Bíblia

Para que saibamos dialogar: os enviou dois a dois…

Leia a reflexão do evangelho sobre Lucas 10,1-12.17-24. O texto é de autoria de Carlos Mesters.

Boa leitura!

O texto de Lucas nos convida a sair em missão. A colheita é grande e há pouca gente disposta! Assumamos a tarefa! Para a autopromoção, para que sejamos individualmente valorizados? Com certeza não. O convite é para que sigamos dois a dois, duas a duas. Duas pessoas juntas já são a célula de uma comunidade, o princípio do diálogo.

As comunidades paulinas aprenderam bem a lição: Barnabé e Paulo saem juntos em missão (At 13,1-3), mais gente se junta a eles, fazem trabalho de equipe (Rm 16,21-23). Quando o missionário ou o líder não escuta sua comunidade, não entendeu ainda o que é “seguir dois a dois”. Não foi capaz de compreender o modelo eclesiológico concebido por Jesus. Quem trabalha sozinho, não tem sequer com quem planejar, avaliar e celebrar.

Setenta ou setenta e dois? Discípulos samaritanos!

Algumas edições da Bíblia falam do envio de 70 discípulos. Outras falam de 72. Depende do manuscrito que é seguido. Muito possivelmente, o número evoca todas as nações, citadas no capítulo 10 do livro do Gênesis. A Bíblia Hebraica menciona 70 povos. Ao ser traduzido para o grego, o texto foi modificado para 72. A missão é estendida a todos os povos.

Dado interessante, entretanto, é de onde o grupo parte. Em Lucas 9,51-52, Jesus tinha começado sua longa viagem rumo a Jerusalém. Sai da Galileia e entra na Samaria. É em território samaritano que Jesus associa mais 72 discípulos e discípulas para irem à sua frente, onde ele mesmo deveria ir depois (Lc 10,1). Lucas sugere, assim, que estes novos 72 discípulos e discípulas já não são judeus da Galileia, mas samaritanos. Sugere ainda que o lugar onde Jesus anuncia a Boa Nova já não é a Galileia, mas a Samaria, território dos excluídos.
Shalom para esta casa!

Espírito de simplicidade, desprendimento e confiança na providência divina: “não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias!” (Lucas 10,3). Mas sem ingenuidade: os discípulos e discípulas são enviados “como cordeiros entre lobos”. A missão não é fácil, por isso se espera uma entrega total. A expressão “a ninguém saudeis pelo caminho”, possivelmente tem a ver com a cultura do Oriente. A saudação não se limita a um “oi”, a um simples “bom dia”. Envolve convivência, convite para o alimento e para o pernoite (2Reis 4,29; Lucas 24, 29). Pode ser que o texto esteja querendo falar também da urgência de se chegar aos destinatários da missão.

Entretanto, quando se entra numa casa é para que o Shalom, a paz verdadeira, possa habitá-la! Se para o judaísmo o termo já dizia muita coisa, para a comunidade de Jesus, diz mais ainda: para a casa que recebe, o anúncio do Shalom é a Boa Notícia de que o Reino chegou. Cabe a cada pessoa e comunidade, entretanto, a escolha de aderir ou não ao Shalom.

Avaliação, oração, partilha, análise da realidade

Da mesma maneira como tinha feito com os Doze (Lc 9,10), Jesus reúne os 72 discípulos e discípulas e faz um encontro com eles para rever a missão. Os discípulos voltam e começam a contar o que fizeram. Com muita alegria informam que, usando o nome de Jesus, conseguiram expulsar até demônios! Jesus os ajuda no discernimento. Se eles conseguiram expulsar demônios, foi porque ele, Jesus, lhes tinha dado este poder. Estando com Jesus, nada de mal lhes pode acontecer. E Jesus acrescenta que o mais importante não é expulsar demônios, mas sim ter o nome inscrito no céu. Ter o nome inscrito no céu é ter a certeza de ser conhecido e amado pelo Pai. Pouco antes, Tiago e João tinham pedido que um fogo caísse do céu para matar os samaritanos (Lc 9,54). Agora, pelo anúncio da Boa Nova, é o Satanás que cai do céu (Lc 10,18) e os nomes dos discípulos samaritanos entram no céu! Naquele tempo, muita gente achava que samaritano era coisa do demônio, coisa de Satanás (Jo 8,48).

Este texto de Lucas 10,17-24 nos dá uma ideia de como os discípulos e as discípulas viviam em comunidade com Jesus. Eles faziam aquilo que nós fazemos até hoje: reunião, avaliação, oração, partilha, análise da realidade, ajuda mútua. A pequena comunidade que se formou ao redor de Jesus foi o primeiro “Ensaio do Reino”. Ela tornou-se o modelo para todos nós que viemos depois. A comunidade é como o rosto de Deus, transformado em Boa Nova para o povo, sobretudo para os pobres. Será que a nossa comunidade é assim?

Partilhado pelo autor.

Fotografia de capa: Filme O Pequeno Príncipe.

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