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Escândalo da merenda cresce, implica aliado de Alckmin e reacende mobilização estudantil

Escândalo da merenda cresce
No final do ano passado, a oposição ao projeto de reorganização escolar do Governo Alckmin (PSDB) fez com que os secundaristas de São Paulo protagonizassem o mais importante movimento estudantil dos últimos anos. No auge das mobilizações, mais de 200 escolas foram ocupadas e milhares de estudantes foram às ruas contra o projeto que fecharia ao menos 92 colégios e forçaria a transferência de mais de 300.000 — e venceram. Agora, seis meses depois, elementos desse quadro podem ser o combustível para uma nova onda de manifestações.
 
Os estudantes mantêm a organização e agora voltam suas energias para protestar por temas relacionados: o escândalo de desvios de verba na compra da merenda da rede estadual, em que estão acusados aliados do governador Geraldo Alckmin (PSDB), e o que veem como queda da qualidade da alimentação oferecida nos colégios.
Os estudantes, nas ruas novamente, agora pedem a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o caso. O projeto já existe na Assembleia Legislativa, mas faltam as assinaturas necessárias para que seja aberto. Os estudantes também reclamam que desde o início deste ano a merenda de muitas escolas se transformou, de uma refeição de arroz e feijão em bolacha e suco. A oferta de alimentos oscila, dizem os alunos. Para ilustrar, uma página no Facebook chamada Diário da Merenda publica imagens do que está sendo servido pelas escolas.

A mobilização estudantil segue o passo do crescimento do escândalo da merenda. Desde o ano passado, a Operação Alba Branca investiga o pagamento de propinas, fraudes de licitações e superfaturamentos de produtos agrícolas usados nas merendas da rede estadual. A operação foi deflagrada em janeiro deste ano, quando o lobista e peça-chave do esquema, Marcel Ferreira Julio, teve a sua prisão decretada. Na época, ele foi dado como foragido, mas acabou se entregando no último dia 31. Foi solto na semana seguinte, após fazer acordo de delação premiada. No depoimento de colaboração com a Justiça, de acordo com a Folha de S. Paulo, ele citou o presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Fernando Capez (PSDB), como um dos beneficiários do esquema. Capez nega seu envolvimento no caso e se considera uma vítima de uma citação que estaria politicamente motivada.

Na semana passada, quando a segunda fase da operação foi deflagrada e Julio foi preso, um documento importante para as apurações do caso sumiu de dentro da secretaria de Educação do Estado. O papel foi mencionado em uma interceptação telefônica entre Julio e Luiz Roberto dos Santos, conhecido como Moita, ex-chefe da Casa Civil de Geraldo Alckmin. Na conversa, Moita diz a Julio que Fernando Padula, então chefe de gabinete da secretaria de Educação, aconselhou a Coaf – cooperativa de alimentos envolvida no caso – a usar, no documento que sumiu, o termo “reequilíbrio econômico” para justificar o aumento do valor de um dos contratos assinados entre a Coaf e o Estado. Ao programa Bom Dia São Paulo, da TV Globo, o corregedor-geral Ivan Agostinho disse que a última funcionária que teve acesso ao documento na secretaria não soube dizer como ele desapareceu de lá. O delegado responsável pelo caso, José Eduardo Vasconcelos, afirmou ter ficado “perplexo” com o sumiço dos papéis. “É surpreendente”, disse.

Além de Julio, outras seis pessoas foram detidas até agora por suposta ligação ao esquema. Uma delas, é Leonel Julio, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Estado e pai de Marcel Ferreira Julio. Dos sete detidos, apenas um segue preso, até o fechamento desta reportagem: Joaquim Geraldo Pereira da Silva, acusado de ser outro lobista do esquema.

Repressão policial e críticas no CIDH
As manifestações estudantis não tomaram as proporções que tiveram no ano passado nem colégios foram ocupados, mas atos pontuais estão ocorrendo pela cidade. Como em 2015, alguns dos protestos estão enfrentando repressão policial. Nesta quarta-feira, a PM usou bombas de gás lacrimogêneo para tentar conter um grupo de estudantes que se manifestava no centro da cidade. Ao menos uma pessoa foi detida, e liberada em seguida. A julgar por mobilizações anteriores, os excessos da polícia podem ser também combustível capaz de galvanizar os estudantes.

A repressão no centro de São Paulo ocorreu um dia antes de que uma denúncia do uso desproporcional da força pela PM contra os estudantes em 2015 fosse analisada nesta quinta na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos) que monitora violações no continente.

Participaram da audiência dois secundaristas, uma mãe que faz parte do Comitê dos Pais e Mães em Luta e duas advogadas da ONG de direitos humanos Artigo 19, autores da denúncia. Representando o Governo Alckmin, o procurador Eduardo da Silva Ramos defendeu a necessidade da reorganização escolar – uma temas apenas congelado para a gestão – e afirmou que se houve abusos por parte da polícia, o Estado não foi notificado. "Se houve violações, elas poderiam ter sido levadas à Defensoria Pública ou ao Ministério Público, mas não foram", disse. "Se houve abusos, eles devem ser punidos". Ramos ouviu críticas dos integrantes da CIDH, que cobraram medidas que evitem a repetição das cenas do ano passado.

Em São Paulo, a audiência também foi acompanhada, pela internet, por alguns dos estudantes alvos da repressão nesta semana. Após a sessão, os estudantes realizaram um debate para decidir o que fariam a partir de agora. “Nós vamos reagir”, disse Letícia Karen, aluna do segundo ano da escola Fernão Dias, colégio que virou um do símbolo de resistência das ocupações no ano passado. “Essa audiência foi importante para que outros países conheçam os abusos policiais que são cometidos aqui no Brasil. Por isso, vamos reagir: nas ruas, nas escolas e por meio da internet”, disse.

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