O Centro de Estudos Bíblicos tem como missão a promoção da vida e se inspira na leitura popular, libertadora e comunitária da Bíblia para cumpri-la. Foi inspirado por esta leitura comprometida com a realidade do povo que o CEBI construiu o Projeto de Resiliência, contando com a capilaridade de seus grupos de base para levar esperança e também apoio material para pessoas em situação de vulnerabilidade. A partir de edital próprio, foram inscritos projetos sociais que desejavam receber o valor de três mil reais para ajuda humanitária em diferentes regiões do Brasil (DF, RS, RR, PI, PA, PE e MA), com realidades diversas, mas que em comum contavam com o compromisso de levar auxílio aos que mais necessitavam.
Foram nove projetos contemplados, que executaram suas atividades nos meses de outubro, novembro e dezembro. A seguir, um breve relato sobre cada um deles, público atendido e ações realizadas.
NOME DO PROJETO | CEBI ESTADUAL | LOCALIDADE ATENDIDA | NÚMERO DE PESSOAS |
AÇÃO E CIDADANIA | (RJ) | São Gonçalo – RJ | 100 |
ADOÇANDO VIDAS E GERANDO ESPERANÇA! | (AL) | Maceió – AL | 20 |
APOIO TÉCNICO AO GALINHEIRO E HORTA COMUNITÁRIA DO JOÃO DE DEUS | (PE) | Petrolina – PE | 15 |
FRATERNIDADE CONTRA FOME | (RJ) | Rio de Janeiro – RJ | 230 |
JOVENS INDÍGENAS | (AM) | Manaus – AM | 37 |
JUNTOS PELA VIDA | (RJ) | Angra dos Reis – RJ | 52 |
MULTIPLICAÇÃO | (ES) | Cariacica-ES | 230 |
MUTIRÃO DA MENINADA DO VALE VERDE | (MG) | Juiz de Fora – MG | 109 |
SOMOS UM POVO QUE QUER VIVER! | (MG) | Passos – MG | 53 |
ADOÇANDO VIDAS E GERANDO ESPERANÇA!
O projeto Adoçando Vidas e Gerando Esperança percebeu as mulheres como o grupo mais vulnerável e prejudicado pela pandemia, além de outros fatores que tem dificultado a vida nos últimos anos. Buscando mitigar esta situação, foi desenvolvido um curso de doces e panetones, visando gerar uma renda extra para estas pessoas com as festas de fim de ano. No entanto, o projeto precisou ser parado devido a contaminação de diversas participantes por COVID-19. Com o arrefecimento da pandemia, o grupo composto por 20 mulheres entre 14 e 50 anos voltou a se encontrar. Uma das pessoas assistidas relatou que as cestas básicas ajudam muito, mas que a opção do curso foi boa porque puderam pensar numa forma de se sustentarem por si.
APOIO TÉCNICO AO GALINHEIRO E HORTA COMUNITÁRIA DO JOÃO DE DEUS
O projeto do galinheiro surgiu como uma forma para manter as doações de alimentos às famílias. Estas entregas foram prejudicadas pelo aumento do custo dos alimentos e também do número de famílias buscando ajuda. Por meio do galinheiro, o grupo conseguiu manter uma autossuficiência na produção de proteína animal, no caso os ovos, já que são galinhas de postura. A opção por estes animais levou em conta o espaço para que fossem criadas e também o custo de manutenção. As galinhas são alimentadas pelos restos da horta, outra parte da ação comunitária, criando assim uma auto-gestão do espaço. O esterco das galinhas retorna à horta como adubo, além dos ovos, quando os animais param de pôr são abatidos, tornando-se também proteína animal para consumo. O projeto não só se mantém autossuficiente na relação horta e galinheiro, como também pessoas de fora podem comprar os produtos para serem doados, ou seja, se compra uma dúzia de ovos não para si, mas para doar. Então, além da relação ambiental, o projeto proporciona também relações comunitárias.
AÇÃO E CIDADANIA
Este projeto foi executado pela Obra Comunitária São Francisco de Assis. Esta instituição, que atua desde 1988, funciona como uma creche para crianças de famílias em vulnerabilidade financeira. A solicitação dos recursos tinha em vista suprir necessidades básicas aprofundadas pela pandemia. Graças aos recursos alcançados pelo CEBI, foi possível atender 75 famílias, o que representa 82 crianças. As pessoas beneficiárias disseram que aquele alimento representava a subsistência de uma semana, e estavam muito gratas.
FRATERNIDADE CONTRA A FOME
O valor recebido pelo Grupo de Formação de Educadores Populares foi usado para a compra de cestas básicas. Buscando sanar necessidades básicas imediatas, o grupo adquiriu 46 cestas básicas que foram revertidas em favor de 230 pessoas.
JOVENS INDÍGENAS
O projeto jovens indígenas nasceu em um bairro vulnerável de Manaus chamado “Parque das Tribos”, onde há grande diversidade de etnias. O objetivo inicial do grupo era que a juventude acadêmica auxiliasse outras pessoas jovens a ingressar na universidade por meio de um curso popular. Em razão da pandemia, este grupo, que inicialmente visava questões acadêmicas, viu a necessidade de buscar ajuda em nome da segurança alimentar das pessoas com quem estavam colaborando. O projeto de resiliência do CEBI auxiliou com esta mobilização.
JUNTOS PELA VIDA
A ação social do projeto “Juntos Pela Vida” atendeu um público etariamente diverso, por se tratarem de famílias, mas a maioria eram pessoas negras. É importante citar esta questão porque denota o teor racial das desigualdades sociais. O projeto buscou mitigar necessidades alimentares das famílias, que foram aprofundadas pela pandemia. Por estar num período comemorativo, o apoio foi além da segurança alimentar, as cestas tiveram temática natalina. O grupo relata que uma das pessoas atendidas tinha um filho com necessidades especiais, a casa com poucas condições de qualidade de vida e vivia de um auxilio do governo. É claro que a cesta básica não mudou completamente essa realidade, mas segundo a própria pessoa, ajudaria muito naquela semana.
MULTIPLICAÇÃO
O projeto MultiplicAção, durante a pandemia, teve seu foco na segurança alimentar das pessoas acompanhadas. Os recursos percebidos pela organização permitiram a distribuição de cestas básicas para 48 famílias, bem como a compra de 150 caixas de bombom para crianças, tendo em vista as festas do período em que o projeto estava em execução.
MUTIRÃO DA MENINADA DO VALE VERDE
O Mutirão da Meninada do Vale Verde é uma associação civil, de caráter sócio cultural, que atua no bairro Vale Verde há mais de 25 anos. Devido ao contexto pandêmico, o foco da instituição tem sido o combate a fome. O projeto de resiliência permitiu a compra de 34 cestas básicas, distribuídas em favor de 24 famílias.
SOMOS UM POVO QUE QUER VIVER!
O Projeto Resiliências “Somos um Povo que quer viver” pautou como objetivos principais a integração em o Movimento dos Sem-terra e o Movimento População de Rua, buscando adquirir alimentação saudável diretamente dos agricultores do Quilombo Campo Grande e da Cooperativa dos Camponeses Sul Mineiros (MST) e fornecer para a população que vive em situação de rua no município de Passos. Os objetivos principais foram divulgar o trabalho dos Agricultores Sem Terra, a Segurança Alimentar e defender o direito de viver com dignidade no campo e cidade. Além da distribuição de alimentos, que amparou 53 pessoas, o espaço das distribuições era aproveitado para promover falas sobre a dignidade e os direitos do povo.
Lições aprendidas
Resiliência é a capacidade de se adaptar às mudanças ou situações ruins. É evidente que o CEBI não gostaria que as pessoas estivessem passando por estas circunstâncias, mas é gratificante saber que há grupos em diversos lugares buscando formas de resistência e cooperação. Nesta segunda fase do Projeto de Resiliência do CEBI, foram contempladas nove ações, ao total, 846 pessoas diretamente alcançadas pelos projetos. No decorrer desta reflexão serão consideradas três questões principais, a situação atual do povo, as formas de cooperação encontradas pelos movimentos e as ações emergenciais.
Segundo dados da Embrapa, a agricultura Brasileira alimenta cerca de 800 milhões de pessoas no mundo[1]. Mas, como uma das aberrações do sistema em que o país vive, 19,3 milhões de pessoas passam fome no Brasil[2], que tem cerca de 212 milhões de habitantes, um quarto da sua capacidade de produção de alimentos. Diante destes números desproporcionais, é assustador ver como eles se refletem na realidade das pessoas. Todos os relatórios trouxeram apontamentos sobre a piora da qualidade de vida da população, questões que vão muito além da pandemia.
No caso do movimento de apoio ao galinheiro e a horta João de Deus, o relatório apresenta o triste paradigma em que se encontra o país. O galinheiro e a horta foram adaptações, ações resilientes, do movimento que decidiu gerar a própria segurança alimentar porque além das situações pessoais, de desemprego e adoecimento, há também o encarecimento geral dos produtos. Mesmo os projetos estão tendo dificuldades para se sustentar. Outra ação que agiu de forma semelhante foi o “Somos um Povo que Quer Viver”, este movimento estabeleceu uma ponte entre pessoas em situação de rua e o MST, saindo da rede dos mercados estabelecidos e buscando recursos em outro movimento. O projeto Adoçando Vidas não parece ter estabelecido parcerias, mas investiu na formação de mulheres, reconhecendo-as como o grupo mais prejudicado pelo desemprego, ofereceu um curso rápido de confeitaria.
Além dos projetos citados anteriormente, aconteceram outros que buscaram a compra de cestas básicas para sanar situações mais emergenciais. Num momento de perda de empregos e de aumento dos preços, em alguns casos não foi possível elaborar atividades mais complexas, os projetos foram voltados então a proporcionar rápida segurança alimentar. Ainda que uma cesta básica possa parecer pouco, o movimento Ação e Cidadania trouxe o relato de uma senhora que se disse muito grata, pois a cesta representava a alimentação da semana toda. Buscaram esta forma de ação os projetos: Ação e Cidadania, Jovens Indígenas, Juntos Pela Vida, Multiplicação e Mutirão da Meninada do Vale Verde. Os projetos Juntos pela Vida e MultiplicAção acrescentaram a cesta básica uma lembrança do momento de festas que se aproximava e que poderia ser ainda mais triste se não fossem estas ajudas.
Para concluir, é importante pensar nos primeiros dados apresentados, na forma resiliente de agir e também no sofrimento do povo. O projeto de resiliência não deve ficar no passado, não só a ação, mas os relatos resultantes destes projetos devem ser relidos a fim de pensar ações proféticas de resistência as situações que se dão a partir de escolhas de lideranças que manejam os recursos inicialmente citados sem considerar o bem estar do povo. O bom resultado, e mesmo a complexidade de algumas das ações, não deve causar a quem lê a sensação de dever cumprido. Os relatos demonstram sofrimentos muito maiores do que a ajuda momentânea poderia sanar, é preciso manter a mobilização e cada vez mais estruturar redes de resistência profética.
[1] Cf. (GUARALDO, 2022)
[2] (NEVES, 2022)
Referências
GUARALDO, M. C. (23 de Março de 2022). O agro brasileiro alimenta 800 milhões de pessoas, diz estudo da Embrapa. Fonte: Embrapa: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/59784047/o-agro-brasileiro-alimenta-800-milhoes-de-pessoas-diz-estudo-da-embrapa
NEVES, I. (23 de 03 de 2022). Fome no Brasil é Drama Diário de 19,3 Milhões. Fonte: Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul: http://www.tce.ms.gov.br/noticias/artigos/detalhes/6241/fome-no-brasil-e-drama-diario-de-19-3-milhoes