No entanto, e “para evitar qualquer interpretação enviesada”, o Papa ressalta que “de maneira alguma a Igreja deve renunciar ao ideal pleno do matrimônio cristão, reflexo da união entre o Cristo e sua Igreja, e que se realiza plenamente na união entre um homem e uma mulher” que “se dedicam reciprocamente um amor exclusivo” e “até a morte”. O parágrafo seguinte do oitavo capítulo afirma: “Outras formas de união contradizem radicalmente este ideal, mas algumas o realizam ao menos de uma forma parcial e análoga”. Bergoglio inclui a proposta dos padres sinodais de “valorizar os elementos construtivos daquelas situações que ainda não correspondem ou que já corresponderam” à instituição do matrimônio. A partir daí o Papa discorre sobre “as duas lógicas que atravessam toda a história da Igreja, marginalizar e reintegrar”, e afirma que ”a partir do Concílio de Jerusalém, o caminho da Igreja tem sido o de não condenar ninguém para sempre e difundir a misericórdia de Deus para todas as pessoas que a pedem de coração sincero, porque a verdadeira caridade é sempre desinteressada, incondicional e gratuita”.
O Papa faz também uma autocrítica a respeito de certas atitudes rígidas da Igreja que geraram repúdio: “Devemos ser humildes e realistas para poder reconhecer que às vezes o nosso modo de apresentar as convicções cristãs e a forma de tratar as pessoas é que causaram aquilo que hoje lamentamos (…). Muitas pessoas não sentem que a mensagem da Igreja sobre o matrimônio e a família tenha sido um reflexo claro da pregação e das atitudes de Jesus, que, ao mesmo tempo em que propunha um ideal exigente, nunca perdia a aproximação compassiva com os fracos, como a samaritana ou a mulher adúltera (…). Estamos chamados a formar as consciências, mas não a querer substituí-las”.
Na linha do Concílio Vaticano II, a exortação apregoa “uma positiva e prudente educação sexual” para crianças e adolescentes “conforme a idade avança” e “levando em conta o progresso da psicologia, da pedagogia e da didática”, mas se pergunta se “as instituições educativas [da Igreja] assumiram esse desafio”. Depois de defender uma informação sexual que desenvolva um “senso crítico” diante da “invasão de propostas” e da “pornografia descontrolada”, o Papa advoga o “pudor saudável” e critica o fato de que, “com frequência”, a educação sexual se concentra apenas em um convite a que se realizar um “sexo seguro”. “Esta expressão”, afirma a exortação apostólica, “transmite uma atitude negativa diante da finalidade de procriação natural da sexualidade, como se um possível filho fosse um inimigo do qual se deve proteger. Assim se promove a agressividade narcisista em vez do acolhimento. É irresponsável qualquer convite aos adolescentes para que brinquem com seus corpos e desejos como se já tivessem os valores e a maturidade, o compromisso mútuo e os objetivos próprios de um casamento. Dessa forma, se estimula alegremente a utilizar a outra pessoa como objeto de buscas compensatórias de carências ou de grandes limitações”.
Embora a exortação apostólica não se dedique a analisar o escândalo da pederastia dentro da Igreja, o Papa não deixa de utilizar a ocasião para advertir de que “o abuso sexual de crianças se torna ainda mais escandaloso quando ocorre nos lugares onde elas deveriam ser protegidas, particularmente nas famílias, nas escolas e nas comunidades e instituições cristãs”.