar, mas para matar”, além de queimarem uma oca, motos e todos os pertences indígenas, que depois enterraram em valas, como constataram os deputados.
Tio do indígena assassinado, Zenildo Isnarde, que presenciou o momento dos tiros fatais e socorreu o sobrinho, sustenta que o grupo indígena estava desarmado. “A única arma que estão carregando é a lágrima, pelo menino que se perdeu”.
De acordo com matéria da Folha, no primeiro ataque os índios realmente estavam desarmados.
Segundo o jornal, somente depois do primeiro confronto, um grupo de indígenas teria rendido três policiais militares e capturado seus armamentos – três pistolas, uma escopeta e onze carregadores.
Luta
A líder Valdelice Veron reforça não se tratar de confronto. “É ataque dos pistoleiros a mando dos latifundiários, somos perseguidos por sermos indígenas, mas não vamos recuar, porque essa terra é de nós, Kaiowa e Guarani”, sentencia.
Padre João assegurou às vítimas: “a esperança de vocês é nossa esperança, a luta de vocês é nossa luta”.
O deputado ressaltou ainda que a tarefa dos parlamentares é fazer valer a justiça.
“Não há dúvida que a terra pertence a vocês, e houve de fato o início do processo de demarcação, os fazendeiros têm o direito de contestar, com documentos, não com armas”.
Paulo Pimenta lembrou que, infelizmente, as tragédias envolvendo povos indígenas têm sido corriqueiras, embora a luta indígena busque “nada mais, nada menos” que o cumprimento da Constituição, o direito à terra.
“A constituição dá prazo de cinco anos [para a demarcação de terras indígenas], já se vão 30”, destacou.
O deputado também reclamou da impunidade.
“Não é possível mais nem uma morte impune, se fazendeiros não concordam [com a demarcação] que vão à Justiça, e não façam massacre, essa foi uma ação criminosa, utilizaram milícia privada”, asseverou.
Já Zeca do PT disse que os defensores dos povos indígenas no Congresso têm “adversários poderosíssimos” – latifundiários, bancada ruralista, governo e parte do Judiciário. “Mas continuaremos resistindo, como vocês resistem aqui”.
No enterro, Padre João afirmou que ali estava sendo enterrado o corpo, mas não a esperança de efetivação dos direitos indígenas.
Apoio
A comitiva teve apoio logístico da Força Aérea Brasileira, do Ministério Público Federal e da Polícia Rodoviária Federal.
Acompanharam os trabalhos a Defensoria Pública da União, a Fundação Nacional do Índio e diversos movimentos sociais, sindicatos e organizações da sociedade civil.
A Força Nacional de Segurança, cuja determinação de atuação foi emitida pelo Ministro da Justiça no dia 15, chegou à terra indígena no momento da visita dos parlamentares.