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Por que os protestos na França não ganham atenção na mídia brasileira

Por que os protestos na França não ganham atenção na mídia brasileira
A imprensa brasileira, conhecida por realizar coberturas internacionais conforme aquilo que for do seu interesse, ignora completamente a onda de manifestações na França que já dura mais de um mês. Mas qual o motivo disso?

Não é difícil responder essa pergunta.

A razão da mídia brasileira tentar “esconder” a onda de manifestações na França é a causa.

Quem acompanha a mobilização por lá já deve ter entendido.

Os franceses estão se manifestando desde março deste ano contra um projeto de lei que altera direitos trabalhistas — é a chamada “Nova Lei Trabalhista”. Vários benefícios estão em risco: se aplicada, deixará de haver um valor mínimo de indenização em caso de demissão sem justa causa, além dos trabalhadores poderem passar a trabalhar o máximo de 44 a 46 horas por semana, e de 10 a 12 horas por dia. Outro fator negativo são os acordos coletivos de trabalho com negociação anual, que passariam a ser negociados a cada 3 anos, sem garantia de retenção dos direitos adquiridos.

Ou seja: a boa velha política de austeridade, que já afetou diversos países no continente europeu como Grécia, Espanha e Portugal.

Agora, parece ser a vez da França.

Mas qual a relação disso com o Brasil afinal?
Por aqui, um novo governo acaba de assumir.

Após o afastamento de Dilma Rousseff na presidência, o país se encontra nas mãos do presidente interino, Michel Temer.

Temer não chegou aonde se encontra hoje sem o apoio de grupos políticos bem específicos de nossa sociedade.

Estamos falando da antiga oposição ao governo Dilma, encabeçada por partidos de centro-direita como PSDB e DEM, que historicamente defendem uma economia de mercado mais aberta, com menos regulamentações partindo do Estado — o que proporcionaria posteriormente a redução de direitos trabalhistas e de programas sociais.

Essa mesma linha é defendida por outros grupos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff: os empresários, como a Fiesp de Paulo Skaf, e os movimentos de rua como MBL e Vem pra Rua, defensores de um “Estado menos regulador” e do fim de programas sociais assistencialistas, além da revisão de diversas conquistas históricas do país como o Sistema Único de Saúde.

Temer, na teoria, ainda não pode ser chamado de presidente oficial. Ele precisa esperar os 180 dias para o STF julgar o impeachment de Dilma Rousseff.

Por isso, espera não cometer nenhum deslize com a opinião pública neste período — e nisso incluimos a política de austeridade, aplicada hoje na França e defendida de forma ferrenha pela base do novo governo em Brasília.

A mídia corporativa, que ajudou a colocar Michel Temer no seu lugar atual, teme que os protestos na França acabem inspirando uma possível mobilização contra o novo governo no Brasil.

Isso porque foi exatamente aquilo que ocorreu nos protestos de junho de 2013.

Inspirados pela mobilização na Turquia e em outros países como Egito, os manifestantes pararam o país e questionaram verdadeiramente o sistema político vigente, colocando na parede todas as forças políticas — e não apenas o Partido dos Trabalhadores.

E isso não é do interesse deles, não é?

Ao contrário de como foi a cobertura dos protestos na Venezuela em 2014, quando o portal G1 realizou até um “Entenda os protestos na Venezuela”, desta vez o mesmo site preferiu focar na “violência dos manifestantes” na França.

Para comparação de títulos.

Na França:

    França tem protestos violentos de trabalhadores e estudantes
    Protestos contra reforma trabalhista na França têm episódios de violência

Na Venezuela:

    Saiba quem é Leopoldo López, líder dos protestos na Venezuela
    Após manifestação, oposição da Venezuela promete seguir nas ruas

No caso, as manifestações na França já duram muito mais tempo do que os protestos na Venezuela em 2014. Mesmo assim, não houve qualquer tentativa jornalística por parte do portal G1 de procurar saber “quem são as pessoas manifestando”, e sim simplesmente utilizar do método “da violência” para resumir toda uma mobilização em poucas palavras — criminalizando tudo.

Não por acaso, o regime venezuelano representa tudo aquilo que a mídia corporativa e privada detesta no Brasil — e posteriormente tudo aquilo que o novo governo em Brasília tenta rechaçar como “herança diplomática petista”.

Portanto, vale a pena a cobertura.

Já na França, nem tanto.

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