As situações de violência e de conflitos incidentes em relação às comunidades indígenas no Brasil se intensificaram no último período histórico. Recentemente, o conflito entre comunidades Guarani-Kaiowá e produtores agrícolas no estado do Mato Grosso do Sul se destacou no noticiário e mídias. Tal situação decorre do processo histórico de esbulho territorial e invisibilização social a que estas comunidades estão submetidas. O mesmo ocorre em outras regiões e localidades brasileiras.
O estímulo à política econômica desenvolvimentista, sobretudo no setor agropecuário, pelas recentes ações governamentais, proporcionou o interesse mercantilista e predatório, que resultou no ressurgimento da percepção de que as comunidades e povos indígenas devem ser suplantados ou restringidos em seus direitos territoriais, concepção e modo de vida e ocupação territorial. De modo geral, cresce a opinião de que tais percepções de viver e o direito consuetudinário indígena sejam incompatíveis com o desenvolvimento econômico e organização sócio-política brasileira.
A restrição de direitos é colocada também pelas diversas proposições legislativas de alteração dos direitos constitucionais (federal e estaduais), bem como pelas convenções, declarações e regulamentações internacionais, da qual o Brasil é signatário. As proposições legislativas visam restringir ou anular o direito de demarcação e proteção dos espaços territoriais de ocupação e uso tradicional indígena, e também de outras comunidades tradicionais, dentre elas quilombolas, ribeirinhos, faxinais, caboclos, sertanejos, pescadores artesanais. Proposições como a PEC 215, PLP 227, Portaria 303/AGU, PEC 237, PL 1610/96, PL 31/RS, e outras, evidenciam o retrocesso legal que se impõe às comunidades indígenas, que ainda se mobilizam para assegurar os direitos de autonomia, autodeterminação e diferenciados, estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.
No âmbito do sistema da Justiça Federal, as recentes decisões às ações contrárias aos processos demarcatórios desrespeitam a Constituição Federal, que, através dos artigos 231 e 232, garante o reconhecimento da terra tradicionalmente ocupada pelos povos indígenas. As decisões da Justiça Federal apresentam uma reinterpretação fundamentalista e radicalmente restritiva, ao estabelecer o instituto do ‘marco temporal’. Tais decisões judiciais imputam às comunidades indígenas uma situação equivocada, pois exige uma condição de sujeito de direito mesmo quando a legislação e o Estado às imputavam à tutela. O regime da tutela, que incidiu sobre as comunidades indígenas, também foi associado à intenção deliberada da integração forçada à sociedade nacional. Ambos, o regime da tutela e a política da integração dos povos indígenas, estão registrados no Relatório Figueiredo; no Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV); pelo filme-documentário: Índios – Memórias de uma CPI; e pelo Relatório da CPI-ALERGS, sobre a reforma agrária no estado do Rio Grande do Sul (década de 1960).
Recentemente, lideranças indígenas no Brasil pediram aos governos europeus, estadounidense e japonês para que embarguem importações de produtos do agronegócio brasileiro, pois, em sua visão, esta expansão é uma das responsáveis pelas violências cometidas contra os direitos indígenas. Para além da incitação e promoção da violência, reiteram a prática de discursos ilegais e criminosos, na intenção de convencer a opinião pública e justificar as ações violentas cometidas contra as comunidades indígenas.
O Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin), o Conselho de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) e a Fundação Luterana de Diaconia (FLD) reiteram a sua disposição e compromisso de solidariedade aos povos e comunidades indígenas, no convívio de justiça, paz e respeito entre as diferentes culturas e etnias. Repudia a situação de violência e conflito que envolve as comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, bem como no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia, em decorrência do direito territorial indígena. Convida a sociedade brasileira a persistir no propósito da Constituinte Federal de 1988, em estabelecer as diretrizes para uma sociedade plural e multiétnica. O convívio pacífico se nutre da disposição ao diálogo, em reconhecer os processos históricos afetos a cada grupo, aos diferentes jeitos de viver e ver o mundo.
Foto: Comunidade Kaingang Sen'gu, Constantina (RS)/Sandro Luckmann 2012