Os textos deste 9º domingo do tempo comum nos convidam a uma reflexão profunda sobre o papel da lei, da justiça e da misericórdia. Aprendemos desde criança que Deus, ao concluir toda a obra de sua criação, e vendo que tudo estava muito bom, descansou no sétimo dia e o abençoou como dia santo de guarda (Gênesis 2:2-3). Logo na primeira leitura de Deuteronômio 5,12-15, encontramos pesadas regras sobre o Shabbat (sábado) e a própria leitura reafirma as origens do dia, “Lembra-te de que foste escravo no Egito e que de lá o Senhor teu Deus te fez sair com mão forte e braço estendido. É por isso que o Senhor teu Deus te mandou guardar o sábado” (Dt 5,15). A comunidade autora quer afirmar a necessidade de uma drástica centralização de sua adoração e a preocupação com a posição das pessoas pobres, mas destacamos o trecho de perpétua lembrança, dos tempos de escravidão, afinal, as gerações passam e com o tempo toda a dor e sofrimento são esquecidos por aquelas que vivem a liberdade.
Os chefes da lei e sacerdotes transformaram os 10 mandamentos em 613 preceitos, ao longo de toda história do povo judeu, estas pessoas buscavam tentar ligar os diversos códigos sobre o que fazer e não fazer em dia santo, onde e como se vestir, verdadeiramente regras sobre o que é certo e errado, o que é puro e impuro; algo parece familiar como esse tipo de comportamento? Não tão distantes encontramos movimentos dentro de nossas igrejas que buscam a missa de “sempre”, julgando-se donos da “tradição”, celebrando as orações em latim, jovens moças de véu na cabeça, cantos em estilo gregoriano e jovens sacerdotes com vestes que estavam ocupando lugares em painéis de exposição de museus.
O concílio Vaticano II não proibiu tais celebrações, pelo contrário permitiu que fosse renovada a forma de celebrar, inculturando as realidades da igreja universal sem perder a essencialidade do ministério. Muitos desses paladinos da tradição se agarram nas passagens sobre a lei e a moral. No Evangelho segundo Marcos 2,23-3,6, Jesus confronta os fariseus, sobre o gesto de seus discípulos de colherem grãos no campo, no dia de sábado, para saciar a fome. Sabiamente Jesus recorda a passagem de 1 Samuel 21:6, onde Davi pede aos sacerdotes o pão preparado para as ofertas ao altar do Senhor, mas quem cometeu, segundo os preceitos, a infração, Davi ou o Sacerdote? É claro que não podemos culpar ninguém, afinal, o pão após a oferta seria consumido pelos sacerdotes ou dispensado fora.
O trecho acrescentado de Mc 2,27: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. Portanto, o Filho do Homem é senhor também do sábado” por si se explica, não podemos nos permitir aprisionar em pesados fardos de leis de pureza, porém também não podemos viver sem regras e preceitos, observar a lei está atrelado hoje a agir como misericórdia, amor e caridade. Ao entrar na sinagoga, o novo confronto, agora com o homem da mão seca, a licitude sobre fazer o bem no sábado é colocada em debate, colocar o homem no “meio” mais que o colocar em evidência é dar a centralidade do amor aos necessitados.
Recentemente a Campanha da Fraternidade (CF) e a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) vêm sofrendo ataques de grupos ditos católicos, defensores da “tradição”, vídeos, podcasts, e mensagens de WhatsApp são compartilhadas todos os dias em diversos grupos sociais com fake news sobre a CF e a CNBB, alguns desses vídeos questionam, inclusive, o magistério do papa Francisco, provocando movimentos sedevacantistas. Alguns desses grupos afirmam que a CF não está associada a quaresma, de Jejum, oração e caridade, quando pelo contrário, todas as campanhas da fraternidade sempre convocaram nossas irmãs e irmãos ao serviço de oração, mas de maneira comunitária e cultural, jejum para além da abstinência de comida, mas para uma mudança de realidade e uma caridade que vai muito além de servir sopa de madrugada, mas uma caridade realmente inclusiva e transformadora. Desde que foi criada em 1952, a CNBB, vem se posicionando como um farol ao povo brasileiro, ela poderia ser um clube de seletos homens escolhidos por Deus para o Episcopado, mas em todas as suas assembleias gerais a CNBB vem se manifestando e incidindo sobre a nação, o grande exemplo disso foi a lei da ficha limpa, publicada em agosto de 2016.
Jesus criticou o sistema político e religioso de seu tempo, mas sua crítica estava fundamentada no argumento de que o clero colocou sobre o povo leis quase impossíveis de serem realizadas, a religião deve ser um caminho para Deus a partir da realidade do povo, não em cumprimentos de regras sobre fazer ou não fazer. Por isso ele olhou para eles “…cheio de ira e tristeza, porque eram duros de coração…” Mc 2,5. A busca por tentar se aproximar de Deus pode transformar nossa prática de fé em duras doutrinas, chegando em alguns casos a tramar contra a vida, assim como fizeram os partidários de Herodes.
Em sua carta aos Coríntios, Paulo propõe uma bonita forma de encarar a vida e o ministério, somos tesouros em potes de barro, o principal vem de Deus, o externo é frágil e, desta forma, busquemos sempre o que Deus enriquece a nós, podemos ser “perseguidos, mas não desamparados; derrubados, mas não aniquilados”. 1Co 4,9. Confiar em Deus é permitir que ele aja em nós, sem duras amarras e pesados fardos, os que buscam a missa de “sempre”, ou o jeito certo de fazer a quaresma sem a CF e a CNBB, um conselho, cuidado para não engessar sua fé, afinal, o Espírito Santo de Deus é livre e sopra onde quer. O segredo da felicidade já foi escrito pelo padre Zezinho “Amar como Jesus amou, Sonhar como Jesus sonhou, pensar como Jesus pensou, Viver como Jesus viveu” ( trecho da música Amar como Jesus amou. Pe. Zezinho, SCJ)
Textos de apoio: Dt 5,12-15 2Cor 4,6-11 Mc 2,23-3,6
Por Gilson Dias
CEBI AM
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