Reflexão do Evangelho

A videira e os ramos – uma lição de conexão vital.

Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior, assistente doutor da PUC-SP

Há algo de muito lindo e único nesta parábola joanina: narra delicadamente a conexão vital. Beleza pura sem mistura. Revela como música suave que todos e todas as criaturas estamos interligados como se fossemos um, como canta a melodia do padre Cirineu Kuhn, S.V.D., no vídeo exemplar da VERBOFILMES sobre a Encíclica Laudato Si, do papa Francisco.

Sim, Jesus entende de sinapses, de conexões, ligações, amálgamas, enzimas, lagares e nexos entre todos os seres e toda a vida. Videira e ramos são hologramáticos: a parte está no todo e o todo está na parte. Não há um sem o outro, mas um pelo outro. Elas (videiras e ramos) não existem para si, nem para se acharem bonitezas narcisistas! Até para sermos bem verdadeiros, ao olhar para uma parreira, videira ou vinha sabemos de imediato que são bem feinhas e desengonçadas. Ramos tortos, pontas sem simetria e sempre seguindo caminhos diversos. Ela pertence à família das vitáceas, com tronco retorcido, ramos flexíveis, folhas grandes e repartidas em cinco lóbulos pontiagudos, flores esverdeadas em ramos. A belezura está no cacho de uvas, fruto bendito e apreciado, que se dependura pelos ramos e é alimentado pela seiva que vem dos rizomas enfiados na terra, em geral árida e específica. Até parecem que vão cair das pontinhas dos ramos, mas os ramos nunca largam o fruto bendito do Pai. E temos suco, temos vinho, temos alegria. Temos o fluído vital que nos mantém vivos. Se unidos a Jesus, estamos sustentados pelo Espírito do Ressuscitado que sempre nos conduz ao Pai pois procede do Pai. Ser Filhos no Filho. Receber o doce e a água que nasce da fonte do Amor. Que bela parábola!

Hoje sabemos pelos estudos dos biblistas que existem elencadas nas narrativas dos quatro evangelhos canônicos a impressionante cifre de 85 metáforas (em hebraico: meschalim), parábolas, ou seja, causos contados pelo peregrino Jesus, o de Nazaré, que vão desde simples provérbios, algumas similitudes, pequenas e densas narrativas até as parábolas completas e conflitivas. No Evangelho de João, só temos duas: a do bom pastor e a da vinha. Nos outros três evangelhos, conhecidos como sinóticos (Marcos, Mateus e Lucas) recolhemos o tesouro de 83 metáforas para comunicar o Reino de Deus. Os estudos linguísticos mais recentes chegaram ao total de 38 parábolas que são como que o coração da pregação messiânica de Jesus. Teriam saído da boca de Jesus (ipsissima vox Iesu). São cristalinas e exigem decisão. Não são conta da carochinha nem fábulas de Esopo nem contos dos irmãos Grimm. Quem escuta deve tomar posição: ou fica com Jesus, do lado do Reino ou fica com o legalismo, o anti-Reino e o comodismo de quem cai na inércia. Parábolas são para desinstalar, vieram para incomodar, como bem canta nosso querido padre Zezinho (“É Jesus esse pão de igualdade, Viemos pra comungar, Com a luta sofrida do povo que quer ter voz, ter vez, lugar, Comungar é tornar-se um perigo, Viemos pra incomodar /Com a fé e união nossos passos um dia vão chegar/ O Espírito é vento incessante, que nada há de prender”).

Essa parábola da Vinha e dos ramos nos apresenta perguntas insistentes: Você também é pessoa de interligação e conexões? Quem você está unindo? Como está sendo tal qual enzima trabalhando no “estomago” da humanidade”? Você oferece o seu melhor para os/as demais que vivem ao seu redor? Quanta água você traz de tuas raízes para entregar para “as uvas” em teu trabalho, tua família e teus amigos? Vai sair uma safra boa de tuas palavras e ações? Será que teremos vinho bom depois de esmagarmos as uvas que dependem do “teu” ramo?

Vinho bom é fruto de terra boa e das bençãos de Deus.

O vinho nas Escrituras Sagradas é expresso por duas palavras hebraicas: “tirosh”: sumo de uva não fermentado, saído do lagar como um novo produto agrícola, e “yayin” que se refere ao vinho fermentado, em 140 citações. Há 60 citações negativas, por conta da perda de consciência de quem o ingere em demasia: visão nublada, desavenças, feridas, abusos, manipulações, pobreza e falta de controle na família, como lemos na bebedeira de Noé (Gn 9,21; Lot (Gn 19,32-35; Nabal (1 Sm 25,36-37); Amnon (2 Sm 13,28); Belshazar (Daniel 5,1-3) e Ahasuerus (Ester 1,1-10); Isaías 51,21; Jeremias 23,9; Oséias 4,11.7,5); Joel 1,5 e Habacuc 2,15. Há 60 citações sem juízo de valor, e 17 casos aonde se diz algo de positivo: o vinho alegra o coração; vinho possibilita celebrar com pão e vinho, a vida diária do trabalhador, com alegria e gratidão ao Deus da vida (Eclesiastes 9,7). A fragrância do vinho é citada como metáfora do Deus que quer o povo alegre e perfumado. Em 30 das 38 referências a tirosh no Antigo Testamento, a palavra tem o significando de óleo, unguento e medicamento nas feridas, fruto da colheita ou usado para pagamento de dízimos, taxas etc.

Vinho se tornou uma bebida de todos os povos do Oriente Médio. O texto do profeta Oséias 4,11 sugere que tirosh pode provocar intoxicação se mal preparado. Muitas vezes os profetas alertam para que os pobres não se deixem embebedar pelo vinho dos poderosos. Embriagados são assaltados e mortos por gente desonesta. O simbolismo do vinho está ligado à festa, na celebração de momentos especiais ou memória de fatos importantes. A ideia de fazer um brinde como louvor à vida. Cuide bem da terra e da videira de Deus. Às vezes é necessário podar os ramos para fazer vicejar uvas bonitas e suculentas. Hoje sabemos que o terreno deve estar bem adubado com nitrogênio, calcário e compostos orgânicos, mantendo o pH na faixa de 5-6. Solo precisa estar profundo, bem drenado e ligeiramente argiloso ou arenoso.

A festa de Deus pede vinho novo e alegria exuberante

Sem vinho, qualquer festa acaba. Mas, nem toda uva dá vinho. Há perto de 10.000 variedades de uvas ao redor do mundo, sendo que destas, 1.368 são usadas para fazer vinho. Originária da Ásia, a videira é cultivada em todas as regiões de clima temperado. Vale lembrar que vinho, azeite, cevada e figos eram os produtos excelentes do povo semita. A videira é símbolo do povo unido que produz frutos e alegria na arte de viver. Videiras deviam ser bem cuidadas, podadas com regularidade e protegidas das intempéries e dos animais como javalis e raposas. Vinho é citado 14 vezes no NT. Acredita-se que as variedades de uva mais comuns cultivadas na Palestina na época de Jesus eram a Sultana e a Baladi, que ainda são cultivadas na região hoje em dia. Muitas vezes lemos que Israel se compara a videira. Importante recordar que o que sobra na videira depois da colheita pertence aos pobres e viajantes (Lv 19,10). Se os noivos e o organizador da festa ofertassem vinho de baixa qualidade ou viciante, a festa se tornaria uma tragédia. Lembro que as festas judaicas duram sete dias. Maria, a Mãe de Jesus anuncia que não há mais vinho (oinós, em grego), portanto a festa terminou!

Chegou a hora de Jesus! É preciso retomar a festa com um novo vinho! Jesus encerra a tristeza do povo que padece por ofertar vinho excelente (bom e belo): a festa precisa continuar! Este é um primeiro sinal ou milagre nas narrativas do evangelista João. Sabemos que a cor do vinho tinto faz pensar na entrega de Cristo na cruz, expresso na ressurreição de Lazaro, o sétimo e último sinal. O cacho de uvas é o sinal da abundância e alegria do Reinado de Deus. A videira exige cuidados do viticultor para manter-se sadia e produtiva para ofertar o fruto para a festa. O mais importante não é ver em Jesus um mago ou feiticeiro, mas o Ungido de Deus que propõe festa, amor e a união do povo como as núpcias do Deus que ama o seu povo. O coração da narrativa é a conexão vital. Como dizem as mulheres: ninguém solta a mão de ninguém.

Cantemos com Zé Vicente:
“Vinho melhor foi guardado
Pra hora que já soou
Novo céu e nova terra
Primavera já chegou!”

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