por Thomaz Hughes*
Reflexão do evangelho sobre Lucas 3,10-18:
Esta passagem trata da pregação de João Batista, que “percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados” ( v. 3).
O início de nosso texto (vv. 10-14), que consta somente em Lucas, mostra bem a sua teologia e contexto. Não são os líderes religiosos que estão prontos para arrepender-se, mas o povo comum e até pessoas que estavam à margem da sociedade, como cobradores de impostos e soldados. Mais adiante no Evangelho, são estas as pessoas que vão responder positivamente diante da pregação do próprio Jesus. Escrevendo para as comunidades pelos anos 80-85 d.C., Lucas quer lembrar aos cristãos que eles também devem estar abertos para achar sinceridade e bondade fora das vias “aceitáveis”, tal como fizeram João e Jesus.
A frase lapidar do trecho é a pergunta que os diversos grupos formulam para João: “O que devemos fazer?” Esta pergunta aparece mais vezes na obra de Lucas (Lc 10,25: na boca de um doutor da Lei; Lc 18,18: na boca de uma pessoa importante; At 2,37: na boca de judeus; At 16,30: na boca do carcereiro; At 22,10: na boca de Paulo). Usando este artifício, Lucas quer salientar que é uma pergunta que tem que ser feita constantemente em nossa caminhada. Não há cristão que possa se dispensar de fazê-la, por achar que já sabe a resposta.
É interessante que João, embora uma pessoa de cunho fortemente ascético, não exige sacrifícios ou práticas religiosas como o jejum e a abstinência. Ele enfatiza uma exigência muito mais radical, que atinge o cerne do nosso ser. É a preocupação com os mais pobres, manifestada na busca de justiça e de solidariedade. Esta proposta de João nos questiona ainda hoje, pois é mais fácil abster-se de uma carne ou de uma bebida do que engajar-se na luta por um mundo melhor.
Este trecho traz à tona mais uma vez um dos temas principais do Evangelho de Lucas: o uso correto dos bens materiais. No fundo, João prega antecipadamente o que mais tarde Jesus vai ensinar, isto é, a partilha dos bens com as pessoas que sofrem necessidades, a justiça nos relacionamentos econômicos e políticos, bem como a conversão que se manifesta numa mudança radical da vida.
A segunda parte da narrativa insiste que João é inferior a Jesus. João batiza com água como agente de purificação. Jesus, porém, usará a força purificadora do Espírito Santo e do fogo. Em Atos 2,1-13, Lucas vai mostrar como o fogo do Espírito Santo age como força dinamizadora da missão das testemunhas de Jesus desde Jerusalém até os confins do mundo (Atos 1,8).
O texto termina, declarando que “João anunciava a boa notícia ao povo de muitos outros modos” (v. 18). O que João prega é tão semelhante ao que Jesus pregará que também merece ser chamado de Evangelho, isto é, de “boa notícia”. É a boa notícia da chegada da misericórdia e da salvação de Deus de uma forma gratuita, mas que exige resposta decidida de cada pessoa. É a crise existencial do mundo todo: aceitar ou rejeitar a salvação oferecida gratuitamente em Jesus. Para Lucas, esta decisão tem que ser renovada sempre, através da pergunta “o que devemos fazer”, enquanto continuamos andando “pelo caminho”.
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Texto de Thomaz Hughes (em memória).