Juca* era um bom cristão. A vida toda frequentou sua igreja, sendo assíduo nas muitas atividades de sua comunidade. Da Escola Dominical, passando pelo culto de libertação e cura que acontecia às quintas-feiras à noite, ele estava em todas. Aos domingos, participava tanto do culto da manhã, auxiliando a equipe pastoral na coleta das ofertas, quanto no culto da noite, com sua família. Era seu momento de adorar a Deus e agradecer pela semana que teve. Apesar da vida ativa na Igreja, para Juca, ajudar o próximo era algo secundário. “Não me ocupo muito dessa questão”, respondia sempre que era indagado.
Aliás, Juca até defendia que a principal missão do “crente” – como se referia a si mesmo – era pregar. “Temos que levar as boas novas de Cristo a todas as nações”, dizia ele, cheio de entusiasmo. Mas no quesito caridade, parecia taxativo:
“Eu não dou peixe ao camarada. Ele precisa aprender a pescar. E tem muita gente no nosso meio que faz corpo mole. Quando ajudamos, acabam que ficam nas nossas costas a vida toda. Então, prefiro ensiná-lo nas verdades de Jesus e, com o tempo, aprendendo essas verdades, ele mesmo acaba saindo da dificuldade”.
Infelizmente, esse raciocínio não é tão incomum em nosso meio. Há muitas pessoas que, honestamente, acreditam que estão desobrigadas de ajudar seu próximo. E encontram os motivos mais variados para não fazer isso. “Sou contra assistencialismo”, dizem uns. “Não quero sustentar gente preguiçosa”, afirmam outros. “Já tenho minha família pra ajudar”, concluem alguns. Nesse jogo de palavras, essas pessoas, assim como o Juca, esquecem que estão seguindo apenas uma parte do Evangelho. Mas desprezando a outra – muito importante, por sinal!
João Batista: introduzindo a temática
Pouco antes de Jesus iniciar seu ministério, João Batista já orientava as pessoas para que produzissem “frutos dignos de arrependimento” (Lucas 3:8), que pode ser traduzido como “frutos que demonstrem um novo proceder”. Sem entender o que João queria dizer, pois tudo o que ele pregava era muito novo, muito original, a multidão interroga-o sobre o que deveriam, então, fazer. E a resposta não dava margem para dúvidas: “Quem tiver duas túnicas, reparta com o que não tem, e quem tiver alimentos, faça da mesma maneira” (Lucas 3:11).
A lição do apóstolo Tiago
O apóstolo Tiago é um dos que mais enfatiza essa questão. É dele a frase que diz: “a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma” (Tiago 2:17). Se eu, como cristão, sei que uma família passa por necessidades, e podendo ajudá-la decido não fazer nada, será mesmo que estou sendo coerente? Parece que não. Veja esse exemplo brilhante dado por Tiago:
“Se um irmão ou irmã estiver necessitando de roupas e do alimento de cada dia e um de vocês lhe disser: ‘Vá em paz, aqueça-se e alimente-se até satisfazer-se’, sem porém lhe dar nada, de que adianta isso?” (Tiago 2:15,16)
Quem tem fome tem pressa de alimento. Quem tem frio precisa de roupa. E é nosso dever ajudar. Se cruzamos os braços, “que adianta isso?”
O conselho de João, o evangelista
Outro apóstolo que nos fala da importância de ir além das palavras, pois amar é gesto concreto, é o evangelista João. Em uma de suas cartas ele diz claramente:
“Se alguém tiver recursos materiais e, vendo seu irmão em necessidade, não se compadecer dele, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e em verdade” (1 João 3:17,18).
Jesus “bate o martelo” na questão
Falando aos discípulos, em Mateus 25:31-46, Jesus utiliza uma parábola para falar como irá julgar a humanidade. Se lermos com atenção, o critério de Jesus está baseado naquilo que fazemos (ou não) aos nossos irmãos. Vejamos o que Ele, Jesus, disse:
“E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória;
E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas;
E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda.
Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;
Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver.
Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?
E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?
E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.
Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos;
Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber;
Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes.
Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos?
Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim.
E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna.”
(Mateus 25:31-46)
Se quisermos seguir o Evangelho sem disposição para fazer o bem, podemos até fazê-lo, mas temos de estar conscientes para o fato de que correremos o risco de viver um Evangelho incompleto, sem uma parte considerada, até por Jesus, como essencial.
Papel do Estado
Importante lembrar que é, sim, dever do Estado assegurar vida digna para as pessoas, e isso inclui provê-las em suas necessidades. Inclusive, nós temos que cobrar isso, pois quando o governo é injusto “a nação acaba em desgraça” (Provérbios 29:4).
Mas isso não tira a responsabilidade do cristão de ajudar os necessitados. “Vocês devem praticar estas coisas, sem omitir aquelas”, insistia Jesus com os fariseus (Mateus 23:23) quando esses negligenciavam aspectos da lei como justiça, a misericórdia e fidelidade.
Trazendo para esse contexto: “Cobrem do governo (justiça) e de quem mais for preciso (fidelidade), mas não se desvie de fazer o bem (misericórdia) achando que já fez o suficiente somente em cobrar”.
Relembrando: vocês devem praticar estas coisas, mas sem omitir aquelas!
E quanto àqueles que se aproveitam da boa vontade alheia?
Vem o Juca, o personagem que nos ajudou a escrever esse texto, e pergunta:
“Mas e se eu estiver ajudando alguém que só finge que é necessitado, mas que na verdade nem precisa realmente daquilo que estou doando?”
A pergunta de Juca é boa. Mas ela pode estar, no fundo, sendo usada como desculpa para não fazer nada pelas pessoas.
Tem gente que se aproveita da boa vontade das pessoas? Sim. Mas se esse “dilema” não pode nos paralisar ao ponto de nossa fé ficar resumida a uma fé apenas “de palavra” (Tiago 2:19), ou seja, da boca pra fora.
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*Juca é um nome fictício. Um personagem que criamos para ajudar a contar nossa
história.
** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do CONIC