A 26º edição do relatório foi lançada nesta quarta-feira em Istambul. O documento afirma essencialmente que vários governos do planeta reduziram a proteção aos direitos humanos em nome da segurança – e por medo da disseminação de ações terroristas fora do Oriente Médio.
Segundo a organização, os governos europeus têm fechado suas fronteiras para o fluxo massivo de refugiados fugindo principalmente do conflito sírio, deixando a responsabilidade de lidar com a questão para países vizinhos à Síria.
Algumas das consequências são a islamofobia e a estigmatização de comunidades de imigrantes.
Segundo Maria Laura Canineu, diretora do escritório brasileiro da HRW, o Brasil adotou uma ação positiva na questão dos refugiados.
"O Brasil merece aplausos pela aceitação e pela abertura aos refugiados, principalmente sírios. Foram concedidos mais de 8 mil vistos humanitários. A questão agora é criar oportunidades de trabalho para eles", disse.
O Brasil porém recebeu destaque negativo devido ao alto número de pessoas assassinadas pela polícia – 3 mil em 2014 – e pela superlotação das cadeias, que supera sua capacidade de vagas em 61%. Segundo ela, no campo de abusos de violência na área de segurança pública, o Brasil enfrenta um dos piores cenários na comparação com os outros países.
"A situação (de violência policial) não melhora, só piora. Acreditamos que isso acontece devido a um fracasso generalizado das instituições em combater a impunidade", disse Canineu.
Segundo ela, a situação no ano passado foi agravada por esforços de grupos políticos em aprovar legislações que tentam "regredir" as conquistas na área de direitos humanos.
O documento da HRW critica o histórico do ano no país em 9 áreas sensíveis do ponto de vista dos direitos humanos. Leia abaixo os principais pontos.
A Human Rights Watch critica o Brasil especialmente em relação à violência policial e à superlotação dos presídios.
A organização alertou para o crescimento de 40% no número de pessoas assassinadas por forças de segurança no Brasil em 2014 (a estatística mais recente disponível na época da elaboração do documento). Segundo dados levantados pelo Fórum Nacional de Segurança Pública, foram cerca de 3 mil vítimas em todo o Brasil.
O relatório ressalta que parte dessas mortes são resultados de confrontos, onde a polícia usa a força de forma legítima. Contudo, uma outra parcela dos assassinatos são na realidade execuções extrajudiciais.
O documento também critica o envolvimento de policiais em casos de chacinas em diversos Estados do país.
Essa situação deixa os detentos "vulneráveis à violência e às facções criminosas, como documentado pela organização nos Estados de Pernambuco e do Maranhão."
A ONG elogia porém, experiências de alguns Estados, nos quais presos são levados rapidamente à presença de um juiz. Para a HRW, as audiências de custódia podem ajudar a diminuir a superlotação – reduzindo o número de presos provisórios – e os casos de tortura.
A ONG criticou uma iniciativa da Câmara dos Deputados, que aprovou uma proposta de emenda constitucional que pode fazer com que adolescentes de 16 e 17 anos, acusados de crimes graves, sejam julgados e condenados como adultos. A PEC da maioridade penal ainda precisa de aprovação do Senado para entrar em vigor.
Liberdade de expressão e associação
A tramitação no Congresso de uma lei de combate ao terrorismo foi criticada pela HRW. Segundo a organização, ela "contém termos excessivamente genéricos e linguagem vaga" e pode ser usada para processar criminalmente manifestantes e membros de movimentos sociais.
A organização também critica os assassinatos de ao menos sete jornalistas e blogueiros em 2015.
Como o aborto é ilegal no Brasil, a preocupação da HRW em relação ao tema diz respeito ao risco que as mulheres e adolescentes correm ao se submeterem a procedimentos clandestinos.
O aborto só é permitido no país em casos de estupro, anencefalia (casos em que o feto possui má formação congênita fatal) ou quando a vida da mãe está em risco.
A Câmara analisa proposta para derrubar essas exceções.
Segundo a HRW, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu 522 denúncias de violência e discriminação contra gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros só na primeira metade de 2015.
O relatório cita um projeto de lei discutido no Congresso que define a família apenas como a união de um homem com uma mulher – embora tribunais de instâncias superiores tenham decidido favoravelmente ao casamento de pessoas de mesmo sexo.
Na área do trabalho, a organização de direitos humanos aponta para a grande quantidade de casos de pessoas submetidas a condições de trabalho consideradas abusivas.
Ela incluiu em seu relatório levantamento do Ministério do Trabalho segundo o qual mais de 48 mil casos de trabalhadores sujeitos a trabalhos forçados, condições degradantes e condições análogas à escravidão foram documentados desde 2015.
Violência no campo
A HRW criticou assassinatos de indígenas e camponeses supostamente a mando de fazendeiros e criminosos envolvidos com madeireiras ilegais.
Como exemplos, a organização citou "violentos ataques" contra os índios guarani-kaiowá por parte de pessoas ligadas a fazendeiros no Mato Grosso do Sul. Esses índios lutam atualmente para reaver suas terras ancestrais. Um deles foi assassinado em uma ação ainda sob investigação.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade sobre violações de direitos humanos pelo regime militar que governou o país entre 1964 e 1985, divulgado no fim de 2014, também foi citado pela organização.
A HRW afirma que, embora 377 suspeitos de violações de direitos humanos tenham sido identificados, a Lei da Anistia, de 1979, impede que eles sejam levados à Justiça. A organização ressalta que casos isolados de tentativa de processar suspeitos estão temporariamente suspensos, a espera de uma eventual reavaliação da Lei da Anistia.
A ONG classificou a atuação brasileira no Conselho de Direitos Humanos como "inconsistente". Isso porque o país teria apoiado decisões em favor dos direitos humanos em certas ocasiões e, em outras circunstâncias, se abstido de votar em questões semelhantes (especialmente envolvendo o no conflito da Síria).
O relatório elogiou porém a postura do Brasil em liderar a defesa do direito à privacidade na era digital.