Bíblia

Raabe – As cinco “nada ortodoxas” mães de Jesus

Da “nada ortodoxa” genealogia das mães de Jesus, brota mais uma mulher surpreendente: Raabe! uma mulher palestina, de Canaã, terra que mana leite mel, “prometida” aos hebreus, mas, que, no entanto, já era habitada por um povo com sua própria história e sua própria fé. Raabe é, portanto, pertencente a essa terra e esse povo que sofreu a invasão e conquista por parte do povo de Israel. A história de Raabe se encontra com a história do povo israelita no segundo capítulo do livro de Josué, quando são iniciadas as investidas de conquista da cidade de Jericó liderada por Josué. Raabe pertencia a uma familia pobre que morava no campo e trabalha com a produção de canas de linho. Mas, Raabe vivia na cidade e tinha uma casa próxima aos muros da cidade de Jericó. Sua casa era uma hospedaria simples onde ela trabalhava como prostituta e, devido a isso, recebia muitas visitas. Diz o texto bíblico que os dois hebreus espias enviados para reconhecimento da terra, passaram a noite na casa de Raabe. Talvez, foram até lá, não apenas pelos serviços sexuais, mas também porque era um lugar estratégico para seus intentos de conquista. Raabe por sua profissão, tinha todas as informações necessárias, uma vez que, por sua casa passavam homens de Jericó que contavam sobre assuntos sobre a política da cidade.
Quando o rei de Jericó tomou conhecimento que os israelitas estavam passando a noite na cidade para espionar a terra, enviou mensagem a Raabe: “Mande embora os homens que entraram em sua casa, pois vieram espionar a terra”. Raabe escondeu os dois homens na eira da sua casa sob os talos de linho, e informou aos guardas que recebeu os homens e não sabiam de onde vinham, mas que já tinham ido embora. Depois de dispensar os guardas, Raabe fez com que os espias prometessem, que ao tomar a terra, tratariam sua casa e sua família com a mesma misericórdia com a qual ela os tratou, livrando-os da morte. Os espias aceitaram o acordo e pediram que ela amarrasse um cordão vermelho na janela da casa. “Assim elas os despediram, e eles partiram. Depois, ela amarrou o cordão vermelho na janela” Josué 2:21. Jericó foi conquistada e toda sua casa foi preservada da destruição. Posteriormente, Raabe se casou com um israelita chamado Salmom e assim, Raabe passou a fazer parte da história do povo israelita: “Salmom gerou Boaz, cuja mãe foi Raabe”. (Mateus 1:5).
Raabe teria sido uma traidora do seu povo? A leitura feminista decolonial da Bíblia, tem oferecido novos e importantes olhares sobre essa história que envolve colonialismo e traição, uma vez, que ela oculta dois espias israelitas em sua casa e abraça a fé israelita e a missão colonial, salvando assim sua vida e de sua familia, quando os muros de Jericó estavam sendo derrubados. Mesmo considerando relevantes a pergunta, me atenho aqui, a tarefa de ressaltar o aspecto “nada ortodoxo” dessa mulher que compõe a genealogia de Jesus. Raabe, uma prostituta canaanita, foi peça chave na história de Israel, povo monoteísta-patriarcal. Tendo em vista como são tratadas e julgadas as mulheres, profissionais do sexo pela moralidade religiosa nos dias de hoje, imaginem o que significou para a cultura judaica reconhecer e registar o nome da prostituta canaanita Raabe como heroína da fé do seu povo? Acho ainda mais fantástico, que o nome de Raabe esteja na relação dos heróis/heroínas da fé no livro de Hebreus (Hb.11:31). Esse é o aspecto mais relevante dessa nada ortodoxa mãe de Jesus, cujo nome significa “ampla”, “plena”, nome que indica, talvez, que ela, seja maior e mais ampla do que qualquer olhar ou julgamento que se tente colocar sobre ela. Como uma mulher prostituta, que viveu à margem de uma cultura religiosa patriarcal, e conheceu as consequências de uma guerra e o sofrimento, sobretudo para as mulheres e crianças, talvez, tenha levado ela a agir partir de concepções de fé e política mais amplas, que foram além das disputas ideológicas e religiosas que envolvia cananeus e israelitas. Ou ainda, restou a ela, no meio da guerra entre os dois povos, uma única maneira de afirmar que seu corpo e sua vida estavam acima das disputas coloniais-patriarcais nas quais os corpos das mulheres, eram vistos por ambos os lados, apenas como instrumento útil no jogo do poder de homens e deuses.
Por Odja Barros

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