"Algumas funções femininas são quase sempre canalizadas como atributos de um Deus caracteristicamente masculino. Acredito pessoalmente que a experiência com a Deusa possibilita falar do universo sagrado a partir do universo feminino sem necessitar da intermediação masculina. Isso ajudará a reforçar o caminho da igualdade. As relações de gênero precisam estar alicerçadas na parceria e no respeito."
Negra na tez e na opção, rosto jovem, sorriso sempre aberto. Ana Luisa Cordeiro (foto), acaba de lançar o fruto de sua pesquisa: Onde estão as deusas? Asherá, a Deusa proibida, nas linhas e entrelinhas. Aos 27 anos, Ana Luisa é Mestra em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO. Atualmente, reside em Campo Grande/MS.
Leia a entrevista que concedeu ao CEBI:
CEBI – De onde vem o seu interesse pela pesquisa bíblica? Não é algo tão comum no meio da juventude.
Ana Luisa Cordeiro – Desde minha adolescência, sempre gostei de ler livros de história, sociologia, etc. Minha mãe é professora e tinha uma biblioteca acessível dentro de casa. Quando tive contato com o jeito de ler a Bíblia que o CEBI propõe, me encontrei e me encantei com este jeito pé no chão de falar e viver a religião.
CEBI – Por que a sua escolha em pesquisar sobre divindades femininas na Bíblia?
Ana Luisa Cordeiro – Bom, participei em 2003, no Rio Grande do Sul, de uma semana de estudo bíblico intitulada "A Bíblia na ótica do pobre e da mulher". O assessor, Ildo Bohn Gass, passou um documentário da Discovery: Asherah, The Forbidden Goddess (Asherah, a deusa proibida), que falava de Asherah, uma divindade feminina que aparecia em mais de quarenta citações bíblicas. E mais, que era uma divindade feminina nativa, ela não havia sido trazida de fora, da cultura de outros povos. Naquele dia, não consegui nem dormir direito, imaginando e pensando: por que essa história não é contada?
CEBI – Das descobertas que fez na pesquisa, qual sua maior surpresa?
Ana Luisa Cordeiro – Que a cultura é uma construção social e, como todo ato social tende a contar os fatos a partir do grupo que o faz e o registra, não existe neutralidade ao se contar uma história. E não foi diferente em relação à presença das divindades femininas.
CEBI – O que significa para você, enquanto jovem e negra, descobrir que na história de Israel, o culto a divindades femininas foi maior do que normalmente se imagina?
Ana Luisa Cordeiro – A questão é que muitos e muitas de nós vivemos e viveremos sem sequer imaginar, questionar ou supor tal realidade. Porque não só a história escrita, mas também a transmissão dessa história no decorrer dos anos abafaram a presença e memória das deusas no antigo Israel. Colocar parte dessa memória por escrito neste livro que agora vocês têm em mãos, expressa o desejo de levar as pessoas a descobrirem parte de uma história que foi negativizada e abafada. Aqui travo uma luta, uma reivindicação feminista e de gênero no campo simbólico da religião.
CEBI – Pela sua experiência em assessoria junto a comunidades cristãs, como tem sido a reação das pessoas quando você trata dessa temática?
Ana Luisa Cordeiro – Interessante. Até agora não houve nenhuma oposição radical de enfrentamento face a face. Mas nas vias online sim, principalmente de vertentes religiosas mais fundamentalistas. Geralmente os grupos de estudos bíblicos com os quais tenho contato se mostram interessados, instigados a buscar mais, a ampliar os horizontes, e isso é muito legal.
CEBI – O que significa essa experiência com a Deusa para a auto-estima da mulher?
Ana Luisa Cordeiro – Bom, nessa questão tão subjetiva posso dizer que para mim a experiência com a Deusa revela essa dimensão feminina das relações com o sagrado. É a oportunidade de falar de mulher para Mulher. Desde criança somos educadas e educados a rezar/orar para o Pai, Deus, Senhor, Rei, Poderoso, etc… e não para a Mãe, Deusa, Senhora, Rainha, Poderosa, etc. também… Algumas funções femininas são quase sempre canalizadas como atributos de um Deus caracteristicamente masculino. Acredito pessoalmente que a experiência com a Deusa possibilita falar do universo sagrado a partir do universo feminino sem necessitar da intermediação masculina. Isso ajudará a reforçar o caminho da igualdade. As relações de gênero precisam estar alicerçadas na parceria e no respeito.