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CEBI-PE No terreiro, celebrando e dançando contra a intolerância religiosa

No terreirinho do CEBI Pernambuco, comendo, celebrando e dançando contra a intolerância religiosa, no XII Kipupa Malunguinho.

Em tempos de intolerância religiosa se faz cada vez mais necessário afirmar e reafirmar a opção pelos excluídos. É por este motivo que mais uma vez o Centro de Estudos Bíblicos em Pernambuco participou do Kipupa Malunguinho, encontro de juremeiros/as que se realiza na Zona da Mata de Pernambuco.

O evento

O Kipupa Malunguinho é um evento idealizado por Alexandre L´Omi L´odò e  João Abimelek Monteiro, juntamente com lideranças do Povo de Terreiro. O evento é realizado pelo Quilombo Cultural Malunguinho, com quem o CEBI Pernambuco já tem longa história de caminhada, desde o seminário realizado no Quilombo de Conceição das Crioulas, há mais de seis anos, no qual trabalhamos Bíblia e negritude; passando por diversas mesas de seminários e encontros que participamos juntos.

O próximo encontro, será no curso a se realizar nos próximos dias 20 a 22 de outubro, em Caruaru, a tratar de Bíblia e religiosidades de matrizes africanas e indígenas.

Kipupa Malunguinho significa agregação de pessoas em volta da figura de Malunginho, que foi um dos reis do quilombo sediado naquelas matas do Catucá, pertencentes hoje ao município de Abreu e Lima/PE.

Kipupa significa encontro, e malungo é aquele/a companheira/a que coloca conosco a mão no prato, que come junto e, portanto, está conosco na caminhada. No sentido original se diz: “quem é malungo não me envenena (não me trai), porque come comigo.” Quando o CEBI come com o povo de terreiro se torna malungo, e assegura que o nosso jeito de ler a Bíblia não os trairá, não destruirá seus lugares sagrados e os respeitará como iguais.

Jurema

A jurema é religiosidade de origem indígena, encontrada no nordeste brasileiro, também presentes nos terreiros de candomblé, xangô e umbanda. Seu nome, de origem tupi, deriva da árvore jurema (Mimosa tenuiflora), abundantemente encontrada no sertão e agreste nordestino, utilizada no preparo da bebida de mesmo nome, que junto com o maracá e o cachimbo, fazem parte no universo religioso dos juremeiros/as. Outros elementos da umbanda, do espiritismo kardecista e do catolicismo popular, a exemplo dos santos e de Jesus Cristo, também foram incorporados a este universo.

Celebração é vida

Pois bem, neste último dia 24 de setembro, fomos nos agregando às outras pessoas que vieram celebrar. Fomos chegando e logo nos deparamos com a multidão que já ia se dirigindo para as matas sagradas, a fim de oferecer suas oferendas e entoar os pontos, as cantigas e as toadas, em um ritual de pertencimento ao lugar, celebrando seus antepassados que disseram não à escravidão de negros e índios imposta pelos brancos e que, até hoje, sofrem preconceitos em relação à sua religiosidade de juremeiros/as.

Homenagens

Após o retorno da mata, fomos nos achegando próximo ao palco montado em uma clareira do sítio de Sr. Juarez, ali aconteceria a parte cultural da festa, ou seja, a apresentação dos grupos de coco, umbigada, mazurca, ciranda, além de pontos e toadas em homenagem a Malunginho, aos Orixás, Caboclos, Senhores Mestres e Senhoras Mestras, e a Jesus Cristo.

Fomos colocando nossa colorida esteira no chão e, sobre ela, os alimentos. Fomos montando nosso miniterreiro, ao lado de tantos grandes. Juntando esteira com esteira, juntos com as crianças e mulheres, com as mães e pais, mestras e mestres de um sagrado que se integra e se entrega à natureza, que canta as matas, as árvores e os pássaros:

e o pau é: jacarandá,
e o pau é: Jacarandá,
Mas meu pezinho de fruta pão,
Meu pezinho de algodão,
Pau na mata é só lembrar que o pau é: jacarandá.

Que canta as coisas simples da vida já cantada pelos Eclesiastes:

A vaidade corta mais do que navalha ô gira gira ô girador (…).

E assim, cantando e dançando coco, mazurca e ciranda, fomos cantando, também, a liberdade de celebrar a diversidade religiosa, respeitando as diferenças, que por certo, são menores que nossas semelhanças.

Vez por outra se ouvia um salve o nosso Senhor Jesus Cristo, e de novo, um outro batuque de coco de roda e muitos giros a celebrar o Senhor, santo dos santos.

Percebe-se, também, a celebração de uma diversidade que vai da sexual, de gênero, de religiosidades, de cores, roupas e até dos adereços que representam um povo mais despojado de preconceitos, que aprenderam no sofrimento imposto a abrir caminhos e clareiras de dignidade.

Festejam uma vida onde se possa celebrar e viver a diversidade religiosa, sexual, a igualdade de gênero, a economia solidária, a cura pelas ervas e o respeito à natureza, na qual estamos integrados.

Encerramos este relato com dois trechos de discursos proferidos no Kipupa de 2011, a fim de demonstrar o aspecto político do encontro, uma vez que a comunidade busca através do encontro religioso, fortalecer seus membros no campo das políticas públicas, a fim de conquistar direitos, até então, negados pelo Estado, como é possível perceber na fala de João Monteiro e da professora Carmem Dolores, respectivamente:[1][1]

[…] Porque senão gente, a gente vai passar, a gente vai continuar passando despercebido do Estado, quando não, a forma que o Estado tenta nos reconhecer é uma forma que não tá legal. Não tá legal a forma que o Estado tá se propondo a reparar os danos causados nos últimos 400 anos não está legal. Não existe política pública para o povo de terreiro. Não existe política pública. E, nós estamos muitas vezes sendo tratados como massa de manobra e o Quilombo Cultural Malunguinho está de olho pra denunciar todos os momentos que fomos feitos de massa de manobra, doa a quem doer. Certo? Nós estamos aqui pra isso, pra denunciar. O Estado se quiser reparar, então, vai reparar com dignidade, reparar com folclore não dá. A nossa fase de ser visto como folclore passou. Hoje, somos povo de terreiro. Certo? E temos o nosso espaço […]. João Monteiro

[…] Nenhuma mudança, em nada, vai acontecer no mundo, na educação no Brasil, se não for pela educação, a educação é o grande transformador da sociedade. Tem que quebrar barreiras, porque às vezes a criança em casa é educada, ela vive no meio do candomblé, ela vive no meio da religião e na escola ela se sente humilhada, ela se sente ofendida. Porque na escola, infelizmente, a gente vê que o racismo institucional na própria escola provoca. Por que o que a gente vê que a criança estuda na escola? A criança estuda a Bela Adormecida que é loira dos olhos azuis, a criança estuda Chapeuzinho Vermelho, a criança só estuda o padrão europeu. É isso que as crianças estudam. E nós precisamos lutar pra que isso, realmente, seja […] a tolerância na escola aconteça. Isso só vai acontecer, com certeza, se todos nós que estamos aqui podemos lutar e reivindicar do Estado, da escola, que é importante o respeito e a diversidade na sociedade brasileira.
Carmem Dolores

Que venham outros Kipupas e que possamos aprender na diversidade a sermos mais tolerantes com nossas diferenças.

Fonte: Texto e fotos enviadas por Josélio Silva, Rosicleide Trindade, Fátima Tavares, Silvia Maria, D. Preta, Roberta Pereira e Yalomi.

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