No coração das mulheres camponesas está esta liga tão desejada por uma compreensão da totalidade social que não massacre nem subordine as variáveis das relações sociais de poder (classe, gênero, etnia). Assim o 8 de março foi dia de festa, dia de estudo, dia de luta, dia de graça…, deixando para os ignorantes as ridículas expressões de reconhecimento pelo dia da mulher e toda a baboseira que os meios de comunicação e as empresas tentam fazer para construir mais um dia de consumo e alienação.
O 8 de março de 2006 consolida também a sabedoria das mulheres na construção da unidade na ação criando possibilidades reais de convivência entre movimentos diferentes. A boca fala do que está cheio o coração: quem ouviu direito o que disseram as mulheres entendeu que as mulheres já não aceitam mais ser massa de manobra ou tarefeiras dentro dos movimentos sociais do campo.
As relações de poder desiguais e violentas dentro das organizações camponesas já não podem mais ser explicadas pelas fragilidades teóricas e/ou estratégicas das mulheres…, como querem fazer crer alguns dirigentes. O 8 de março de 2006 tinha também o que dizer para o conjunto dos movimentos da Via Campesina no Brasil: a luta não é só dos companheiros… o protagonismo político também não. Sem a mulher a luta vai pela metade: a política de cotas é só o ponto de partida para a construção da participação de iguais na construção e na condução da luta.
O que as mulheres camponesas tinham pra dizer: que o agronegócio de papel e celulose é espinheiro e abrolhos que não garantem uso social e ecológico da terra e da água. A expansão da monocultura da celulose quer inviabilizar a necessidade da reforma agrária e agrícola no sul do Brasil. Não produz alimento. Não gera emprego proporcional à quantidade de terra utilizada. Não garante uma relação responsável com o meio ambiente. Não distribui riqueza fazendo do Brasil um ponto subordinado – também na área da pesquisa! – no quadro internacional do capital papeleiro.
As árvores são conhecidas por seus frutos… o eucalipto, o pinus e a acácia inseridas no modelo agrário e agrícola atual são árvores más que produzem frutos maus.
Não! O campesinato brasileiro não tem participado da discussão do modelo agrário e agrícola brasileiro que vem priorizando os interesses do capitalismo do agronegócio globalizado. Existem projetos políticos e econômicos em conflito e as condições reais de negociação e participação não existem. A condição para a negociação é a Reforma Agrária e o campesinato brasileiro e latino-americano vêm dando mostras da sua capacidade de luta, debate e de propostas.
As necessidades infindáveis e insustentáveis de consumo de papel e derivados no capitalismo têm como referência os padrões de uma burguesia mundial que afirma precisar demais do papel porque lê demais! Escreve demais! Embrulha demais! Empacota demais! Compra demais! Gasta demais! Este modelo absurdo de consumo não vai ser imposto ao campesinato mundial.
É o recado do coração e da luta das mulheres neste 8 de março de 2006 e no que virá. Elas não precisam do evangelho de Lucas pra aprender a distinguir as árvores boas e as árvores más. Elas já sabem. São os teólogos e teólogas, os biblistas e as biblistas que precisam aprender a ler as árvores e seus frutos e afirmar o sagrado na luta do povo…, ou vão continuar reféns dos laboratórios de pesquisa das palavras más de institutos ruins de uma péssima teologia que vai ser arrancada pela paixão da luta popular.
[1] Texto escrito diante do episódio no qual mulheres agricultoras de várias partes do Rio Grande do Sul destruíram as mudas de eucalipto da Aracruz Celulose. Em várias regiões do Brasil, as grandes plantações de eucalipto vêm causando a destruição das terras, a contaminação dos rios e a expulsão de muitas famílias camponesas de suas terras.
[2] Pastora metodista. Agente de pastoral da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e assessora do CEBI.