Por Emerson Sbardelotti *
Conheci Pablo Richard através dos livros de sua autoria ou em participação em livros de outros autores e autoras, que eram traduzidos para o português no Brasil, no início da década de 1980, como também em artigos que escreveu pelas revistas Concilium e Ribla nos anos seguintes. Pablo Richard, da mesma forma que Carlos Mesters e Milton Schwantes, educaram os povos de Nossa América a lerem e a interpretarem a Bíblia com os pés no chão, de forma popular, com o coração aberto para o viés libertador.
Em 2012, no Congresso Continental de Teologia, promovido por Ameríndia, ocorrido na UNISINOS, em Porto Alegre-RS, tive a honra de conhecê-lo pessoalmente, de anotarmos nossos contatos e e-mails; por estar sentado ao meu lado durante o Congresso, pude conversar muito com ele, que via as coisas com muita esperança, apesar das perseguições e difamações em relação à Teologia da Libertação, que soube tão bem traduzir em seus livros e artigos.
A partir deste Congresso mantivemos uma longa e frutuosa comunicação por e-mail, sempre que eu tinha alguma dúvida sobre o livro do Apocalipse, ele era especialista neste livro, ou sobre São Romero da América, ou mesmo sobre Teologia da Libertação, ele sempre me respondia com muito carinho. Sempre me incentivou a escrever e a fazer Teologia da Libertação a partir da Palavra de Deus, no seguimento de Jesus de Nazaré, sempre no meio do povo.
Em 2015, no II Congresso Continental de Teologia, também promovido por Ameríndia, mas sediado em Belo Horizonte-MG, eu o recepcionei na Casa em que os participantes e assessores e assessoras ficariam antes do início do Congresso. Conversamos sobre o Apóstolo Paulo e analisamos a conjuntura política brasileira, naquele momento estava sendo construído o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff, que aconteceu em 2016. Estava preocupado com os ares conspiratórios contra os governos de esquerda na América Latina e como eles estavam se alastrando como faísca na pólvora. Pablo Richard tinha essa qualidade: uma visão além do alcance e profundamente inserida na realidade, em tudo conseguia ver a mão de Deus e as negativas por conta de suas criaturas que insistiam em não viver de fato o Evangelho.
Neste Congresso almoçamos várias vezes juntos, foi nesse momento que o convidei para enviar um texto para um livro sobre os 50 anos da Conferência de Medellín[1], que eu e o padre Ney de Souza estávamos organizando. Infelizmente, naquele momento, devido a inúmeros compromissos e alguns problemas de saúde, não poderia escrever. Porém, ficou muito feliz, quando lhe enviei as fotos do lançamento do livro em 2018.
Em 2018 eu o convidei para escrever um capítulo no livro sobre os 40 anos da Conferência de Puebla[2], também organizado por mim e por Ney de Souza. Pablo Richard escreveu o capítulo: Puebla à luz da Palavra de Deus. Deste capítulo destaco: “Na atualidade a Igreja, e todos os cristãos, vivemos esta contradição entre a LEI e o EVANGELHO. O Papa Francisco vive também esta contradição, mas sua opção pelo Evangelho está em tensão permanente com a Lei. As ações positivas do Papa Francisco o inclinam sempre para o Evangelho. A opção consiste em trabalhar positivamente nos espaços novos criados pelo Papa Francisco, à margem da Cristandade, e procurar reconstruir e reformar a Igreja no interior destes espaços. É ali que está nossa força. O pior seria utilizar a crise da Cristandade para deslegitimar os espaços proféticos libertados da lei. […] Nesta data estaremos inaugurando um novo ‘Kairós’, um novo tempo de libertação na América Latina e no Caribe, que certamente desencadeará novos tempos de libertação na Igreja e no mundo” (RICHARD, apud SOUZA & SBARDELOTTI, 2019, p. 108).
Em 2019, mais uma vez, o convidei para escrever um capítulo sobre São Romero da América, pois em 2020 se comemorou 40 anos de sua Páscoa, já que ele havia conhecido e se tornado amigo do arcebispo salvadorenho. Ele me enviou o texto, que continua inédito, pois, por conta da pandemia do COVID-19, eu e Donizete José Xavier, os organizadores da obra, não conseguimos lançar o livro no Brasil.
Muitas vezes, Pablo Richard me perguntou via e-mail como estava a situação do livro, e eu dizia que tudo estava parado no Brasil, mas, que eu estava lutando para que o livro fosse publicado, e se tudo der certo, o livro será, e poderemos ler o capítulo escrito por Pablo Richard: Oscar Arnulfo Romero: Profeta y Mártir! Neste capítulo ele diz que “Romero é um santo exigente, que quando o conhecemos, nossa vida não pode seguir igual”.
Ele estava preocupado com o texto, se estava à altura dos outros textos da obra. Pablo Richard era assim, sempre querendo fazer um texto que fosse ao mesmo tempo profundo e popular. Infelizmente, não conseguirá ver o livro publicado. Para nós que estamos na Caminhada, fica este grande presente, deste maravilhoso biblista e teólogo.
Meu querido amigo e irmão Pablo Richard, desde que eu o conheci, minha vida nunca mais foi igual. Com você aprendi a ser mais sutil, terno, mas sempre questionador; aprendi a olhar todas as pessoas, toda a natureza com os olhos de Deus e ver em cada criatura, e sentir no mais profundo do ser, quem em tudo, em todos, em todas, há poesia, música e libertação.
Sua força espiritual que sempre contagiou a todos, todas nós, continuará em nós, até o momento de nos reencontrarmos na Páscoa definitiva amado Pablo Richard.
Abreijos com Fraternura, Pablito.
Foto : Chaz Muth | CNS
*Teólogo, Doutorando e Mestre em Teologia pela PUC-SP. Membro do Grupo de Pesquisa Literatura, Religião e Teologia – LERTE. Agente de Pastoral Leigo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em Cobilândia, Vila Velha-ES. Publicou pelo CEBI: UTOPIA POÉTICA (2007) e ESPIRITUALIDADE DA LIBERTAÇÃO JUVENIL (2015).
[1] SOUZA, Ney. SBARDELOTTI, Emerson (Orgs.). Medellín: Memória, profetismo e esperança na América Latina. Petrópolis: Editora Vozes, 2018.
[2] SOUZA, Ney. SBARDELOTTI, Emerson (Orgs.). Puebla – Igreja na América Latina e no Caribe: Opção pelos pobres, libertação e resistência. Petrópolis: Editora Vozes, 2019.