Introdução
Devo dizer que, à primeira vista, fiquei um pouco confuso com a delimitação do texto bíblico. É o texto da ressurreição de Lázaro, mas, então, por que se deixa fora justamente a parte que relata a ressurreição de Lázaro (v. 38-44)?
Somente depois de refletir cuidadosamente sobre o texto e do trabalho exegético é que fui me dando conta de que se trata, sim, da ressurreição de Lázaro – esse é o pano de fundo –, mas o tema central dessa perícope é a fé naquele que é a ressurreição e a vida, Jesus Cristo. Nessa perícope, essa fé tem como protagonista Marta, irmã de Maria e de Lázaro. Não só a ressurreição de Lázaro quer ser contada, mas a ressurreição que se dá a partir da ressurreição. A ressurreição que toma conta da vida das pessoas nesta vida.
Os textos que acompanham o evangelho, segundo o Lecionário Comum Revisado, vão por esse caminho. O texto do Antigo Testamento, Ezequiel 37.1-14, conta sobre o vale dos ossos secos. O Espírito de Deus faz voltar à vida os ossos secos, as pessoas secas de esperança e vida por causa do exílio. O texto da epístola é de Romanos 8.6-11, que nos leva a refletir sobre os efeitos do viver sob a influência do Espírito de Deus. Se Cristo vive em vocês, então, embora o corpo de vocês vá morrer por causa do pecado, o Espírito de Deus é vida para vocês porque vocês foram aceitos por Deus, diz Paulo no v. 10.
A mensagem que quer ser proclamada, portanto, neste 5º Domingo na Quaresma, dois domingos antes do Domingo da Páscoa, é a ressurreição. Não só como evento, mas a ressurreição como marca e pilar da fé cristã, a ressurreição como tecido da fé do cristão.
Meditação
- O texto apresenta o cerne da fé cristã: a ressurreição anunciada por Jesus Cristo e a fé nesse anúncio. Temos hoje uma inflação de fé. Fala-se de um renascimento da espiritualidade, da religiosidade, da piedade etc. Se essa fé é fé cristã, ou seja, fé a partir da e para dentro da ressurreição, tenho lá as minhas dúvidas. Acho que as pessoas, também os membros ativos de nossas comunidades, não têm clareza da base da fé enraizada na ressurreição. Outras interpretações, compreensões, filosofias interpõem-se e se sobrepõem à grandeza e exclusividade da ressurreição. Faz parte da cultura brasileira um sincretismo nato. No que se refere ao pós-morte, existe muita especulação. Infelizmente, muitos se encantam com as especulações e não vão além disso. A igreja, por outro lado, me parece vaga na catequização para uma fé solidamente baseada na ressurreição. Como preparação para a Páscoa, parece-me extremamente apropriado trabalhar o tema como preparação para receber e viver a Páscoa da ressurreição.
- A ressurreição como base da fé é por demais abstrata para os tempos que vivemos. A própria fé é algo por demais invisível e precisa cada vez mais de sinais. Na sociedade do espetáculo, das imagens, do concreto, a promessa da ressurreição não impacta nem alimenta a fé. Teria que ser demonstrada e, mesmo assim, teria que ser averiguada, para ver se não seria um truque de imagem. A confissão de Marta, a partir da promessa de seu mestre e amigo, é uma fé em extinção. “Sim, Senhor! Eu creio que o Senhor é o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”, diz ela. Essa fé confiante, segura, entregue é o que mais carecemos e ao mesmo tempo o que mais precisamos. Marta crê, porque Jesus fala. Ela é outra pessoa depois de ouvir a promessa de Jesus. Quaresma é tempo de deixar-se refazer na fé e na confiança, como forma de se preparar para a Páscoa. Sem Quaresma, a Páscoa corre o risco de passar sem que a gente passe por ela e ela por nós. A ressurreição fica, então, relegada apenas à tradição. Se a Páscoa não tiver a ver com a fé, com confiança na promessa da ressurreição, não é Páscoa, não morremos nem renascemos com Cristo. Ficamos iguais.
- A fé na ressurreição não é algo apenas para nos ocuparmos na morte. Em si, na morte, só nos resta a entrega nos braços de Deus. A fé na ressurreição tem a ver com a vida. Isso é o que podemos aprender com Marta. Sua fé é uma fé confiante. Em meio à dor, ela não espera por demonstrações, provas, nem por um milagre. Ela crê simplesmente nas palavras de seu amigo, mestre e messias: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim nunca morrerá”. Marta vive e ressuscita antes de Lázaro. Sua fé renasce. Quase podemos dizer que a ressurreição de Lázaro, assim como tantos outros milagres, acontece a partir da fé das irmãs Marta e Maria. A fé das irmãs é maior até mesmo do que o desejo de ter o irmão Lázaro de volta. A fé de Marta não é condicional: se Lázaro for ressuscitado, eu vou crer; mas é uma fé que confia na promessa do mestre. Fé na ressurreição para dentro da vida é confiar na promessa daquele que se intitula a ressurreição e a vida. A ressurreição de Cristo é algo tão grandioso, que desmonta qualquer intenção de compreensão racional, especulação, comprovação. A ressurreição é esperança que invade a vida e gera esperança, acolhe, conforta, desperta a fé. Por isso a fé na ressurreição não é uma fé para o dia da morte, mas uma fé para todos os dias da vida.
- O Batismo parece ser a grande âncora em que podemos pendurar todas essas considerações. A Páscoa é tradicionalmente o dia do Batismo dos cristãos. É o dia também em que rememoramos nossos votos batismais. A fé ancorada no Batismo tem a ver com morrer e ressuscitar no dia-a-dia. Como diz Lutero, a vida cristã outra coisa não é que Batismo diário, começado uma vez e sempre continuado. A fé de Marta é uma fé que faz parte do dia-a-dia, embala suas alegrias e consola sua dor e tristeza. Nada mais apropriado do que refletir sobre a vida no Batismo, como preparação para a grande festa da ressurreição, a Páscoa.
Autor(a): Júlio Cézar Adam
5º Domingo na Quaresma
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Fonte: Portal Luteranos, texto adaptado de www.luteranos.com.br.