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Jubileu do Documento Kairós e do Centro Ujamaa – África do Sul

Jubileu do Documento Kairós e do Centro Ujamaa – África do Sul

Há 25 anos, resultado de um longo processo de reflexão teológica no contexto sul africano e respondendo aos desafios e atrocidades do regime daquela época, nasceu um documento chamado “Kairós Document”. Este documento é uma declaração teológica feita por um grupo de teólogos em 1985 a partir de um encontro em Soweto. Esta declaração profética desafiava as igrejas a responderem ao perverso sistema político do Apartheid.  O documento serviu de inspiração e de exemplo para muitos outros similares ao redor do mundo, desafiando igrejas, sociedade civil, organizações populares a responderem forte e profeticamente às atrocidades cometidas pelos regimes de ditadura, de segregação, de violência (em todas as suas formas) e de empobrecimento sistemático da população.

25 anos depois, as pessoas que participaram desse movimento, colaborando com a escrita desse documento e continuando suas lutas proféticas dentro e fora das igrejas, decidiram comemorar as bodas com um evento intitulado: A luta continua: connecting prophetic voices (A luta continua: conectando vozes proféticas). Junto com essa celebração juntou-se o fato de que, há 21 anos, também nascia o Instituto para o Estudo da Bíblia (ISB) em Pietermaritzburg como expressão de pessoas cristãs comprometidas com a vida em colaborar com a reflexão bíblica mais contextual e de forma libertadora.

Depois o ISB tornou-se UJAMAA (palavra zulu que significa “mutirão”). O Centro Ujamaa, parceiro do CEBI desde seu nascimento, é uma iniciativa que junta acadêmicos comprometidos da área bíblica e teológica, intelectuais orgânicos e comunidades locais de gente marginalizada.

Nos dias 11 a 15 de outubro de 2010, na cidade de Pietermaritzburg, África do Sul, estiveram reunidas em torno de 50 pessoas de 11 países e de diversas igrejas cristãs. Foi significativa a presença de representações da Palestina, de judeus e de islamitas.

O encontro teve por objetivo criar a oportunidade de juntar diferentes vozes e militâncias do mundo em torno de lutas comuns por liberdade e libertação. Gerald West continuamente testemunhava que ‘a luta continua em diferentes contextos e de diferentes maneiras, o desafio é conectá-las e fortalecer uns aos outros nesse processo complexo e longo’. No sermão inicial, ouvimos uma frase de impacto forte: ‘a libertação é um evento, a justiça é um processo. Vamos continuar na luta pela justiça sempre’.

Do mesmo jeito que há anos atrás, hoje se percebe uma lacuna em termos de vozes que se levantam das igrejas e dos círculos de teologias da libertação contra as opressões e o imperialismo. Há um silêncio teológico profético em temas e em situações que clamam por palavras e ações proféticas. O encontro possibilitou a emergência desses clamores e o desafio aos presentes, às igrejas, aos governos e ao povo em geral para novamente conectarem-se e profetizarem contra todas as formas de imperialismo sob as quais vivemos e estamos submetidas. Mais que nossa reflexão sobre o povo, fazer teologia é dar voz aos sem voz, às vozes da periferia, aos sem pão, sem água, sem roupa, sem casa, sem terra, sem teto, sem trabalho, sem saúde, sem liberdade, sem dignidade… Como disse o líder do movimento de luta por terra e casa: ‘Vocês não devem falar sobre nós, mas falar conosco, nos escutar’. A presença das vozes da periferia no evento foi uma graça de Deus.

Também tivemos a oportunidade de conhecer Günther e Monika Wittenberg. Günther foi o companheiro que, há mais de 21 anos, esteve no Brasil para conhecer o frescor das nossas teologias da libertação e conhecer o jeito de ler a Bíblia que o CEBI e outros grupos estavam desenvolvendo, juntando engajamento político com leitura bíblica de fé e espiritualidade. O casal, já na melhor idade, esteve presente em todo o encontro, numa atitude exemplar e questionadora para muitos de nós, de escuta e atenção a todas as vozes que se levantaram e também aos silêncios escutados durante o encontro.

Entre tantas coisas, renovamos nossa convicção de que, de um lado, a leitura popular da Bíblia gera vida na medida em que parte das situações contextuais das pessoas e, de outro, que contribui para uma nova ordem mundial somente na medida em que continuar conectada com as lutas do povo por casa, terra, trabalho, justiça e dignidade. Como dizia um dos conferencistas: ‘Não basta cuidar de crianças órfãs. É preciso perguntar por que existem tantos órfãos e engajar-se na transformação das causas que os geram’.

Um dos desafios que está sempre à nossa frente é que a leitura contextual da Bíblia tem como missão colaborar no desmascaramento dos ídolos que o império hoje nos propõe, como o individualismo e o consumismo, bem como a busca desenfreada de bens, de fama e de poder. No entanto, nossa missão somente será profética se ela for um canal para o grito dos pobres em nossa realidade local, nacional e mundial.

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