via IHU Online*
“Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes…” (Lc 5,4)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 5° Domingo do Tempo Comum – Ciclo C (10/02/2019) que corresponde ao texto bíblico de Lucas 5,1-11.
Indiscutivelmente, Jesus é o misterioso visitante que cada dia chega até nós para advertir que precisamos nos libertar do tedioso cotidiano, quando ele se torna convencional e, não raro, carregado de desencanto, pesado, estressante… Corremos o risco de sermos apenas imitadores ou repetidores, pois tememos nos perder na busca do novo, bloqueando o desenvolvimento pessoal e comunitário.
O encontro com Jesus nos arranca da rotina, do “sempre fizemos assim” e nos desafia a “pescar” de maneira diferente; sua presença alarga nossa mente e nosso coração instigando-nos a sair dos nossos estreitos mares e entrar no movimento do vasto mar que Ele nos oferece. Em quê grau Sua presença nos desperta para aquilo que devemos ser como seus(suas) seguidores(as)?
São grandes os riscos de vivermos em mares tão estreitos; é cômodo perceber, delimitar, defender e fechar-nos no próprio mar. Isso fazemos de maneira tão zelosa que nem vemos aquilo que está para além da margem onde nos estabilizamos. Tal estreiteza de vida aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com as mudanças que se
fazem urgentes. O próprio espaço se torna uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz.
Hoje, o lago de Tiberíades se converteu numa grande rede que abarca o mundo inteiro. Mas, o que as pessoas buscam nessa grande rede? E, sobretudo, o quê estamos oferecendo nela para evangelizar? Com um só click podemos chegar a milhões de pessoas, podemos fazer muito bem, mas também podemos criar muita confusão e inclusive repulsa, podemos levar a mensagem de Jesus ou simplesmente fazer transparecer todo o nosso ego inflado, cheio de si mesmo. As redes sociais têm seus perigos, mas também tem suas grandes oportunidades que não podemos desperdiçar. Vamos nos dando conta que, enquanto não evangelizemos a partir dos meios eletrônicos modernos, não poderemos encher nossas redes de peixes. O seguimento de Jesus implica hoje a necessidade de evangelizadores nas redes sociais.
Tendo as ferramentas em mãos (nossas pobres barcas e redes) e sendo portadores de uma mensagem de vida (o evangelho) somos movidos por Jesus a “ser pescadores do humano”. No mar das redes sociais ressoa mais uma vez o apelo de Jesus: “fazei-vos pescadores do humano”. Frente a esta nova realidade, quê tipo de profecia responde melhor a nossa peculiar forma de cooperar na missão do Espírito do Abbá e de Jesus. Estamos no mundo das telas: através delas nos interconectamos, transmitimos informações, saberes. As diversas telas tendem à convergência: com um só dispositivo, fixo ou móvel, podemos falar, enviar e receber fotos, música, vídeos e qualquer tipo de arquivo; com o “boom” das redes sociais podemos fazer isso com o grupo que elegemos em cada momento.
Se há algo que caracteriza nosso tempo é a nova consciência de ser rede-comunhão-interconexão-unidade. Encontramo-nos em um tempo
surpreendente: as espetaculares inovações tecnológicas nos convidam a entrar numa inimaginável rede de informações, imagens, conexões… Nosso planeta está dotado de uma complexíssima textura de comunicações. Com apenas alguns clics oferece-se, diante de nós, um mundo complexo, de graça e maldade, de alianças para o bem e para o mal, de luzes e trevas.
E aí estamos nós, seguidores(as) de Jesus, “en-redados(as)”, nos perguntando por nossa identidade cristã, na vivência do Evangelho e na missão de nos fazer presentes neste “novo mundo”. Todos já sabemos que tudo está interconectado: a globalidade é interação. Lentamente vai-se tomando consciência de que formamos parte de um todo. A realidade vai se revelando como um manto sem costuras, sem fraturas, onde todos estamos implicados e comprometidos.
“Rema mar adentro!”, ressoa a voz de Jesus. A multidão permanece em terra; somente Pedro e seus companheiros se adentram no mar profundo. Este apelo de Jesus é muito simbólico. Em grego “bados” e em latim “altum” significam profundidade (alto mar); só nas profundezas é que se pode extrair o mais autêntico do ser humano, o que é mais nobre e divino. Tudo o que, em vão, buscamos na superfície, está dentro de nós. Mas, ir mar adentro não é tão fácil como pode parecer. Exige ultrapassar as seguranças do “eu superficial” e adentrar-nos nas incontroladas águas de nosso ser profundo. Confiar naquilo que não controlamos exige uma fé-confiança autêntica. Dizia Teilhard de Chardin: “Quando descia ao profundo de meu ser, chegou um momento em que não ‘dava mais pé’ e parecia que
me deslizava para o vazio”.
O mar era o símbolo das forças do mal. “Pescar homens” era um dito popular que significava tirar alguém de um perigo grave. Não quer dizer, como se entendeu com frequência, fazer proselitismo ou converter as pessoas à força para a religião cristã. Aqui quer dizer: ajudar as pessoas a sair de todas as opressões que lhe impedem crescer e desenvolver suas potencialidades. Só pode ajudar o outro a sair da influência do mal aquele que encontrou o que é mais verdadeiro e nobre dentro de si mesmo.
Neste contexto atual, onde corremos o risco de nos converter em pessoas “grudadas” a uma tela, se faz mais necessário que nunca humanizar a rede para “pescar o humano” que está escondido no oceano interior de cada um. Esta humanização requer, em primeiro lugar, muita responsabilidade. Tudo isto nos leva a pensar que na rede há uma grande necessidade de silêncio (“silêncio na rede”), precisamente para que possamos ouvir a verdade com amor. Há excessivas palavras que afogam, notícias falsas, “bullings”, campanhas desqualificadoras e comentários feitos com extrema má educação. Sobretudo nas páginas religiosas, precisamos de um silêncio construtivo para que se escute a verdade que liberta.
Silêncio construtivo significa utilizar uma linguagem propositiva, compreensiva, que estenda pontes de diálogo, que escute o outro que é diferente, que leve em conta o que “o outro” diz, talvez um aspecto da realidade que nos tinha escapado. Silêncio construtivo significa tomar partido pelos mais fracos e excluídos; significa usar uma linguagem que sare as feridas, que reconstrua os vínculos quebrados. Uma página (mensagem) que só busca condenar, que só revela intolerância e preconceito, não pode ser evangélica. Literalmente, “há demasiado disparos” que desumanizam. Precisamos do azeito do consolo que cura as feridas, o vinho da esperança que nos une como irmãos acima
das diferenças, o pão da compaixão que alimenta e eleva …
É preciso fazer a “travessia” do estreito mar de nossa vida, onde nossas inúteis barcas e redes só “pescam” futilidades e lixo, para o grande oceano que Jesus nos oferece, carregado de vida e vida em plenitude.
Para meditar na oração
– “Rema mar adentro e desce ao profundo de teu ser!” É um convite dirigido a todo ser humano. Sem essa profundidade, não é possível a plenitude humana. A contemplação é o único caminho.
– “Não é necessário que percorras os mares buscando alimento; aprende a pescar em teu próprio mar interior; o que com tanto afinco buscas fora de ti, já tens ao alcance da mão, dentro de ti.
– Se não tens pescado nada, quê poderás oferecer aos outros? Se não tens aprendido a pescar, como poderás ensinar a outros? Dá verdadeiro sentido à tua vida e ajudarás os outros a atingir o mesmo”. (cf. Fray Marcos)
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Publicado originalmente no site do IHU Online.