A primeira parte do texto (vv. 1-14) tem grandes semelhanças com a história da “pesca milagrosa” de Lucas (Lc 5,1-11). Mas o contexto, pós-ressurrecional, é diferente. Como sempre no Quarto Evangelho devemos prestar atenção aos símbolos – sejam eles pessoas, eventos, ou números. Chama a atenção que – embora seja a terceira aparição de Jesus – os discípulos não o reconhecem. Isso demonstra que a presença de Jesus depois da Ressurreição, embora real, não é igual à sua presença durante a sua vida terrestre. Quem O reconhece primeiro é o Discípulo Amado – pois só quem vê com olhos de amor reconhece e vê além das aparências. Como foi o amor que o levou a correr mais depressa ao túmulo do que Pedro em Cap. 20, é o amor que faz com que ele seja o primeiro a reconhecer a presença de Jesus ressuscitado. Ele é o Discípulo Amado e que ama. Pedro o será somente depois da sua profissão de amor (vv. 15-17).
A pesca simboliza a missão dos discípulos. Segundo muitos estudiosos, embora existam outras hipóteses também, o número de 153 peixes se baseia no fato de que os zoólogos gregos da antiguidade achavam que existiam no mundo 153 espécies de peixe. Então, o Evangelho está dizendo que a Igreja (simbolizada pela rede) pode abraçar o universo inteiro – todos os povos e culturas. É interessante que – diferente da história em Lucas – a rede não se rompe! A diversidade de culturas, tradições e povos constitui uma riqueza para a Igreja e não deve levar a rompimento da unidade, sem que se imponha a uniformidade (a palavra grega que João usa para “romper” é “schisma”). Certamente essa visão deve desafiar e questionar tantas tendências de centralização e rigidez que ainda existem na Igreja hoje!
O nó da questão está na entrega da missão a Pedro. Ele deve ser o Bom Pastor das ovelhas e dos cordeiros – dos membros das comunidades. Mas, as ovelhas não pertencem a ele – ele é apenas o Pastor – as ovelhas pertencem ao Senhor! Aqui Pedro recebe esta grande missão que nos Sinóticos ele recebe na estrada de Cesaréia de Felipe. Mas mais importante do que a sua função é a sua vocação de discípulo – aquele que ama e segue o Senhor. Só quem ama Jesus profundamente poderá pastorear os seus seguidores. Se, no primeiro capítulo do Evangelho, Pedro veio a Jesus por mediação do seu irmão André (Jo 1, 40-42), agora recebe o convite do próprio Mestre: “Siga-me", pois no amor Ele fez a opção pelo discipulado.
Todos nós recebemos o mesmo convite: “Siga-me”. Seja qual for a nossa função e missão na Igreja, elas só terão sentido na medida em que realmente amarmos Jesus – um amor que só é autêntico se amarmos os outros, na luta comum em favor da construção de um mundo onde todos/as possam “ter vida e vida em abundância” (Jo 10,10), pois “se Deus nos amou a tal ponto, também nós devemos amar-nos uns aos outros” (1Jo 4,11).