Artigos e Reflexões

Purpurinas aos pés de um Cristo de luto

Por Rodolfo Godoi*

 

No dia 11 de maio foi celebrada a Missa de Sétimo Dia do ator Paulo Gustavo, mais uma morte entre as mais de 420 mil por COVID no Brasil. A missa foi realizada aos pés do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, com transmissão ao vivo pelo canal Multishow.

Celebrada por Padre Jorjão, este fez questão de relembrar uma ocasião, há anos atrás, quando o microfone da peça de Paulo Gustavo entrou na frequência do microfone da missa, fazendo com que todos escutassem Dona Hermínia. Segundo ele, no final de semana seguinte a igreja ficou vazia, pois os fiéis decidiram todos ir ao teatro. O Padre também fez questão de historicizar a oração da Ave Maria, e como ela foi se modificando ao longo do tempo, em especial, durante a Peste Negra – ganhando em cada canto um novo clamor de redenção à Mãe de Cristo.

Ponto alto da Homília foi a retomada da passagem biblíca sobre o Casamento em Caná, quando, de acordo com o livro sagrado, Jesus realizou seu primeiro milagre, transformando água em vinho, possibilitando que a comemoração continuasse. O padre lembrou que esse milagre é muitas vezes incompreendido, justamente por se tratar de algo aparentemente frívolo. Porém, para a tradição cristã, a chegada do filho de deus a terra é necessariamente uma alegria. A felicidade e o riso são antes de tudo, sagrados.

Durante a vida, Paulo Gustavo deu vida a Dona Hermínia, uma mãe como muitas mães no Brasil. Com este personagem, interpretado através da arte transformista, o ator levou a família brasileira aos teatros e ao cinema. Narrou, na trilogia Minha Mãe é uma Peça, a história de uma mãe de classe média em sua jornada de aceitação e defesa do filho homossexual. Fez com que sair do armário deixasse de ser uma cena representada apenas por abandono, violência, medo e rejeição, para se sublimar em largas e gostosas gargalhadas.  Assim, a saída do armário pôde deixar ser um trauma, para se tornar uma experiência possível.

Ao nos deixar, Paulo Gustavo ainda conseguiu provocar mais associações improváveis. Ele que sempre foi a ’bicha, bichérrima, que jamais vai deixar de ser’, foi celebrado em uma missa aos pés do Cristo Redentor, ao lado de Santa Dulce dos Pobres. A sua fé e religiosidade foram tratadas de forma solene.

Ao sétimo dia de seu falecimento, familiares e amigos puderam rogar a Deus para que a alma de Paulo Gustavo adentre os céus e receba o descanso eterno. Este não é um feito qualquer, mas mostra uma fresta de transformação importante para que pessoas LGBT+ possam viver e expressar sua fé e suas relações com o sagrado de forma livre e digna. Paulo Gustavo ainda recebeu homenagens de Suzana Garcia, da irmã Juliana, do marido Thales Bretas e mãe Deia Lúcia. As canções Ave Maria e Pretty Hurts, de Beyonce, levaram todos às lagrimas.

No dia que Paulo Gustavo virou purpurina, as luzes do Cristo Redentor se apagaram, em memória e respeito por todos aqueles que morreram de uma doença da qual já temos vacina. A vacina não chegou a tempo para Paulo Gustavo, nem para os milhares de filhos que deixaram suas mães chorando.

Rodolfo Godoi é sociólogo, professor e artista de teatro.

 

Foto :Crédito: Reprodução/Globoplay

 

Artigo publicado no BlogDoYuri

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