Leia a reflexão sobre Mateus 21.28-32, texto de Lindolfo Weingärtner.
Boa leitura!
Em cada culto dominical nós costumamos confessar o Credo Apostólico: Creio em Deus Pai. Creio em Jesus Cristo. Creio no Espírito Santo. Que significa “crer em Deus”? É achar ou admitir que Deus exista? Isso seria pouco. Na Epístola de Tiago vem escrito que até os demônios creem na existência de Deus e tremem! Então, que será? Será acreditar no que Deus diz, achar que sua palavra é verdadeira? Isso já seria mais. Muito mais, até. Mas ainda não é tudo. Fé em Deus, conforme a Escritura Sagrada, é confiança em Deus. É amar a Deus. E é obedecer a Deus.
Veja o exemplo de seus pais terrestres: Você pode perfeitamente “crer” que eles existem e mesmo que eles falam a verdade para você. E apesar disto poderá estar de mal com eles, poderá ignorá-los e até odiá-los, “crer”, assim, não está somente relacionado com nossa cabeça. Está relacionado muito mais com nosso coração, com o centro de nossa pessoa, com o “lugar” onde os nossos pensamentos têm a sua raiz, onde nascem nossas decisões, onde rejeitamos ou aceitamos, odiamos ou amamos. “Crer” está relacionado com a nossa relação pessoal com Deus, com nossa obediência, com nossa submissão à sua vontade. Se não estiver, não será fé. Será, talvez, uma teoria. Ou um palpite. Será conversa fiada, como diz o povo.
O primeiro filho
“Um homem tinha dois filhos. Chegando ao primeiro, disse: Filho, vai hoje trabalhar na vinha. Ele respondeu: Sim, Senhor. Porém, não foi.” Será importante que notemos: Trata-se de um pai que fala a seu filho. Não é um patrão que se dirige a um empregado. Não é um rico fazendeiro que manda um boia-fria capinar o cafezal dele. O pai envia o filho a trabalhar na vinha, isto é, na lavoura que é a própria herança dele. Que oportunidade para o filho mostrar que ele ama o pai, que o compreende, que gosta de fazer aquele serviço no parreiral que o pai plantou para si e para seus filhos! A lógica das coisas é tão clara que será difícil imaginar que o filho possa dizer “não”. E ele mesmo não diz. Pelo contrário, diz, de forma inconfundível: “Sim, Senhor”. Porém, diz e depois não vai. Diz e não faz.
Que foi que houve com aquele filho? Será que foi muito fraco para trabalhar? Será que estava doente? Achamos que não. Porque, neste caso, o pai não o teria mandado trabalhar. Deus não pede coisas impossíveis de nós. Que terá sido então? Eu vou dizer o que foi: Foi falta de fé, nada mais e nada menos.
Talvez você fique surpreendido. Falta de fé? Por quê? Não foi antes falta de obediência? Pois aí está. A falta de obediência é o lado externo das coisas. A falta de fé é o lado interno. Assim, Jesus, ao fim de sua parábola, fala três vezes da fé, apontando a raiz dos males de seus ouvintes: João Batista pregou o caminho da justiça, e eles não acreditaram nele, enquanto que publicanos e meretrizes creram. Eles, porém, mesmo vendo isso, não se arrependeram para crer nele.
E agora a parábola de Jesus já está mexendo conosco, como também deve ter mexido com os ouvintes de então (os filhos de Israel, que haviam dito “sim” a Deus e que depois ignoraram ou rejeitaram Jesus). “Creio em Deus Pai”. “Aleluia”, “amém”. “Sim, com o auxílio de Deus”. Você está lembrado? E lembra-se do significado da palavra “amém”? Ela significa: assim seja. Foi isso mesmo que o primeiro filho de nossa parábola disse a seu pai. Amém, assim seja! Mas este seu “amém” não mudou nada em seus planos. Ele disse só para dizer. Suas palavras eram que nem motor trabalhando em ponto morto. Ele nem tentou engrenar para a primeira, para pôr o carro em movimento.
Estamos notando esta coisa realmente assustadora? Uma pessoa, um filho, um cristão poderá cantar aleluia e hosana na igreja, poderá rezar no grupo de estudos bíblicos, poderá cantar canções de glória e de louvor no coro da igreja, poderá ter até a boca cheia de palavras da Bíblia. Contudo, poderá voltar as costas a Deus, deixando de fazer a vontade de seu Criador e Salvador. Será que ele apenas tem a fé e só lhe faltam as obras? Uma falta, uma falha perdoável, então? Não. Ele não tem as obras porque lhe falta a fé.
Temos dito há pouco que a falta de obediência é o lado externo das coisas e que a falta de fé é o lado interno. Não poderá ser outra coisa. Uma fé sem consequências, uma fé que não muda nada, que fé será? Será uma coisa desprezível, oca e vazia. E não admira que os chamados descrentes tantas vezes apontem o dedo para os cristãos, clamando contra a sua covardia, sua falta de amor, sua indiferença, sua preguiça! “Deus, guarde-nos de uma fé sem consequências, de uma fé divorciada da obediência”. Ela não leva à vinha do Senhor, ao Reino da glória.
O segundo filho
E o segundo filho? Ele recebe o mesmo convite e diz “não”. Diz que não vai. Um filho revoltado que com a maior cara de pau lança no rosto do pai o que está por dentro dele. Não tenta esconder sua revolta. Diz que não vai e vira as costas ao pai.
É muito significativo que, na Bíblia, vão sendo descritas muitas pessoas parecidas com este filho revoltado. Moisés foi uma delas. Ele disse a Deus: Eu tenho uma língua pesada. Manda ao Egito quem quiseres, não a mim. Jeremias foi outra. Ele alegou que era muito moço para assumir a tarefa que Deus lhe queria dar. O apóstolo Paulo não só deixou de ir à vinha, mas ele foi arrancando as parreiras, foi perseguindo os cristãos. Assim parece que a resistência do coração humano contra o convite de Deus é uma coisa bem comum. Parece que nossa natureza humana é revoltada desde sua origem. Desde a “revolta original” descrita em Gênesis 3,1-7. Não adianta esconder este fato. Também não adianta fazer de conta e engolir a revolta. Revolta engolida é a pior das revoltas. É até um dos maiores problemas das comunidades cristãs que as pessoas vão engolindo sua revolta, em vez de dizerem claramente o que pensam.
E agora preciso chamar a atenção para uma coisa muito estranha. Estranha e confortante. Deus não acaba com o filho revoltado e desobediente. Muitas vezes, na história da igreja cristã, Deus transformou servos revoltados em filhos obedientes. É o que, por exemplo, aconteceu com o apóstolo Paulo. Antes, ele dizia “não”. Agora, diz “sim”. E é um sim para valer. Ele disse sim, e foi trabalhar na vinha do Senhor. Trabalhou até o último instante de sua vida.
Este fato estranho e confortante, mil vezes repetido na história do povo de Deus, Jesus o tem em mente quando diz em sua parábola que o filho, que lançara ao rosto do pai o seu teimoso “não quero”, depois se arrependeu e foi trabalhar na vinha. Deus seja louvado! Nosso Senhor não nos prende, não nos fixa numa posição que temos tomado, em nossa revolta tola. Ele deixa a porta aberta. Ele não nos despede, como um patrão irado despede um trabalhador faltoso. Ele perdoa o “não quero” do filho revoltado e alegra-se com seu arrependimento e com sua ida à vinha.
Mas que foi que realmente aconteceu com o segundo filho? Foi um verdadeiro milagre que aconteceu com ele. Sua revolta, sua resistência interna à vontade do pai foi vencida bem aí onde se encontra o “centro de comando” do ser humano, centro que a Bíblia chama de coração. Neste centro, despertou a centelha da fé. E esta fé provocou um ardor, uma vontade de mudar, uma saudade de obedecer, a tal ponto que o filho rebelde foi forçado por dentro a ir à lavoura do pai. Entendamos bem: O pai não o levou na marra. Ele o atraiu com seu convite, expressão de sua vontade séria e boa. Ele o atraiu com sua bondade, sua paciência. Mas não o forçou. É que no “centro de mudança” do filho a alavanca foi mudada da marcha à ré para a primeira. Na linguagem da Bíblia, isto quer dizer: Ele se arrependeu. Isto é, ele deu meia volta e começou a obedecer.
Qual dos dois filhos somos nós?
É uma parábola muito séria, aquela dos dois filhos. No tempo dos apóstolos, o primeiro filho era entendido como sendo o povo judeu, que tinha aceitado a Aliança, não a cumprindo depois. O segundo filho, no entanto, representava os gentios, que outrora tinham vivido na revolta e que aceitaram o evangelho.
Não vamos ser precipitados em dizer que nós somos como o segundo filho, já que nós descendemos dos gentios. Ou que somos em parte como o primeiro, ou em parte como o segundo. Não vamos dizer levianamente que prometemos obediência e que cumprimos a promessa. Não esqueçamos que Deus é o Deus da verdade. Nós, a igreja, a cristandade, todos, afinal, recebemos uma oferta gloriosa e graciosa por parte de Deus: a de trabalharmos na vinha de Cristo, de servirmos em seu Reino. Se nos dermos por satisfeitos de cantar “aleluia” ou de dizer “amém”, sem mexer um dedo para obedecer e para agir no campo de trabalho que o povo de Deus tem nesta terra, não poderá acontecer o mesmo que Jesus relata em sua parábola? Que o “filho revoltado”, os chineses, os russos, os pagãos africanos, a juventude transviada e outros mais, um dia estejam trabalhando na vinha de Cristo, enquanto nós dizendo “sim, Senhor”, mas continuando a viver nossa vidinha particular, tirando o corpo fora com este truque tolo, enganando a Deus com palavras bonitas, palavras que não têm nada a ver com a realidade de nossa vida! O Senhor nos guarde de uma fé sem frutos, de uma religião sem obediência!
Oremos: Senhor e Salvador. Precisamos confessar-te que, muitas vezes, também nós temos dito “sim, eu vou” e depois não fomos. Temos dito “amém” ao final do Pai Nosso, e não temos perdoado nossos devedores. Perdoa-nos, Senhor. Faze a nossa vida combinar com nossas orações e com nossas promessas. Dá-nos fé, dá-nos vontade de trabalhar em tua vinha, Senhor. Amém.
Fonte:
Lançarei as redes – Sermonário para o lar cristão.
São Leopoldo/RS: Editora Sinodal, 1979.