Leia a reflexão sobre Marcos 1,14-20, texto de Mesters e Lopes.
Boa leitura!
1. SITUANDO
A Boa Nova de Deus foi preparada ao longo da história (Marcos 1,1-8), foi proclamada solenemente pelo Pai na hora do batismo de Jesus (Marcos 1,9-11), foi testada e aprovada no deserto (Marcos 1,12-13). Agora aparece o resultado da longa preparação: Jesus anuncia a Boa Nova publicamente ao povo (Marcos 1,14-15) e convoca outras pessoas a participar do anúncio (Marcos 1,16-20).
Nos anos 70, época em que Marcos escreveu, os cristãos, lendo essa descrição do início da Boa Nova, olhavam no espelho e viam retratado nele o início da sua própria comunidade. Aquela fonte que brotou na vida daqueles quatro primeiros discípulos podia, a qualquer momento, brotar também na vida deles.
2. COMENTANDO
Marcos 1,14: Jesus inicia o anúncio da Boa Nova de Deus
Marcos dá a entender que, enquanto Jesus se preparava no deserto, João Batista tinha sido preso pelo rei Herodes. Diz o texto: Depois que João foi preso, Jesus voltou para a Galileia proclamando a Boa Nova de Deus. A prisão de João Batista não assustou Jesus! Pelo contrário! Ele viu nela um sinal da chegada do Reino. Hoje, os fatos da política e da polícia também influem no anúncio que nós fazemos da Boa Nova ao povo. Marcos diz que Jesus proclamava a Boa Nova de Deus. Pois Deus é a maior Boa Notícia para a vida humana. Ele responde à aspiração mais profunda do nosso coração.
2. Marcos 1,15: O resumo da Boa Notícia de Deus
O anúncio da Boa Nova de Deus tem quatro pontos: (1) Esgotou-se o prazo! (2) O Reino de Deus chegou! (3) Mudem de vida! (4) Acreditem nesta Boa Notícia! (Mc 1,14-15). Estes quatro pontos são um resumo de toda a pregação de Jesus. Cada um deles tem um significado importante:
Esgotou-se o prazo! Para os outros judeus, o prazo ainda não tinha se esgotado. Faltava muito para o Reino chegar. Para os fariseus, por exemplo, o Reino só chegaria quando a observância da Lei fosse perfeita. Para os essênios, quando o país fosse purificado ou quando eles tivessem o domínio sobre o país. Jesus pensa de modo diferente. Ele tem outra maneira de ler os fatos. Diz que o prazo já se esgotou.
O Reino de Deus chegou! Para os fariseus e os essênios, a chegada do Reino dependia do esforço deles. Só chegaria depois que eles tivessem realizado a sua parte, a saber, observar toda a lei, purificar todo o país. Jesus diz o contrário: “O Reino chegou!” Já estava aí! Independentemente do esforço feito! Quando Jesus diz “O Reino chegou!”, ele não quer dizer que o Reino estava chegando só naquele momento, mas sim que já estava aí. Aquilo que todos esperavam já estava presente no meio do povo, e eles não o sabiam nem o percebiam (cf. Lucas 17,21). Jesus o percebeu! Pois ele lia a realidade com um olhar diferente. E é esta presença escondida do Reino no meio do povo que Jesus vai revelar e anunciar aos pobres da sua terra. É esta a semente do Reino que vai receber a chuva da sua palavra e o calor do seu amor.
Mudem de Vida! Alguns traduzem “Fazei Penitência”. Outros, “Convertei-vos ou Arrependei-vos”. O sentido exato é mudar o modo de pensar e de viver. Para poder perceber essa presença do Reino, a pessoa terá que começar a pensar, a viver e a agir de maneira diferente. Terá que mudar de vida e encontrar outra forma de convivência! Terá que deixar de lado o legalismo do ensino dos fariseus e permitir que a nova experiência de Deus invada sua vida e lhe dê olhos novos para ler e entender os fatos.
Acreditem nesta Boa Notícia! Não era fácil aceitar a mensagem. Não é fácil você começar a pensar de forma diferente de tudo que aprendeu desde pequeno. Isto só é possível através de um ato de fé. Quando alguém vem trazer uma notícia diferente, difícil de ser aceita, você só aceita se a pessoa que traz a notícia for de confiança. Aí, você dirá aos outros: “Pode aceitar! Eu conheço a pessoa! Ela não engana, não. É de confiança. Fala a verdade!” Jesus é de confiança!
3. Marcos 1,16-20: O primeiro objetivo do anúncio da Boa Nova é formar comunidade
Jesus passa, olha e chama. Os quatro escutam, largam tudo e seguem Jesus. Parece amor à primeira vista! Conforme a narração de Marcos, tudo isto aconteceu logo no primeiro encontro com Jesus. Comparando com os outros evangelhos, a gente percebe que os quatro já conheciam Jesus (João 1,39; Lucas 5,1-11). Já tiveram a oportunidade de conviver com ele, de vê-lo ajudar o povo ou de escutá-lo na sinagoga. Sabiam como ele vivia e o que pensava. O chamado não foi coisa de um só momento, mas sim de repetidos chamados e convites, de avanços e recuos. O chamado começa e recomeça sempre de novo! Na prática, coincide com a convivência dos três anos com Jesus, desde o batismo até o momento em que Jesus foi levado ao céu (Atos 1,21-22). Então, por que Marcos o apresenta como amor à primeira vista? Marcos pensa no ideal: o encontro com Jesus deve provocar uma mudança radical na vida da gente!
3. ALARGANDO
O chamado para seguir Jesus
O chamado é de graça. Não custa. Mas acolher o chamado exige compromisso. É o momento de entrar na nova família de Jesus, isto é, a comunidade (Marcos 3,31-35). Jesus não esconde as exigências. Quem quer segui-lo deve saber o que está fazendo: deve mudar de vida e crer na boa Nova (Marcos 1,15), deve estar disposto ou disposta a abandonar tudo. Do contrário, “não pode ser meu discípulo” (Lucas 14,33). O peso não cai na renúncia, mas sim no amor que dá sentido à renúncia. É por amor a Jesus (Lucas 9,24) e ao Evangelho (Marcos 8,35) que o discípulo ou a discípula deve renunciar a si mesmo, carregar sua cruz, todos os dias, e segui-lo (Marcos 8,34-35; Mateus 10,37-39; 16,24-26; 19,27-29).
Os discípulos são o xodó de Jesus. No Evangelho de Marcos, a primeira coisa que Jesus faz é chamar discípulos (Marcos 1,16-20), e a última que faz é chamar discípulos (Marcos 16,7.15). Jesus passa e chama. Eles largam tudo e seguem Jesus. Parece que não lhes custa nada. Largam a família. Largam os barcos e as redes (Marcos 1,16-20). Levi largou a coletoria, fonte da sua riqueza (Marcos 2,13-14). Seguir Jesus supõe ruptura! Eles começam a formar um grupo, uma comunidade itinerante. É a comunidade de Jesus (Marcos 3,13-14.34).
Os discípulos acompanham Jesus por todo canto. Entram com ele na sinagoga (Marcos 1,21) e nas casas, sem excluir os pecadores (Marcos 2,15). Passeiam com ele pelos campos, arrancando espigas (Marcos 2,23). Andam com ele ao longo do mar, onde o povo os procura (Marcos 3,7). Ficam a sós com ele e podem interrogá-lo (Marcos 4,10.34). Vão à sua casa, convivem com ele e o acompanham até Nazaré, a sua pátria (Marcos 6,1). Com ele atravessam o mar e vão para o outro lado (Marcos 5,1).
Participam da dureza da nova caminhada. Tanta gente os procura, que já não têm tempo para comer (Marcos 3,20). Eles começam a sentir-se responsáveis pelo bem-estar de Jesus: ficam perto dele, cuidam dele e mantêm um barco pronto para ele não ser esmagado pelo povo que avança (Marcos 3,9; cf. 5,31). E, no fim de um dia de trabalho, levam-no, exausto, para o outro lado do lago (Marcos 4,36). A convivência se torna íntima e familiar. Jesus chega a dar apelidos a alguns deles. A João e Tiago chamou de Filhos do Trovão, e a Simão deu o apelido de Pedra ou Pedro (Marcos 3,16-17). Ele vai à casa deles e se preocupa com os problemas de suas famílias. Curou a sogra de Pedro (Marcos 1,29-31).
Andando com Jesus, eles seguem a nova linha e começam a perceber o que serve para a vida e o que não serve. A atitude livre e libertadora de Jesus faz com que criem coragem para transgredir normas religiosas que pouco ou nada têm a ver com a vida: arrancam espigas em dia de sábado (Marcos 2,23-24), entram em casa de pecadores (Marcos 2,15), comem sem lavar as mãos (Marcos 7,2) e já não insistem em fazer jejum (Marcos 2,18). Por isso, são envolvidos nas tensões e brigas de Jesus com as autoridades e são criticados e condenados pelos fariseus (Marcos 2,16.18.24). Mas Jesus os defende (Marcos 2,19.25-27; 7,6-13).
Distanciam-se das posições anteriores. O próprio Jesus os distingue dos outros e diz claramente: “A vocês é dado o ministério do Reino, mas aos de fora tudo acontece em parábolas” (Marcos 4,11), pois “os de fora” têm olhos, mas não enxergam, têm ouvidos e não escutam (Marcos 4,12). Jesus considera os discípulos e as discípulas como seus irmãos e suas irmãs. É a sua nova família (Marcos 3,33-34). Eles recebem formação. As parábolas narradas ao povo, Jesus as explica a eles quando estão sozinhos em casa (Marcos 4,10s.34).
Na raiz desse grande entusiasmo está a pessoa de Jesus que chama. Está a Boa Nova do Reino que atrai! Eles seguem Jesus. Ainda não percebem todo o alcance que o contato com Jesus implica para a vida deles. Isto, por enquanto, nem importa! O que importa é poder seguir Jesus que anuncia a tão esperada Boa Nova do Reino. Até que enfim, o Reino chegou (Marcos 1,15)!
Resumindo: “Seguir Jesus” era uma expressão que os primeiros cristãos usavam para indicar o relacionamento deles com Jesus e entre eles mesmos na comunidade. Significava três coisas:
1) Imitar o exemplo do Mestre:
Jesus era modelo a ser imitado. A convivência diária com ele na comunidade permitia um confronto constante. Nesta “Escola de Jesus” só se ensinava uma única matéria: o Reino! E o Reino se reconhecia na vida e na prática de Jesus.
2) Participar do destino do Mestre:
Quem seguia Jesus devia comprometer-se com seu projeto e “estar com ele nas tentações” (Lucas 22,28), inclusive na perseguição (João 15,20; Mateus 10,24-25). Devia estar disposto até a morrer com ele (João 11,16).
3) Ter a vida de Jesus dentro de si:
Depois da Páscoa, acrescentou-se uma terceira dimensão: identificar-se com Jesus ressuscitado, vivo na comunidade. “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gálatas 2,20). Ter a vida de Jesus dentro de si é participar da sua morte e ressurreição (Filipenses 3,8-11).