BRASÍLIA – “Eu não sabia que existia governo. Foi chegando, invadiu nossas terras, matando nossos irmãos”. Esse o início do depoimento do líder dos Yanomami, Davi Kopenawa, à Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Os Yanomami, como outros povos indígenas, viviam isolados e tomaram conhecimento de que existia um Brasil na época das grandes obras dos governos dos generais Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, presidentes do país no período da ditadura civil-militar.
“Esses índios tomaram contato com o fato de que existia um Brasil, um governo, da pior forma possível, que foi a violência contra eles. Eles não tomaram contato pelo fato de que estavam dentro de um país porque veio uma equipe de saúde cuidar das doenças, da nutrição. Viram estradas sendo abertas, máquinas, aproximação não cuidadosa do homem branco, dizimando as tribos por epidemia e por violência. Houve confrontos armados, tortura, vários casos graves de violência intencional do Estado”.
A análise é da jornalista, psicóloga e escritora Maria Rita Kehl, que integra a CNV e coordena o Grupo de Trabalho que analisa as violações cometidas contra camponeses e indígenas de 1946, fim da ditadura do governo de Getúlio Vargas, até 1988, ano da Constituinte que marca, formalmente, o fim da ditadura civil militar no país.
Em entrevista à Página do MST a jornalista adiantou que no âmbito da CNV “a maior novidade é que camponeses e índios sejam incluídos entre as vítimas” do regime militar. Indígenas não estavam necessariamente combatendo a ditadura, mas eram, muitas vezes, vítimas acidentais do processo de desenvolvimento, avaliou Maria Rita.
Em depoimentos à CNV, funcionários e ex-funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) disseram que “a maior violência do Estado foi mandá-los fazer frentes de aproximação com os índios sem levar vacinas, sem vacinar os próprios agentes, sem levar remédios para coisas banais como gripe e sarampo”. Sem defesas imunológicas, índios “morriam como moscas”, disse a psicóloga.
A própria Funai manteve, no mais absoluto silêncio, dois centros de detenção de indígenas considerados “infratores”, o Reformatório Krenak, em Resplendor, e a Fazenda Guarani, em Carmésia, ambos em Minas Gerais.
O detentos eram geridos e vigiados por policiais militares sobre os quais recaem diversas denúncias de tortura, trabalho escravo, desaparecimentos, informou o repórter André Campos, em matéria publicada por Repórter Brasil.
O Estado brasileiro em nenhum momento reconheceu a existência de tais crimes, concluiu o repórter.