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Carta de amor ao meu inimigo (8): Por um batismo nas águas do Amazonas com o pastor Djalma de Ogum

por Marcos Monteiro*

Meu querido inimigo,

Se as águas do Jordão não foram suficientes, sugiro um batismo nas águas do Amazonas. Um batismo coletivo, com pastor, padre, líderes de outras religiões, mas especialmente com um pajé e uma mãe de santo. Mergulhando profundamente nesse caudal, quem sabe você entenda mais a alma brasileira, negra e índia, e aprenda o significado de quilombos e reservas indígenas.

Imaginei você saindo desse batismo como um outro homem, e ouvi a música harmônica do Coral Ecumênico da Bahia acompanhando essa saída. Olha, eu preferia estar escrevendo cartas para o amigo que idealizou esse coro. Como é difícil amar você, meu inimigo, e como é fácil amar o meu amigo, o pastor Djalma Torres. Ele tem quase oitenta anos e está fragilizado, nesses instantes, brigando contra um câncer, mais uma imensa luta na sua história.

Ele é muito respeitado e muito amado pelas lideranças religiosas de Salvador, evangélicas, católicos, espíritas, mães de santo e quem for se achegando. Por causa disso, ganhou um prêmio nacional de direitos humanos, exatamente na área de diálogo inter-religioso. E, sinto lhe informar, meu inimigo, você não é muito bom em direitos e diálogo, nem em debates. Poderia dizer, por concessão, que você grita bem, mas até nisso, Hitler, por exemplo, era melhor do que você. Pois é, pastor Djalma, conhecido como Djalma de Ogum, parece-me o contrário de tudo o que você representa.

Quando jovem pastor, ele era líder admirado na Convenção Batista, essa que tende a lhe apoiar, mas foi expulso e fala disso com muita dor. Os amigos influentes que frequentavam a sua casa desapareceram, e começaram muitos um processo de difamação e demonização muito comum no meio evangélico. Quem não é compreendido é chamado de diabo. O demônio é sempre o outro, o adepto do candomblé, por exemplo.

A história da sua expulsão foi assim. Djalma era pastor de uma grande e próspera igreja batista, quando foi convidado a visitar jovens presos políticos, os quais se opunham à ditadura e voltou perplexo. Encontrou uma juventude inteligente e idealista que queria lutar por um mundo melhor, em vez dos terroristas que alguns, inclusive o seu herói torturador e o seu general de estimação, denominam. Depois, decisão nada fácil, resolveu deixar o pastorado da igreja grande e acompanhar um pequeno grupo de jovens, expulsos de outra igreja grande porque não concordavam com o regime militar, nem com a subserviência dos evangélicos. A igreja assumiu uma postura acolhedora e ecumênica, o que foi o pretexto para a expulsão da Convenção Brasileira.

Antes que você se apresse, quero informar que Djalma Torres, pode se assumir como de esquerda, porque luta sempre por mais direitos, especialmente para as mais sofredoras dessa sociedade perversa, mas sempre foi crítico de Lula e do PT. Se o conheço bem, vai votar em Hadad somente no segundo turno, porque nunca votaria em você em nenhum cenário. Como já disse, ele é o seu oposto.

Mas, continuemos. Quando expulso, descobriu o segredo central do evangelho: a salvação vem das margens. O marginalizado, Jesus de Nazaré, é aquele que nos guia para conhecer a boa notícia, não disponível nas instituições, nem mesmo nas igrejas. Então, participou das mais fecundas iniciativas evangélicas e ecumênicas do período. ITEBA, CESE, CEDI, CEPTAS, CLAI, CONIC, CEPESC, são siglas que merecem ser pesquisadas por você e todo presidenciável, e a surpreendente KOINONIA, organização evangélica que trabalha para a defesa da liberdade e da autoestima das pessoas pertencentes a religiões de matriz africana.

Mas, o Instituto Memorial de Canudos, talvez seja a sua mais significativa iniciativa. Claro que você já ouviu falar de Canudos, essa grande cidade que surgiu no interior da Bahia, sob a bênção do beato católico, Antônio Conselheiro. Afinal, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Vargas Llosa, Eduardo Hoornaert, são alguns dos nomes que tentaram imortalizar essa tragédia exemplar. Cidade que crescia rapidamente, até se tornar a maior do interior da Bahia, e que atraía famílias pobres de todos os lugares, em busca dessa referência mítica, da terra em que “corria rios de leite, por entre ribanceiras de cuscuz”. Pois bem, pessoas que levavam a pecha de bandidos e bandidas, negros e índios, se organizaram com a “regra do Conselheiro”, vivendo pacata e alegremente, mas foram massacrados pelo exército brasileiro, genocídio denunciado por tantos, no Brasil e no exterior, no início de nossa república, a qual acumula tantos equívocos e se banhou de sangue inocente tantas vezes.

Percebeu? O pastor Djalma ajudou a documentar essa memória, ressuscitar Canudos, transformando-a em lugar de pesquisa e peregrinação. Bem diferente daquela coisa estranha de “bandido bom é bandido morto”. O mais comum é taxar de bandido, em nossa realidade, aqueles e aquelas que não têm acesso a direitos essenciais. Djalma ainda pretende escrever o seu livro sobre Canudos, uma utopia religiosa, e eu estou muito curioso para ler.

Puxa, como é fácil amar Djalma e como é difícil amar você. Tinha mais coisas, mas eu quero terminar imaginando ainda.

Saindo do batismo no rio Amazonas, nos deparamos com a floresta, em sua exuberância tropical, a qual pode ser o poema da convivialidade brasileira em diversidade multicultural. Mas, eu queria entender melhor uma coisa. Que ideia é essa de extinguir as jabuticabas? Foi isso mesmo que o seu general de estimação quis dizer? As jabuticabas são os direitos de trabalhadoras e trabalhadores? Então é para cortar salário, aposentadoria, aumentar horas, diminuir licença maternidade, manter a desigualdade salarial entre homens e mulheres, prejudicar os direitos dos pobres?

E mais, extinguir o décimo-terceiro? Aí é exagero que até comerciantes se assustaram. Todo economista sabe que décimo-terceiro e outras jabuticabas aquecem a economia. Ainda bem que você desautorizou esse discurso. Atingia diretamente os direitos dos seus adoradores. Mas como parlamentar, até agora, você apoiou todas as medidas contra trabalhadoras e trabalhadores. E se o seu general, se invocar e quiser acabar com todas as jabuticabas? Afinal, posto é posto, e a patente de capitão é menor. Mas meu querido inimigo, vamos lutar por um país com muito mais direitos. Sem ódio, sem armas e com muitas jabuticabas.

Então, facilite o meu amor. Mergulhe no rio Amazonas e mude de vida e de discurso. E desista dessa mania de querer ser presidente. Vai ser um desastre. Para você, para o Brasil, para o Amazonas e para as jabuticabas.

Marcos Monteiro, pastor batista.

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