Igreja, Carisma e Poder do Serviço

A Igreja Cristã é formada por pessoas que se reconhecem, simultaneamente, justas e pecadoras, necessitadas do perdão gracioso de Deus. A Igreja Cristã acontece na interação da Liturgia  (celebrar), Diaconia (servir), Koinonia (comunhão), Martíria (testemunho). A Igreja Cristã necessita sempre considerar o contexto geopolítico e socioeconômico, pois ela é chamada para anunciar o Reino de Deus, especialmente aos sofridos, aos pobres e oprimidos, seja devido a classe social, raça/etnia, orientação sexual, geração, localização geográfica. Como nos diz Leonardo Boff, no livro Igreja Carisma e Poder.

A Igreja não pode ser entendida nela e por ela mesma, pois está a serviço de realidades que a transcendem, o Reino e o mundo. […] O mundo é o lugar da realização histórica do Reino. […] A Igreja é aquela do mundo que na força do Espírito, acolheu o Reino de forma explícita na pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado em nossa opressão, guarda a permanente memória e a consciência do Reino, celebra sua presença no mundo e em si mesma e detém a gramática de seu anúncio, a serviço do mundo. A Igreja não é o Reino mas seu sinal […]. (1982, p. 16). 

A Igreja Cristã é chamada a servir em seu contexto, testemunhando o que Deus fez em Jesus Cristo. É através do serviço comprometido com a transformação da realidade de sofrimento, que a Igreja participa da missão de Deus no mundo. A Igreja Cristã é chamada a ser uma comunidade diaconal que objetiva a transformação da realidade de pobreza, violência e morte, a partir do exemplo ministerial de Jesus. Ela é chamada a manifestar o poder do serviço sobre o poder da dominação, capacitando e criando possibilidades para que a Vida em abundância anunciada por Jesus (João 10.10) aconteça para todas as pessoas e também para toda a terra. A Igreja tem a tarefa de testemunhar a graça transformadora de Deus através do testemunho público e de atos de serviço, fundamentados nos direitos humanos promovendo o Reino de Deus. O servir é a resposta imediata aos sofrimentos que estão presentes no mundo. No entanto, o servir necessita ter como base a justiça e a paz, promovendo a cidadania. A diaconia necessita acontecer com as pessoas necessitadas, isto é, não pode simplesmente ser uma ação caritativa ou assistencialista, que não objetiva a libertação e transformação. A Igreja de Jesus Cristo necessita fazer uso da profecia, isto é, necessita denunciar situações que envolvem a exploração humana e ambiental.

A Igreja Cristã é a comunhão dos santos e das santas, isto é, daqueles e daquelas que creem e buscam viver de acordo com o Evangelho de Jesus Cristo. O ouvir a palavra, celebrar, louvar são fundamentais para fortalecer o serviço cristão no mundo. O Espírito Santo atua, reunindo pessoas cristãs em diferentes contextos, impulsionando-as a proclamarem e viverem a fé que atua pelo amor. A fé é presente gracioso de Deus que encoraja para a ação transformadora. A fé recebe e o amor atua.

Portanto, a Bíblia, livro sagrado das cristãs e dos cristãos, necessita ser lida e proclamada, na Igreja, a partir de uma espiritualidade fundamentada no amor, revelado em Jesus Cristo. Ela não pode ser utilizada de forma fundamentalista para impor ideologias (como tem acontecido nos países da América Latina). A proclamação da Palavra necessita ser estudada e contextualizada. O centro da Escritura cristã é Jesus Cristo, isto é, todo o seu ministério, sua ação em favor dos/as pobres e excluídos/as. Jesus Cristo morreu crucificado, devido a proclamação e a vivência radical do Evangelho e Deus o ressuscitou para a Esperança da possibilidade de um novo mundo, onde a justiça e a paz se beijarão (Sl 85.10).

O amor, revelado a partir de Jesus Cristo, é serviço que busca a transformação de realidades violentas, preconceituosas, discriminatórias, racistas, homofóbicas, machistas, patriarcais, que não afirmam a diversidade da vida. A prática do amor não é somente um ato isolado, emocional, mas necessita se consolidar em políticas públicas cidadãs, objetivando a redução da pobreza, da fome, da violência, da desigualdade social, do machismo, da falta de cuidado com a natureza. A valorização do estado laico é fundamental, num mundo, onde caibam muitos mundos. Isto significa que cristãos e cristãs também respeitam as diversas formas das pessoas expressarem a sua forma de crer. A intolerância religiosa e o racismo não tem lugar no coração de quem é embalado em sua vida pelo amor de Jesus, pois ele acolheu a todos e todas.

A Igreja Cristã necessita construir-se na horizontalidade, onde um/a não é mais importante do que o/a outro/a. Vive-se na dependência e na diversidade dos dons e serviços. A Igreja é composta pelos diferentes carismas, isto é, dons e habilidades diversas compõe a comunidade cristã. Segundo o apóstolo Paulo, todos/as têm um lugar importante e cada um/a é chamado/a para servir, “pois mesmo sendo muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros (Romanos 12.5). Vivemos em relação e na dependência uns/umas dos outros/as. Neste sentido, que o apóstolo citado compara a comunidade cristã com o corpo humano (1Co 12.12ss). Esta é a maravilha do Corpo de Cristo (a comunidade cristã), ela é formada pela diversidade. Isto significa que todos podem servir com seus dons (carismas), em relação de respeito e igualdade, objetivando o serviço transformador do amor no contexto onde está localizada. A Igreja vive da escuta sensível e comprometida da Palavra de Deus, que denuncia situações de injustiça, fome, miséria, violência e anuncia o Reino de Deus, a partir da prática de Jesus dentro do mundo. O rosto humano de Deus, Jesus Cristo, é a razão da construção da igreja/comunidade universal e que se define como serviço à paz e à justiça. A atuação da Igreja Cristã passa, necessariamente, pelo anúncio do Cristo crucificado e ressuscitado. No corpo de Cristo não há eleitos e sim, membros que se fortalecem a partir do anúncio do Evangelho e da prática sincera dos sacramentos. 

Jesus chama ao seguimento e a vivência de uma Igreja que se esvazia, assumindo a condição de serva. Essa Igreja serva de Cristo necessita de lideranças que não se identificarão com o poder ideológico das armas, da construção de muros que separam pessoas e povos, mas com o poder do serviço, que caminha junto aos pobres, denuncia as injustiças e anuncia o amor misericordioso de Deus, proclamando, em palavras e ações, a dignidade de toda a criação. 

Claudete Beise Ulrich
Vitória – ES

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