Por Itacir Brassiani msf
O Evangelho de Jesus é, desde sempre e literalmente, uma boa notícia para nós. Onde é anunciado e ouvido, produz alegria. Mas também provoca crises, e não apenas hoje. Não é possível crer em Jesus e seguir seu caminho sem romper com uma cultura centrada na competição, na esperteza, na indiferença e na dominação. Se não acontecer esta ruptura, a fé professada com os lábios acaba sendo negada pelas atitudes e valores. “As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem…”
O evangelho deste domingo é parte do sexto capítulo de João. Tudo começou com a partilha dos pães e dos peixes, entregues a Jesus por um jovem. Entusiasmada com a abundância de alimento, a multidão quis transformar Jesus em rei, mas ele fugiu de fininho. Diante desta recusa de Jesus, os discípulos ficaram desorientados e pensaram em fugir. Mas Jesus vai ao encontro deles, no meio do mar agitado. E desenvolve uma longa catequese sobre o pão verdadeiro, o pão que nos alimenta e merece ser buscado.
Esta longa reflexão sobre o pão que dá vida não tem nada de inocente, espiritualista ou inofensivo, e os discípulos o entenderam perfeitamente. Por isso, no fim da reflexão, disseram a Jesus que seu modo de falar era duro demais e que era difícil continuar ouvindo seu ensino. A razão da crise dos discípulos é seguir alguém que não aceita ser rei; que pede para renunciar à ambição individual de estar à sua direita ou à sua esquerda; que propõe a entrega de si mesmo como caminho de realização; que insiste que vulnerabilidade é força; que indica a atitude de servo como a mais nobre e digna do ser humano.
Sedentos de triunfo e de sucesso, muitos discípulos, abandonam Jesus. Sem se importar com isso, Jesus provoca ainda mais os discípulos já escandalizados, enfatizando que é próprio do ser humano descer, que quem é rebaixado é visto por Deus como o mais nobre e perfeito. A partir disso, muitos discípulos voltam atrás e não andam mais com Jesus. Eles buscam um Enviado diferente, um Messias feito à medida dos próprios interesses. Jesus enfrenta também os que permanecem: “Vocês também querem ir embora?”
A resposta a esta pergunta, que também é dirigida a nós, não pode ser da boca pra fora, da cabeça para cima: deve ser consciente, engajada e consequente. Pedro, em nome de um bom grupo de discípulos e de forma um pouco resignada, responde com uma pergunta: “A quem iremos, Senhor?” A resposta a esta pergunta não vem da boca de Jesus, mas deve vir de um discernimento que nós mesmos devemos fazer. De minha parte, como Pedro, fico com Jesus Cristo e sua humanidade, com o Evangelho e sua liberdade, com o serviço aos irmãos e à sua dignidade. Não me reconheceria nem conseguiria viver fora desse horizonte!
Jesus é a Palavra de Deus feita carne solidária, e suas palavras são portadoras de dignidade e vida. Pedro entendeu bem: “Tu tens palavras de vida eterna”! Ele sabe muito bem que, diante de Jesus, todos/as nos descobrimos pessoas dignas e capazes, conduzidas a uma liberdade sempre mais plena e exigente, portadores/as de uma vida cada vez mais plenificada, peregrinos de um caminho que liberta porque jamais termina. Mas não é possível ser cristão e, ao mesmo tempo, permanecer dentro das premissas da cultura individualista. Não podemos cair na tentação, sempre presente e forte, de adocicar e amenizar a mensagem de Jesus Cristo, submetendo-a aos nossos desejos de segurança, prosperidade e de grandeza.
Crer em Jesus significa experimentar uma liberdade radical, capaz de promover a liberdade de quem convive conosco. Só quem foi libertado/a de tudo está em condições de servir. “Sejam submissos uns aos outros no amor de Cristo”, pede Paulo aos esposos e a todos os cristãos. Submissão (missão subalterna) significa estar à disposição do outro, e isso nos leva a assumir o fardo do outro, a sermos substitutos/as, a suportá-los nas penas e sofrimentos, nos sonhos e buscas. Paulo aplica isso à relação entre marido e mulher, mas a reciprocidade no amor e no serviço se aplica a todas as relações. Eis a novidade cristã!
Jesus amado, Profeta temido por tua intrepidez, Pão que alimenta nossa fome mais profunda, Palavra que nos mantém no belo e difícil caminho da vida! Ensina-nos a encontrar a simplicidade profunda do teu Evangelho e a vivê-lo com inocente e desarmada alegria. Ajuda-nos a viver a submissão e o serviço recíprocos e a fazer disso uma pequena mas persistente diferença. Ilumina e fortalece nossos/as catequistas: que eles/as experimentem a paradoxal glória de sair e descer ao encontro dos mais pobres, para ser tua Boa Notícia para eles, e para conduzir ao teu encontro as pessoas a eles confiadas. Assim seja! Amém!