Antes o Mundo não existia – Mitologia dos antigos Dessana-Kênhíriporã
Maria Isabel de Oliveira da Silva
Nome de Bezimento: Wihssipó
Os conhecimentos tradicionais indígenas sobre a origem do universo com o olhar indígena do povo Dessano levam a um mundo talvez desconhecido por muitos, mas um olhar e sentimento de coletividade que os povos originários vivem continuamente seu bem viver. Essa referência indica-nos o livro dos Dessana “Antes o mundo não existia” – Mitologia dos antigos dessana-Kêhiríporã, da primeira edição contada pelos anciãos.
Temos na passagem bíblica nas primeiras páginas do livro de gênesis a origem do universo segundo a religião católica. Mas nas visões e conhecimentos indígenas temos também as histórias sobre a origem do universo. Nesse texto, trago a origem do universo, não de modo paralelo, mas interativa dessa origem na visão Dessana.
Nos contos e nas leituras, parece ser muito prático e rápido, mas na realidade quando paramos para refletir e ver os detalhes dessa criação do universo é algo muito especial quando vão se formando pequenas características. O modo de pensar em criar algo, requer um processo para ter seu final perfeito, mas nem sempre sai como é pensado, pois a prática requer certos cuidados.
A criação do universo com os conhecimentos do povo Dessana em sua primeira edição, não nasce de um homem, pelo contrário, nasce de uma “Mulher” e essa mulher chama-se “Yebá buró” – Avó do Mundo ou também Avó da Terra, ela nasceu por si mesma, sustentando seu banco de quartzo branco. Na sua nascença, trouxe seus enfeites e com ele fez um quarto. Esse quarto chama-se Ühtâboho taribu “Quarto de Quartzo Branco”.
Yebá Buró precisava criar por si só seis coisas misteriosas: um banco de quartzo branco; uma forquilha para segurar o cigarro; uma cuia de ipadú; suporte para cuia de ipadú; uma cuia de farinha de tapioca e o suporte desta cuia. A partir dessas coisas misteriosas foi que ela se transformou por si mesma. Por isso para os Dessana chama-se “Não Criada” Ela pensou sobre o futuro dos seres. Em seguida de tudo ser criado pensou em como deveria ser o mundo. No seu quarto de Quartzo Branco, ela comeu ipadú, fumou o cigarro e se pôs a pensar.
Enquanto isso começou a levantar algo, como se fosse um balão e em cima apareceu uma espécie de torre, tudo isso em seu pensamento. Enquanto o balão estava em movimento, envolveu uma escuridão, de maneira que toda ela ficou dentro dele. O formato redondo do balão era o mundo. Não havia luz, somente no quarto dela. O formato do balão ela chamou de “Ümükowi’i”, Maloca do Universo. Esse é o nome que ainda é o mais conhecido e mencionado nas cerimônias.
Após criar a maloca, pensou em colocar pessoas nessa Maloca do universo. Mas continuou a mascar ipadú e a fumar cigarro. Todos os elementos que foram criados eram essenciais para a criação da humanidade. Em seu quarto de “Quartzo Branco”, tirou o ipadú da boca e o fez transformar-se em homens, que os chamou de “Avôs do Mundo” (Ümükoñehküsüma). Eles eram trovões, em conjunto eram chamados de “Ühtãbohowerimahsã”, quer dizer “homens de Quartzo Branco”, porque eles são eternos. Em seguida, ela saudou os homens por ela criados chamando “Ümükosurã”, isto é, irmãos do mundo. Saudou como se fossem seus irmãos. Por sua vez responderam chamando-a “Ümükosurãñehkõ”, Tataravó do mundo. Significando que ela era avó de tudo que existe no mundo.
Feito isso, deu a cada um deles um quarto dentro da grande maloca que é a “Maloca do Mundo”. Os trovões eram cinco. Que foram chamados “Avôs do Mundo”. O primeiro, como primogênito, recebeu o quarto de chefe. O segundo recebeu o quarto da direita, acima do primeiro. O terceiro recebeu o quarto no alto do “jirau do jabutí”, no lugar onde se costumava guardar o casco de jabuti tocado nos dias especiais de dança. O quarto Trovão recebeu o quarto da esquerda, acima do primeiro e em frente ao segundo quarto. Por fim, o quinto recebeu o quarto bem na entrada, perto da porta, onde dormem os hóspedes. Como foi dito antes, o mundo terminava em forma de torre. Na ponta da torre, havia um sexto quarto onde estava um morcego enorme que parecia como um grande gavião. O lugar onde estava se chamava “Funil do Alto” (Ümüsîdoro), quer dizer o “Fim” confins do Mundo. Assim todos receberam seu quarto. Esses mesmos quartos chamavam-se malocas “Ümükowi’iri” (Malocas do Mundo). Até então ainda não havia luz no mundo. Somente nas malocas, como as de “Yebá Buró”. O restante do mundo continuava na escuridão.
Após criar os trovões, “Yebá Buró”, disse a eles: gerei vocês para criar o mundo e pensem como fazer a luz, os rios e a futura humanidade. deu uma missão a cada um deles, pensar de como fazer a luz. Eles por sua vez continuaram a ficar em suas malocas, cada maloca tinha um nome. A primeira se chama “Maloca de leite” que fica no Sul, a segunda “Maloca da Cachoeira da Casca” que fica no Leste, a terceira, “Maloca de Cima” fica no alto, essa maloca tinha muitas riquezas como: diversos adornos usados nas danças rituais. Foi para o terceiro Trovão que a Avó do Mundo deu todas essas riquezas, assim com o poder de guardá-las. O quarto Trovão chamava-se “Diápasarowi’i”, fica no Oeste, no rio Apaporis, na Colômbia. O quinto “Maloca da Cabeceira”, fica no Norte, o Trovão dessa Maloca era o último e se chamava “Anta do Brinco do Sol”, ele brilhava por si mesmo.
O mundo ainda continuava na escuridão, “Avó do Mundo” vendo que os trovões não cumpriram suas ordensdisse: “Eu não mandei vocês ficarem parados, mandei-os fazer a luz, os rios e a futura humanidade e vocês não fizeram nada”. Os rios, eles haviam criado, mas faltava a luz e a futura humanidade. Depois de várias tentativas, não conseguiram fazer a luz.
Avó do Mundo vendo a incapacidade de ser criada a luz pelos trovões, resolveu de continuar a tomar o ipadú e fumar o cigarro pensando como deveria ser a humanidade. Enquanto estava pensando da fumaça formou-se um Ser misterioso que não tinha corpo. Um Ser que não se podia tocar e nem ver. Yebá Buró pegou o seu pari de defesa e nele o envolveu. Ela agindo como as mulheres que dão a luz. Depois de pegá-lo com seu pari, ela saudou, dizendo “Bisneto do Mundo”, ao qual ele respondeu “Tataravó do Mundo”. Tudo isso aconteceu em seu Quarto de Quartzo Branco. O nome desse Bisneto era Yebá Gõamû, quer dizer o “Demiurgo da Terra ou do Mundo”. A Avó do Mundo disse-lhe: Ela por sua vez contou a ele de como os trovões não conseguiram criar a luz. Ele respondeu a Ela que faria e aceitou a ordem de Yebá Buró. De seu Quarto de Quartzo Branco onde tudo aconteceu, ele levantou seu bastão cerimonial que se chama em Dessana “yewãîgõâ” osso de pajé e o fez subir até o cume da Torre do Mundo. Era a força dele que subia e aí parou.
A Avó do mundo vendo que tudo se cumpria com o bastão sendo erguido, cumpriu sua palavra de guiar o bisneto. Enfeitou a ponta do bastão com penas amarradas, com enfeites e adornos masculinos e femininos. Ela fez no cume da torre do mundo. Com todos os enfeites, a ponta do bastão ficou brilhando. Em seguida transformou-se assumindo um rosto humano. A partir desse momento, a luz ficou toda iluminada expandido-se por onde havia escuridão em todo o mundo. Era “Abe”, o sol que tinha acabado de ser criado. Na astronomia indígena, já sabiam que o sol girava por si mesmo. Feito isso Yebá Buró cobriu o sol com um tapume de penugem de arara.
Vendo que o trabalho do Bisneto do Mundo estava dando certo, continuou a trabalhar. O bastão era chamado “osso de pajé”, antes de subir até a maloca do trovão, criou vários paris: o pari de urucu de miriti, o pari das frutas pequenas de miriti, o pari de miriti meio amarelo, o pari de talos de caraná. Assim que terminou de criar em cima desses paris, subiu no espaço.
Enquanto isso Yebá Buró tirou de seu seio esquerdo sementes de tabaco, pequenos grãos minúsculos e espalhou em cima dos paris. Em seguida tirou leite, também do seio esquerdo, que ela derramou por cima dessas esteiras. A semente de tabaco era para formar a terra e o leite para adubá-la.
O Bisneto do Mundo subiu para Maloca de Cima, foi cortando e dividindo o espaço em várias camadas. O mundo foi assim dividido em andares. Como o ninho da caba que está dividido em vários níveis. Ele ficou bem acima, pois se ele estivesse perto de nós, queimaríamo-nos, por isso o sol fica bem distante. O Quarto da Avó do Mundo ficou debaixo de todos esses graus; é o primeiro quarto de “Quartzo Branco”, o segundo “Quarto de Pedras Velhas”, não se sabe exatamente o que existia nele.
Nos conhecimentos indígenas, a criação do mundo é de muita complexidade, pois é dele que surge todas as simbologias usadas pelos povos originários. A cada conto da criação remete-se a um determinado símbolo e este se torna a referências das vivências do cotidiano. Em outro momento, podemos trazer outros símbolos que podem ajudar a entender a criação do universo na visão indígena.
As primeiras páginas do livro de Gênesis fazem-nos refletir por etapa como foi a criação do universo. Que os dias da semana também se tornaram símbolos da vivência cristã.