Por Frei Aluísio Fragoso *
Em busca de uma explicação satisfatória para o silêncio de Deus frente aos crimes e sofrimentos deste mundo, dois caminhos se oferecem à nossa escolha: o caminho dos que exigem provas e evidências para crer e o caminho dos que crêem, primeiro, para, em seguida, descobrir evidências e provas na sua vivência de fé.
Apesar desta introdução de aparência teológica, não foi a teologia que motivou este assunto, foi um impacto emocional, assustadoramente real, provocado pelo coronavirus. Uma criança de 6 anos, sabendo que sua irmã, de 9, morrera de covid, teve uma surpreendente reação: pegou um cabo de vassoura, correu para fora de casa e gritou na direção do céu: “Deus, desça daí, que eu quero bater em você”.
Vejo neste gesto infantil uma verdadeira oração, uma ingênua mas sublime demonstração de confiança; só uma criança confia tão cegamente na lucidez do Pai! Inconscientemente, ela conjugou as duas questões levantadas no início desta reflexão: “Deus, cadê você?” e “Deus, só você pode responder por isso!”. Paulo escreve que, findo o nosso tempo de vida nesta terra, a fé desaparece, só sobra lugar para o amor. Por conseguinte, a fé existe unicamente em função da vida temporal. Do que se conclui também que a melhor resposta para as grandes questões de fé se encontra nos depoimentos da vida humana e não nas interpretações doutrinárias.
A despeito do meu gosto por estudos e leituras, foi com as pessoas simples que aprendi a associar conhecimentos teóricos com vida real.
Eu ainda era um neófito, quando tive oportunidade de visitar a cidade de Mirandiba, alto sertão pernambucano. Fui convidado a participar de uma reunião com um grupo de moradores locais, pessoas simples, analfabetas. No meio da conversa surgiu uma pergunta a mim dirigida: “por que Deus permite a seca do sertão, que traz tanto sofrimento pra nós?” – prolonguei-me na tentativa de responder com dissertações teológicas, mas logo percebi, no olhar dos presentes, a inutilidade dos meus argumentos. Foi aí que o Sr. Oscar, homem modesto e sábio, líder comunitário, pediu a palavra. “É o seguinte, disse ele, Deus fez estas terras pra bicho que aguenta seca, preá, veado, mocó, sapo, tartaruga, etc. Mas aí os nossos avós cairam na besteira de vir morar aqui, que não era o lugar deles. E nunca mais quiseram sair. Deus não tem culpa de nada, nessa estória”.
Duvido que grandes teólogos, do quilate de Agostinho e Tomás de Aquino, dessem uma resposta mais esclarecedora do que esta do Sr.Oscar de Mirandiba, cujo conhecimento teológico era um só: Deus é Pai.
Pretendemos que Deus tenha um comportamento parecido com o nosso. Esquecemos que Ele é soberano, age à sua maneira, à maneira de quem conhece causas, efeitos e sequelas de todas as coisas, de ontem, de agora, do futuro. Daí, Ele pode demolir as nossas expectativas, quando pretendemos saber tudo e estamos apenas engatinhando à procura da Verdade.
Há uma grande santa dos tempos modernos, Edith Stein, recentemente canonizada, filósofa judia, convertida à fé cristã durante a Segunda Guerra mundial. Ao final da guerra, impactada com os terríveis destroços físicos e morais, mais de 50 milhões de vidas ceifadas cruelmente, ela enfrentou uma grande crise existencial. Resolveu-a dando tudo que possuía e, a seguir, dando-se a si mesma, por inteiro, até morrer do próprio holocausto.
Perguntemo-nos se não fomos nós mesmos que plantamos as sementes onde medram novos Hitlers. E, em lugar de nos paralisar frente ao silêncio de Deus, caminhemos pela via de Edith Stein e de muitos outros (quanto podemos dar do que temos e do que somos?) Foi por aí que eles encontraram a chave de desvendar os enigmas da Fé, e aprenderam ao vivo o significado destas palavras de Jesus: “quando estas coisas começarem a acontecer, levantai vossas cabeças, aproxima-se a vossa libertação” Lc. 21,28.
* * FREI ALOÍSIO FRAGOSO – Franciscano, Guardião do Convento de Santo Antonio, Provincial da Primeira Províncial franciscana no Brasil, a de Santo Antônio, com sede em Recife e abrangendo ainda todo o Nordeste, parte da região Norte e as casas de Mettigen e Bardel, na Alemanha.Vigário cooperador das Comunidades do Coque e de Bola na Rede, comunidades essas do Recife.