Reflexão do Evangelho

As Sombras do Poder

As Sombras do Poder

Leia a reflexão sobre Lucas 4;1-13, texto de Lilian Sarat

A busca pelo poder está presente em todas as culturas humanas, em todos os tempos e lugares. Desde a fundação do mundo, a história da humanidade é marcada pelas disputas de território, de domínio politico e econômico. As guerras que atravessaram nossa história, e que nos atravessam até os dias de hoje, são marcadas por essa busca desenfreada pelo lucro, pelo poder e pelo domínio econômico de um povo sobre o outro. De maneira absurda, líderes mundiais proclamam a paz lançando bombas sobre pessoas e lugares e, só quem perde nesta disputa, são os mais pobres desta terra, o povo trabalhador que carrega esse sistema nas costas, enquanto os donos do capital, os donos do poder se mantêm seguros em seus arranhas céus abastados do seu ego e arrogância.

O texto de Lucas, que nos ilumina neste tempo quaresmal, nos traz a memória as tentações do poder que Jesus vivenciou em sua peregrinação pelo deserto. O evangelista nos conta que, logo depois do batismo de Jesus por João Batista, estando cheio do Espírito Santo, o Mestre é conduzido pelo Espírito para o deserto. Intuímos que, passar por este lugar inóspito de provações, tem um significado profundo na vida de Jesus, antes de seguir com o seu ministério. O deserto nos sugere como se fosse um teste, uma prova para entrar definitivamente na sua missão, ou mesmo um rito de passagem, onde era preciso encontrar-se consigo mesmo, antes de se colocar a serviço do Reino de Deus. O encontro com o diabo vem significar o acesso as suas sombras e aos lugares mais obscuros da alma humana sedenta pelo poder, que caminha nas pegadas do ego e se afasta dos propósitos divinos de uma vida de partilha e humanidade.

Assim como qualquer outro ser humano, Jesus tinha suas sombras e poderia sim, vir a se perder na sua missão, caso caísse em três grandes tentações do poder que o texto nos relata. A primeira tentação é a fome, a materialização de uma necessidade básica para a vida. Na busca pela sobrevivência, pessoas se devoram, e num mundo onde “quem pode mais chora menos”, o poder do Ter, de possuir é a grande sombra que atravessa os corações humanos. Diante da fome a tentação é guardar ou acumular o “maná” para o dia seguinte, como fez o povo na peregrinação do deserto. A grande prova é a escassez, a falta, a fome e tomar qualquer atitude para saciá-la, até mesmo matar, é uma sombra na alma humana. Entretanto, Jesus nos mostra com o poder da palavra e acessando a memória do Deus do Êxodo, que nem só de pão viverá o ser humano, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. Através do Espirito, Jesus estava sendo alimentado pela palavra que trazia no seu coração. Ao ser interpelado sobre sua necessidade física, Jesus responde com sua abundância espiritual, demonstrando que estava no controle do seu ego e das necessidades do seu corpo.

A segunda tentação o diabo oferece o poder e a glória dos reinos do mundo, que lhes pertenciam e por isso poderia dar a Jesus. Observem que glória, fama, poder não pertencem a Deus, mas ao diabo que oferece a quem se curva diante dele para adorá-lo. Sem dúvida, o maior obstáculo para uma vida no Espírito é o poder do ego e a arrogância do possuir, que faz com que o ser humano sinta-se superior ao outro, e se renda ao poder do dinheiro que move o mundo, numa engrenagem sangrenta, onde seres humanos são pisoteados pelas botas do sistema. As guerras acontecem pelo poder do dinheiro e esse alimenta o ego de homens que se curvam diante da ganância para alcançá-lo a todo o custo, nem que pra isso venham vender suas almas ou perder suas vidas. O Mestre Jesus estava preparado e possuía uma profunda consciência da sua missão no mundo e, quando colocado à prova, responde sabiamente que todo o poder pertence a Deus e somente a Ele devemos adorar e prestar culto. Sua vida não estava baseada na busca pela fama ou dinheiro, e sim na nobre tarefa de humanizar e curar a humanidade do egoísmo e materialismo. A adoração a Deus e o culto essencial é o serviço a humanidade, a entrega ao outro, o acolhimento do necessitado, a assistência aos órfãos e viúvas das muitas guerras feitas pela sede de poder.

O diabo não satisfeito, leva Jesus ao lugar mais alto do Templo e o desafia a pular daquela altura, pois estava escrito que Deus daria ordem aos seus anjos para protegê-lo, não o deixando tropeçar em nenhuma pedra. Neste momento Jesus é tentado a ostentar o seu poder, ou usá-lo de maneira fútil e inútil para alimentar seu ego e exaltar-se a si mesmo, demonstrando orgulho e presunção. Jesus responde novamente com a Palavra  dizendo que não deveria tentar o Senhor seu Deus. Ele não precisava provar nada pra ninguém, sendo guiado pelo Espirito de Deus  toda sua potência está a serviço de um bem maior e melhor sem ostentação ou demonstração mágica do seu poder.

Sem mais argumentos e acabando todas as tentações o diabo se afasta de Jesus, porém por um tempo apenas, o que nos leva a pensar, que essas sombras tentadoras do ego estarão presentes dentro de cada ser humano e a exemplo de Jesus é preciso muito amor a humanidade e humildade para não se deixar  levar pelas tentações ou desejos de poder.

Em tempo de guerras e rumores de guerras, quando vivenciamos a sensação de fim do mundo, o ego de muitos humanos tem o poder de uma bomba nuclear, e por isso nos sentimos frágeis e inseguros. No entanto, o Evangelho neste tempo quaresmal nos chama ao deserto, para enfrentar nossas sombras que nos levam a presunção do poder, ao egocentrismo e materialismo, nos afastando da humanidade de Jesus e da missão a nós confiada de viver o seu Reino nesta terra. O fato do diabo apenas se afastar nos fala deste lugar da fragilidade humana, que carece da proteção divina e do poder do Espírito para nos livrar de nós mesmos e das tentações egoicas que apenas se afastam, podendo voltar a qualquer momento, num tempo oportuno de reflexão e aprendizado.

Seguindo as pegadas do Mestre Jesus, a única maneira de nos livrarmos destas tentações é sermos guiados pelo Espírito e termos suas palavras gravadas nos nossos corações, pois no tempo da provação, são esses os recursos que precisamos para uma vida em abundância a serviço do Bem Comum  e do Bem Viver.

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