2022: o ano começa bem?

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V)

O ano de 2022 não começou muito bem para muita gente. As chuvas que estão caindo abundantemente sobre o país, afetam centenas de milhares de famílias, direta ou indiretamente e são consequência mais do que evidente das mudanças climáticas, ainda negadas na prática por muitos. Outras pessoas enfrentam novos surtos de vírus que afetam o aparelho respiratório. Variante de SARS-COV 2, ômicron, o H3N2, ou a combinação dos dois. Menos letais para aqueles que foram totalmente imunizados ou até já receberam a terceira dose, os vírus podem deixar sequelas por bastante tempo. Outro fenômeno que deve nos deixar em alerta de como tratamos o ambiente natural.

Do governante máximo deste país, nenhum sinal de empatia, de solidariedade ou de tomada de medida eficaz. Pelo contrário. Tirou férias ostensivamente e se diverte em parque de diversões^[1], ofendendo as pessoas em situação de alto risco e de desespero. Continua boicotando a política de proteção contra a pandemia, protelando a aquisição e aplicação de vacinas para crianças de 5 a 11 anos. Esta vacinação, já em plena execução em outros países e aprovada pela ANVISA, poderia dar mais segurança para as crianças e suas famílias ao reiniciar as escolas no próximo mês de forma presencial. Não há nenhuma justificativa plausível para o adiamento, mais uma vez, do Ministério da Saúde atrasar a aplicação das vacinas.

É muito cômodo para o governo federal alegar que a política de combate a enchentes e calamidades públicas é de responsabilidade conjunta das três esferas de governo. Omite dizer que quem arrecada o grosso dos impostos é a esfera federal. Omite informar que a PEC 95 congelou por vinte anos o financiamento das políticas públicas sociais. Não esclarece porque nos últimos anos o orçamento federal reduziu drasticamente a verba para enfrentar situações calamitosas como as enchentes^[2]. “No ano de 2021, o governo JB cortou 75% do orçamento daquele ano destinado às ações de prevenção a desastres naturais do Ministério de Desenvolvimento Regional, que é responsável por programas de contenção de eventos climáticos extremos. Com isso, o orçamento de R$ 714 milhões em 2020 caiu para míseros R$ 171 milhões no ano passado.”

O que proporciona algum alívio para as famílias afetadas pelos temporais está sendo a ajuda voluntária da sociedade através de milhares de pequenas doações em alimentos, roupas, colchões, da presença de governos estaduais e municipais e da Defesa Civil^[3].

Não falta dinheiro para outras finalidades no governo federal. O uso de recursos destinados para o combate ao coronavírus para comprar carnes^[4] foi constatado e confirmado por uma auditoria nas contas públicas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Se trata de ao menos R$ 535 milhões de reais. A utilização de cartões corporativas pela presidência da república também tem levantado críticas na imprensa^[5], sobretudo a determinação do atual PR (Presidente da República) de decretar sigilo sobre como ele está gastando esse dinheiro público. O TCU decidiu marcar uma reunião secreta para analisar as contas milionárias do cartão corporativo de JB^[6].

2021 terminou como iniciou, econômico, político e socialmente. As medidas tomadas pelos governos de Temer e pelo atual, que tinham como desculpa que aumentariam o emprego e tornariam o país mais competitivo internacionalmente, se mostraram mentirosas. Serviram apenas para reduzir direitos e rendimentos dos trabalhadores. Quem se deu bem foi o capital, especialmente o especulativo, do qual Paulo Guedes é o representante mor (maior). Também as privatizações de estatais e a entrega de propriedades naturais nacionais ao capital internacional significam um empobrecimento sem antecedentes na história, a não ser o período colonialista, em que nosso continente foi sugado até o caroço.

Em nível mundial, estamos assistindo uma pequena reviravolta, pequena mas não insignificante. Países como Estados Unidos sob Joe Biden, França e Espanha estão reestatizando empresas antes privatizadas. Desde 2008, quando o mundo passou por uma depressão econômica, vários governos europeus decidiram intervir novamente na economia, principalmente para salvar empresas à beira da falência. A direita defende a tese de uma total independência e autonomia das empresas, dando aos governos o mínimo de tarefas possível e entre estas a proteção radical da propriedade privada. As escolas econômicas que defendem esta teoria pertencem ao grupo de pensamento neoliberal, ultracapitalista. Este pensamento radical está sendo abandonado aos poucos. As intervenções no setor bancário, nas empresas de aviação Lufthansa, Finnair, Alitália, SAS, Air France…) e nas montadoras de automóveis (Renault). No começo de 2021, o ministro de finanças da França, Bruno L Maire declarou “o pior ainda está por vir” e reconheceu que “2021 terá mais fracassos do que 2020”.^[7] Enquanto no Brasil de Paulo Guedes, o desejo dos detentores de capital de privatizar, por exemplo, os correios, a previdência social, os bancos continua. Os Estados Unidos que, convenhamos, não tem nada de esquerda, nunca cogitaram a privatização da United States Postal Serviçe^[8], nem o FED, que apesar de ser uma entidade privada, passa todo seu lucro para o governo dos Estados Unidos. O Federal Reserve – Banco Central americano, é subordinado ao Departamento do Tesouro^[9]. No começo deste ano, os Estados Unidos ainda tinham 35 mil empresas estatais^[10]. E a Espanha começa o ano de 2022 com uma nova legislação trabalhista, que revoga a precarização do trabalho imposto em 2012^[11].

A esquerda sempre defendeu que setores estratégicos e a própria economia precisam estar sob controle do poder estatal. Incluem-se por exemplo as diversas formas de energia, de pesquisa, de obtenção e guarda de dados, bancos e aviação. E também a legislação social, como de proteção dos trabalhadores e de seus direitos. É o que o Partido Socialista Espanhol (PSOE) está fazendo neste momento. Reforma dos direitos trabalhistas só serviu para reduzir ganhos dos trabalhadores, não criou empregos, mas engordou as contas de rentistas e banqueiros.

O Brasil terá que seguir pelo mesmo caminho em 2023 e revogar várias leis e medidas administrativas adotadas pelo atual desgovernante.

Na Câmara federal, a deputada Bia Kicis, presidente da importante CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), lacraia e lacaia do PR na Câmara^[12], pode perder seu posto de comando. A fusão do DEM com o PSL pode significar a queda da Kicis, que garantiu várias vitórias políticas para JB.

O governo, aos poucos, está sendo sangrado por causa de debandadas de servidores públicos nos últimos meses de 2021. Aos servidores do CAPES e do INEP, se juntam agora servidores do Banco Central e da Receita Federal. Discordam da intenção do inominável de aumentar salários apenas nas forças de segurança – militares, policiais, penitenciárias^[13]. Os auditores fiscais também entraram em greve, causando transtornos nas fronteiras. E a reação do almirante Barra Torres, médico e presidente da ANVISA, ofendido pelas declarações do PR, é outro sinal de sua perda de influência na alta esfera da administração^[14].

A Confissão de JB de que demitiu Moro porque este não pretendia parar as investigações contra seus familiares no COAF e na Receita Federal, deveria ser investigada na PGR e STF. Como também a sua declaração sobre sua interferência no IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que “ripei todo mundo no IPHAN” para não dar dor de cabeça ao governo^[15], este último caso entregue ao recém-empossado ministro André Mendonça. Dificilmente esses processos surtirão resultados concretos em curto espaço de tempo, como as investigações da própria CPI da COVID do ano passado. Mas irão minar ainda mais as pretensões do Jair a um novo mandato. Ele mesmo estaria pensando em propor vaga vitalícia para ex-presidentes da república para o Senado Federal^[16]. Assim, garantirá para sempre foro privilegiado para julgamento de seus múltiplos crimes contra a Pátria Brasil. O povo brasileiro precisa acompanhar e refutar com veemência esta tentativa de garantir impunidade e cobrar um poder judiciário imparcial, autônomo e controlado externamente, não apenas por suas próprias instituições internas.

Artigo publicado no site CEBs do Brasil

^[1] https://www.brasildefato.com.br/2021/12/28/bolsonaro-viaja-de-ferias-a-sc-em-meio-a-enchentes-na-ba-estado-tem-quase-milhao-de-afetados (Acesso em 2022/01/08)

^[2] http://www.esquerdadiario.com.br/spip.php?page=gacetilla-articulo&id_article=50491 (Acesso em 2022/01/09)

^[3] https://www.cartacapital.com.br/politica/o-que-fez-a-diferenca-nas-enchentes-da-bahia-foi-a-solidariedade-e-nao-bolsonaro/ (Acesso em 2022/01/08)

^[4] https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2021/12/ministerio-da-defesa-usou-verba-destinada-ao-enfrentamento-da-pandemia-para-comprar-picanha-e-file-mignon-diz-jornal-ckxok7j4i000f0188876i5jmn.html (Acesso em 2022/01/08)

^[5] https://www.extraclasse.org.br/politica/2021/08/bolsonaro-bate-recorde-de-gastos-com-seu-cartao-corporativo/ (Acesso em 2022/01/08)

^[6] https://oglobo.globo.com/politica/tcu-marca-sessao-secreta-para-julgar-gastos-milionarios-do-cartao-corporativo-de-bolsonaro-25300250 (Acesso em 2022/01/08)

^[7] https://barcelosnanet.com/a-crescente-nacionalizacao-de-empresas-na-europa/ (Acesso em 2022/01/09)

^[8] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57339145 (Acesso em 2022/01/09)

^[9] https://www.gazetadopovo.com.br/republica/presidente-da-anvisa-pede-que-bolsonaro-determine-investigacao-na-agencia-ou-se-retrate/ (Acesso em 2022/01/09)

^[10] Https://sindsaudepr.org.br/isso-ninguem-te-conta-estados-unidos-tem-mais-de-35-mil-estatais/ (Acesso em 2022/01/09)

^[11] https://www.brasilpopular.com/espanha-revoga-reforma-trabalhista-que-precarizou-trabalho-e-nao-criou-empregos/ (Acesso em 2022/01/09)