Devemos esperar que o camponês, ao ver a propriedade agrícola da sua família ser destruída por um drone, e matar seu avô, pai e irmão, e o bebê de sua irmã, se refugie agradecido no Ocidente?
“A paz só virá como fruto da justiça”, dizia o profeta Isaías, sete séculos antes de Cristo. Ou seja, jamais virá como mero equilíbrio de forças.
Por que razão os donos do Ocidente (a Europa Ocidental e os EUA) estenderam, durante décadas, tapete vermelho para as famílias (Bashar) al-Assad, da Síria; Hussein, do Iraque; Kadafi, da Líbia; e, de repente, todas foram jogadas no lixo da história? A resposta está na evolução do comércio de petróleo.
Política é muito importante. Mas nem todos devem ser políticos. É preciso ter vocação e, de preferência, decência também. Porém, em qualquer atividade fazemos política. Tomamos posição em um mundo desigual. Não existe neutralidade. Em tudo ajudamos a manter ou a transformar a realidade; dominar ou mudar; oprimir ou libertar. Essa foi a postura de Jesus.
Quando me perguntam por que me envolvo com política, por via pastoral ou dos movimentos sociais (pois nunca me filiei a partido político), respondo: porque sou discípulo de um prisioneiro político.
Jesus não morreu doente na cama. Morreu como Vladimir Herzog: preso, torturado, julgado por dois poderes políticos, e condenado à pena de morte dos romanos, a cruz.
Por que foi condenado, se era tão espiritualizado, tão santo? Ora, que tipo de fé temos hoje que não questiona essa desordem estabelecida? Condenaram-no pela mesma razão que você, leitor, seria, de maneira preconceituosa, se começar a dizer que o mundo não tem saída fora do socialismo.
Mas o socialismo foi derrotado, e você ainda é socialista? Haverá futuro para a humanidade sem a partilha dos bens da natureza e do trabalho humano?
Ora, dentro do reino de César, Jesus de Nazaré anunciava um Reino de Deus! Para ele, o Reino de Deus ficava na frente, no futuro histórico. Anunciar um Reino de Deus no reino de César era alta subversão.
Jesus não veio fundar uma Igreja ou uma religião. Veio nos trazer as sementes de um novo projeto civilizatório, baseado na justiça e no amor. E que resumiu na expressão própria da época (Reino de Deus), que hoje quase nada significa para nós (ainda mais na América Latina, que não tem nenhum reino). Ele veio trazer as sementes do projeto de um mundo como Deus quer. Basta ler as Bem-aventuranças (que explico em Oito vias para ser feliz, editora Planeta) e o Sermão da montanha – um mundo de partilha, como na chamada multiplicação dos pães.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos são merecedores de direitos aqueles que têm certo nível de vida. Para Jesus, ao contrário, a pessoa pode ser cega, coxa, hanseniana, excluída – ela é templo vivo de Deus, dotada de ontológica sacralidade! Eis a radical defesa dos direitos humanos.
O marxismo europeu, por exemplo, graças ao qual a modernidade avançou em termos de inclusão social, nunca defendeu os direitos indígenas, como fez o marxista peruano Mariátegui. Até se entende a razão, pois é uma filosofia, um método criado na Europa, onde quase não havia índios. Mas também nunca defendeu o protagonismo dos moradores de rua, chamados de lúmpem-proletariado. Ou seja, seriam os beneficiários de um futuro projeto socialista ou comunista, mas não protagonistas.
A diferença é que, para Jesus, todos são chamados a serem protagonistas. Ou como conclamou o papa Francisco aos jovens, no Rio, em 2013: “sejam revolucionários, vão contra a corrente!”