No centro do evangelho de hoje está a questão da correta atitude de quem reza. Jesus pede que estejamos atentos/as ao modo como rezamos, e o faz confrontando a postura de dois personagens bem conhecidos e opostos: o fariseu, cioso de sua superioridade e perfeição, ostensiva e exteriormente piedoso; o publicano, cobrador de impostos, impuro e execrável aos olhos dos judeus nacionalistas, excluído da vida social e religiosa que gira em torno do templo.
Desejoso de ser visto e reconhecido, o fariseu reza de pé, e olha as outras pessoas de cima para baixo. Sua oração é uma espécie de autoelogio, marcada pelo desprezo e pela condenação das demais, consideradas inferiores e pecadoras. É como se Deus fosse obrigado a agradecer o fariseu por ele ser bom e correto. Por sua vez, o publicano não entra no templo e, sem coragem até de levantar os olhos, bate no peito reconhecendo sua condição ambivalente e pedindo que Deus se compadeça dele. Mas este não é um problema apenas do judaísmo ou dos primeiros cristãos!
A ostentação e o sentimento de superioridade, acompanhados de uma agressiva discriminação, contaminaram também os cristãos e, infelizmente, resistem. E, o que é pior, quase sempre vêm revestidas com a atraente roupagem da piedade. Mas, desde o mito bíblico de Abel e Caim, sabemos que Deus não trata todas as pessoas do mesmo modo. “Ele não é parcial em prejuízo dos pobres, mas escuta, sim, as súplicas dos oprimidos; ele jamais despreza a súplica do órfão, nem da viúva, quando desabafa suas mágoas”, lembra o livro do Eclesiástico.
Por mais que nos custe admitir, a humanidade e o país estão divididos. Não é necessário viajar o mundo para perceber que, em termos gerais, os países do Norte vivem na abundância de bens e oportunidades, enquanto que os países do Sul são condenados a digerir a miséria à qual são condenados. E existem também divisões entre os que se dizem “pessoas de bem” e os “outros”. Ultimamente, há quem repita, em alto e bom tom, que só pode reivindicar os direitos humanos quem for humano direito, ou até, segundo os mais exaltados, humano de direita.
Será que esta divisão nefasta está presente também no interior das nossas igrejas? Infelizmente, parece que sim! Basta dar uma olhada atenta à primazia conferida às Igrejas europeias no confronto com as Igrejas do Terceiro Mundo. Temos também os conflitos e posturas abjetas que rondaram as eleições brasileiras, sem esquecer aquela profunda e dolorida divisão entre as próprias comunidades cristãs: ortodoxos e romanos, católicos e protestantes, igrejas clássicas e igrejas pentecostais, uns se autoproclamando melhores e superiores aos outros.
A humanidade é chamada a ser uma só família, e essa é também a vontade de Deus. A interdependência dos povos e nações é já um fato objetivo, mas precisa se tornar um valor subjetivo, garantido ética e institucionalmente. O desafio é transformar a solidariedade objetiva e estrutural em valor buscado e assegurado para todos/as. A dignidade da pessoa humana independe da sua origem étnica, pertença religiosa, nacionalidade, convicção política, identidade sexual ou instrução. Estas diferenças apenas distinguem, complementam e enriquecem.
Ao ouvir a prece da pessoa humilde e criminalizada, Deus resgata sua dignidade e a verdadeira igualdade entre todos os seres humanos. Vimos como Paulo combate com tenacidade a pretensão de superioridade dos judeus e dos novos cristãos de origem judaica frente aos cristãos vindos do paganismo. Quando diz, em forma de testamento, que combateu o bom combate, completou a corrida e guardou a fé, está se referindo à sua convicção de que Cristo é nossa paz, pois de dois povos fez um só povo, derrubando o muro da inimizade que os separava (cf. Ef 2,14).
Deus Pai e Mãe, que escutas atenta e cordialmente o clamor dos oprimidos, despoja-nos de todo orgulho arrogante e de toda competição infantil. Ajuda-nos a anunciar teu Evangelho integralmente e a fazer resplandecer, pelo anúncio e pelo testemunho, a boa notícia e a boa convivência que ele nos pede. Ajuda-nos a vislumbrar em Jesus teu rosto compassivo e misericordioso, e anunciá-lo a todos. E isso até que a humanidade seja de fato uma só família, na qual todos os membros são queridos e respeitados, para além de toda e qualquer diferença. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Eclesiástico 31,15-22 | Salmo 33 (34) | 2ª Carta de Paulo a Tmóteo 4,6-8.16-18 | Evangelho de São Lucas (18,9-14)