Reflexão do Evangelho

Vós, quem dizeis que eu sou? [Mateus 16.13-20]

Por Emilio Voigt, teólogo luterano

 

A voz do povo não é a voz de Deus. Isso está bem claro nas diferentes respostas a respeito de quem seria Jesus. Mesmo assim, a opinião popular é necessária.

Perguntar o que outros pensam a nosso respeito não implica necessariamente deixar-se orientar pelo julgamento alheio. A pergunta é necessária porque ela estimula a reflexão, traz clareza e provoca decisões. Ademais, ela ajuda a perceber se estamos conseguindo comunicar o que somos.

O texto mostra que havia diferentes ideias a respeito de Jesus entre o povo. Mas Pedro e os discípulos sabiam exatamente quem ele é: o Cristo (Messias). Foi essa certeza que os levou a uma decisão. Por isso abandonaram tudo e o seguiram. Todavia, faltava ainda clareza a respeito do que seria esse Messias. Às vezes, precisam ser repreendidos pela falta de entendimento. No seguimento, vão aprendendo a conhecer e a compreender. A igreja peregrina ainda conhece o Messias com a visão obscurecida, como em espelho (1Co 13.12).

A comparação entre Jesus e grandes personagens da religião judaica indicava reconhecimento. Mas Jesus representava mais. A diferença não foi percebida. Tratava-se de uma diferença tão tênue? Talvez. Mas o texto também dá pistas para outra explicação. O texto afirma que a confissão de Pedro não veio dele mesmo. Ela foi revelada por Deus. Não se chega à compreensão simplesmente por reflexão pessoal, ainda que essa seja necessária. Isso nos coloca no âmbito da graça e do dom de Deus. Naturalmente fica o questionamento: se Pedro recebeu tal revelação, por que outros não a receberam? Seria a graça algo destinado a poucos escolhidos? Certamente não! Para receber a graça, que permite perceber a diferença, é preciso também disposição para despojar-se dos próprios conceitos, anseios e expectativas. É necessária a renovação da mente (Rm 12.2).

A pergunta de Jesus – “Vós, quem dizeis que eu sou?” – permanece atual. Somos convidados a dar resposta pessoal, a ir além da opinião que ouvimos. Somos convidados a perceber a diferença. Quem é Cristo para nós hoje? Podemos confessar como Pedro: “Tu és o Cristo”? E que tipo de Cristo (Messias) nós confessamos? A resposta determina nossa motivação e também nossa forma de seguimento. E certamente a nós também cabe responder: Por que pertencemos e por que vamos à igreja? O que a igreja de Cristo representa para nós?

A falta de clareza a respeito de Cristo espelha-se na falta de clareza a respeito de sua igreja. A cada dia surgem novas igrejas disputando o “mercado religioso”. Em muitos casos, igrejas ditas cristãs aproveitam-se de fraquezas e necessidades para alcançar objetivos suspeitos. Como perceber a diferença? Afinal, o que caracteriza a igreja de Cristo? Quais os aspectos comuns que reúnem as pessoas como igreja? E o que marca a diferença entre participantes e não-participantes de uma igreja? A metáfora do corpo humano pode ser uma grande ajuda na busca por respostas. A igreja como corpo de Cristo possui três elementos essenciais: unidade, diversidade, serviço.

1) Unidade – Os membros do corpo humano formam uma unidade na medida em que estão interligados: “Se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam” (1Co 12.26). Quando damos uma martelada no dedão, a boca, que nada sofreu, emite uma palavra ou grito de dor e os olhos podem demonstrar a dor com lágrimas. A interligação e a unidade em uma comunidade são dadas através de Cristo, que é a cabeça da igreja (Cl 2.18-19; Ef 4.15-16). Batizados em um só corpo (1 Co 12.13), os membros de uma comunidade manifestam a unidade através da fé no Trino Deus, do testemunho e da vivência do evangelho.

2) Diversidade – Assim como os membros do corpo são diferentes e possuem funções distintas, também uma comunidade cristã é constituída por pessoas com diferentes ideias e diferentes dons. A diferença não deve alimentar sentimentos de inferioridade ou de discriminação, mas apontar para a necessidade de complementação. Nenhum membro é autossuficiente. Cada pessoa tem algo a dar e a receber. Cada pessoa tem um dom, e cada dom é importante e necessário para o desenvolvimento da comunidade.

3) Serviço – Os membros não vivem para si, mas estão a serviço do corpo. Igreja não é prestadora de serviços, mas tem o serviço (diaconia) como essência. Por isso ela busca comunhão, solidariedade, partilha, paz, justiça. O serviço está em oposição à busca por grandeza, honra e vantagens de qualquer espécie. A chegada do domínio de Deus tem implicações nas relações de poder. No lugar do poder como dominação entra o poder como serviço. O texto de Marcos 10.42-44 expressa muito bem o contraste entre o poder exercido pelos “grandes” e o poder que pode ser exercido no seguimento de Jesus, ou seja, sob o domínio de Deus. Há uma inversão de valores e da ordem: poder significa serviço e não privilégio e dominação.

A igreja é o local da vivência do domínio de Deus. Aqui será colocada em prática uma nova forma de agir, que buscará contagiar toda a sociedade. Pois a igreja de Cristo é chamada para ser sal e luz do mundo (Mt 5.13s). É ela quem deve influenciar a sociedade, e não o contrário. A igreja fará bem em aplicar o método de Jesus e perguntar pela opinião popular. Mas a sociedade não determinará quem é o Cristo e o que é sua igreja. A igreja de Cristo, constituída por pessoas que aceitam o domínio de Deus, não se conforma com este século.

Oração do dia:

Ó Deus, nós agradecemos por tua misericórdia e por teu amor. Agradecemos-te porque enviaste teu Filho para inaugurar o teu domínio sobre nós. O teu domínio significa amor, cura, justiça, paz, alegria. Permita que vivamos sob o teu domínio, refletindo e vivendo de acordo com a tua vontade. Por Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo nos congrega e nos anima a perceber os sinais do teu reino neste mundo.

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