Leia a reflexão sobre Lucas 21,25-28.34-36, texto de Ildo Bohn Gass
Boa leitura!
Faz uma semana, no último domingo do ano litúrgico, que celebramos a festa de Cristo rei. Jesus é o nosso rei. Ele conduz nossas vidas pelo caminho do Reino de Deus. Como seus discípulos e suas discípulas, buscamos testemunhar as relações desse Reino. Relações que são de amor e de verdade. Com a força de Jesus ressuscitado, lutamos contra outro reinado, isto é, as forças do ídolo riqueza, que nos seduz cotidianamente com a mentira e o ódio.
Neste final de semana, com o primeiro domingo do Advento, iniciamos um novo ano litúrgico. E, mais uma vez, em todas as comunidades, anunciamos a chegada de Jesus. No domingo passado, celebramos Jesus como rei cuja montaria humilde é um jumento (João 12,12-19), cujo cinto é a toalha do serviço (João 13,1-17), cujo trono é a fidelidade até a cruz (João 19,19) e cuja injusta coroa é de espinhos (João 19,2.5).
Hoje, celebramos a presença de Jesus como nosso rei na fragilidade e na ternura de uma criança. Definitivamente, as relações com base na verdade, na humildade e no serviço, na fidelidade e na justiça são próprias do Reino de Deus. Não, porém, dos reinos deste mundo. Estes alimentam a mentira e o ódio, a ganância e o individualismo, a violência, a posse sobre bens e pessoas.
Nas narrativas do capítulo 21 de Lucas, quando o evangelho foi escrito pelos anos 90, as comunidades olham para trás e fazem uma releitura da tomada de Jerusalém pelos romanos. A destruição do templo foi no ano 70. Assim, elas querem compreender melhor, em seu tempo, como viver a missão na fidelidade ao projeto de Jesus, que é tornar realidade a libertação plena. E o evangelho de hoje é parte deste capítulo.
Erguei-vos e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação (vv. 25-28)
Em Lucas 21,25-28, Jesus está em Jerusalém, continuando sua missão profética na cidade que era o centro econômico, político e religioso daquela região.
Como profeta, denuncia a exploração das pessoas mais vulneráveis que os controladores do templo realizavam (21,1-4) e anuncia o fim daquele sistema de morte (21,5-6). Com imagens da apocalíptica judaica, descreve a tomada de Jerusalém pelos romanos (21,7-26). A referência ao sol, à lua e às estrelas (v. 25) é uma forma de falar da presença de Deus que age em favor de quem assume seu projeto. Quer, portanto, animar a esperança.
Os vv. 25-26 também descrevem os horrores da guerra. Há angústia e perplexidade. Há desfalecimentos, medos e ameaças. Pode ser paz para o império. Porém, é violência e morte para os povos conquistados.
As comunidades cristãs leram esses acontecimentos como julgamento de Deus. É o fim de uma era, o tempo da antiga aliança. Inicia-se uma nova era, o tempo na nova aliança.
Desde as origens das comunidades cristãs, já antes da destruição do templo, a condenação sem provas e a prisão de um inocente que, por sua fidelidade ao projeto do Pai, sofreu a morte de cruz como criminoso, foram compreendidas como julgamento de Deus na história. De um lado, o julgamento de Deus condenou os responsáveis pelas estruturas de morte. De outro, libertou as vítimas desse sistema, os pobres, os que têm fome, os que choram e as pessoas agredidas pelo ódio, pela mentira e pela calúnia, na linguagem de Lucas 6,20-23.
No entanto, convém ter presente que as comunidades originárias viviam, tal como o próprio Jesus, em um ambiente carregado por uma espiritualidade apocalíptica. É uma mística de denúncia profética em tempos de grandes perseguições e de muita violência e quer animar as comunidades para resistir nesses tempos difíceis. A linguagem apocalíptica se refere ao presente, não a um futuro remoto. Com essa mentalidade, as comunidades compreendiam o final dos tempos como já inaugurado por Jesus na cruz. Portanto, já viviam provisoriamente o Reino e alimentavam a expectativa, para breve, da chegada ou presença de Jesus glorioso, a fim de instaurar, aqui na terra, definitivamente um Reino sem violência e de paz (cf. 1 Tessalonicenses 4,13–5,3). Chamavam essa vinda de Jesus de Parusia, que, em grego, significa presença, vinda, chegada. Com a entrada do latim na Igreja, substituiu-se Parusia por Advento.
A partir dessa teologia apocalíptica, as comunidades interpretaram a destruição de Jerusalém como o início da instauração do Reino de Deus na terra, mas que já começara com a ressurreição de Jesus. Viram esta guerra como profecia realizada em Jesus, o filho humano, tal como anunciara o profeta Daniel (Dn 7,13-14). Porém, o Reino não se realizou plenamente naquele momento histórico, como esperavam. Então, compreenderam que era preciso continuar sua concretização através da prática continuada de novas relações nas comunidades como fermento que transforma as estruturas deste mundo. A vinda de Jesus, o humano, já é presença no testemunho dos cristãos. A libertação é um processo, seja ele dentro ou fora de nós. Daí o convite de engajamento nesse processo libertador que Jesus continua a nos fazer ainda hoje, nesse momento difícil, em que a mentira, o ódio e a intolerância se impõem com violência. Jesus nos convida a não desanimar e seguir resistindo de braços dados. Que ninguém solte a mão de ninguém. Diz-nos Jesus: “Erguei-vos e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação” (Lucas 21,28).
Vigiai e orai para terdes a força de ficar de pé (vv. 34-36)
A segunda parte da boa nova de hoje é um convite para o discernimento entre duas propostas. É o projeto de Deus de um lado, e, de outro, o projeto do ídolo riqueza. É um convite para resistir contra este e aderir àquele. Não se pode servir a dois senhores, a Deus e à riqueza, alertava Jesus (cf. Lucas 16,13).
Para a cultura daquela época, o coração é o lugar da consciência, o centro das decisões. Por isso, a comunidade de Lucas nos convida a discernirmos quais são as atitudes condizentes com esse projeto do ídolo riqueza e que nos seduz, tornando pesados os nossos corações. São as posturas que nos escravizam diante do Deus Mamon (qualquer riqueza idolatrada, grande ou pequena). E cita algumas: orgia ou libertinagem, embriaguez e preocupações mundanas. Entre essas preocupações terrenas, poderíamos lembrar o individualismo, a ganância para acumular, a ambição pelo poder e pelo prestígio, a mentira como método de promoção da intolerância e do ódio.
Em vez de ter um coração pesado, Lucas nos convida a ter um coração leve. E ter um coração leve quer dizer viver de acordo com os valores do Reino, o amor e a partilha, a misericórdia, a compaixão e a solidariedade. Somente é capaz de viver esses valores quem tem um coração generoso, um coração valente. Vivendo assim, a qualquer hora, estaremos preparados para o dia do julgamento. O dia do julgamento não é o fim do mundo, mas a transformação permanente das estruturas de morte. Cada vez que a justiça supera a injustiça, o julgamento de Deus se realiza. Cada vez que a mentira e a farsa são desmascaradas, o julgamento do Reino se torna realidade.
Para ter coração leve, Lucas nos convida à atenção, à vigilância permanente para não cair nas armadilhas, nos laços do ídolo riqueza. Ao mesmo tempo, indica a atitude orante como caminho que conduz à fonte onde buscar forças para escapar dos laços que escravizam e ficar de pé diante de Jesus, o humano, no dia de libertação. Ficará de pé quem tiver perseverado na justiça, na verdade e na transparência, pois será considerado justo, portanto, inocente.
Iniciamos o Advento, tempo de presença, de chegada da boa nova de Deus na ternura de uma criança. É um Advento que não termina, pois Jesus já é presença permanente entre nós. Basta buscá-lo e querer encontrá-lo. Que vigiemos em permanente atitude de oração na busca de forças para ter coração leve e ficar de pé diante da avalanche de ódio e de mentira que este mundo nos quer impor a cada dia, tornando pesados os nossos corações. Que a luz de Jesus menino nos ilumine, a fim de manter-nos firmes no respeito ao diferente, no perdão a quem nos calunia e no caminho da justiça para muitos, “pois está próxima a vossa libertação”. Amém.