Reflexão do Evangelho

27º domingo do tempo comum – Ano B – Em busca do máximo de igualdade e ternura

“No tempo de Jesus, lá pelos anos 30 do século primeiro, o que mais causava sofrimento às mulheres da Galileia era o sistema patriarcal, que as submetia de tal modo aos maridos, que as fazia perder todo tipo de liberdade. O marido podia repudiar à mulher em qualquer momento, abandonando-a à sua sorte. E isto era justificado pela Lei de Deus, que só os fariseus e os mestres da lei podiam interpretar (Dt 24,1-4).

“Então, Jesus os fez recordarem a Lei. Eles sabiam citá-la de cor. Deuteronômio 24,1-4 era uma Lei dura contra a mulher, como dissemos anteriormente. Somente o homem podia divorciar-se. A mulher tinha que assumir uma atitude de passividade. Então, Jesus esclarece: “Foi por causa da dureza do coração de vocês, que Moisés escreveu esse Mandamento. Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. O que Deus uniu o homem não pode separar” (10,5-9).”

A reflexão é de Virma Barion, ccv, religiosa da Congregação Carmelitas da Caridade de Vedruna. Ela é teóloga, biblista e atua na formação pastoral e em assessorias teológicas.

(1ª parte)

Referências bíblicas
1ª Leitura – Gn 2,18-24
Salmo 127 (128)
2ª Leitura – Heb 2,9-11
Evangelho – Mc 10,2-16

Comecemos nossa reflexão hoje, com os olhos fixos em Jesus. Marcos o apresenta no caminho, dando instruções aos seus seguidores e enfrentando corajosamente a cruz.

Situemos o texto em seus dois contextos: vendo onde o texto está “pendurado” no relato de Marcos (Mc 10,2-16) e vendo a situação que se vivia nos tempos de Jesus com relação ao tema deste domingo: a relação entre marido e mulher ou o divórcio.

Onde o texto está localizado?

O texto, no Evangelho de Marcos, encontra-se no capítulo 10. Jesus está subindo para Jerusalém. Anuncia sua Paixão, Morte e Ressurreição por três vezes. Nos dois capítulos, 9 e 10, faz recomendações aos membros de sua comunidade sobre o tema das relações. Orienta para ter:

  • o máximo de abertura com quem não pertença à comunidade (9,38-40);
  • muita acolhida aos pequenos e excluídos. Acolhê-los porque são de Cristo. E não ser motivo de escândalo para eles (9,41-50);
  • o máximo de igualdade entre homem e mulher, (10,1-12);
  • o máximo de ternura com as crianças e suas mães: acolher, abraçar, abençoar, sem medo de contrair qualquer impureza (10,13-16);
  • o máximo de desprendimento com relação aos bens materiais (10,17-27);
  • o máximo de partilha e igualdade entre os discípulos e discípulas. Nada de luta pelo poder (10,28-31).

E assim Jesus continua instruindo os seus seguidores/as. No caminho, Ele não queria que ninguém soubesse onde estava, porque ia ensinando aos seus discípulos (9,30-31).

Quando Ele anuncia por terceira vez a sua paixão, informa-se que “os discípulos não compreendiam o que Jesus estava dizendo e tinham medo de fazer perguntas” (9,32). O capítulo 10 termina com o relato do cego de Jericó, chamado Bartimeu. Ele é curado por Jesus por causa de sua própria fé. “Começa a ver de novo e o segue pelo caminho” (10, 52).

O texto não está aí por acaso. Ele quer ser uma demonstração do seguimento sem fazer exigências.

Que seus seguidores e seguidoras aprendamos com isto.

O contexto de realidade

No tempo de Jesus, lá pelos anos 30 do século primeiro, o que mais causava sofrimento às mulheres da Galileia era o sistema patriarcal, que as submetia de tal modo aos maridos, que as fazia perder todo tipo de liberdade. O marido podia repudiar à mulher em qualquer momento, abandonando-a à sua sorte. E isto era justificado pela Lei de Deus, que só os fariseus e os mestres da lei podiam interpretar (Dt 24,1-4). Na época, havia duas escolas rabínicas que orientavam as prescrições da Lei: a escola de Hillel, um pouco mais liberal e a de Shammai, bastante mais estrita. Os maridos discutiam o tema do divórcio segundo essas orientações. Mas, a mulher não podia levantar sua voz em momento algum para dizer sua palavra, nem sequer na hora de um litígio de separação.

Vemos que o assunto chega até Jesus e Ele, não só dá sua opinião, mas também os instrui sobre o tema do divórcio.

No contexto de realidade, há outro elemento no texto que é bom esclarecer: a aparição das crianças com suas mães e a atitude dos discípulos não querendo que se aproximassem de Jesus e Ele os repreende. Por que isto? Naquela realidade, as crianças não tinham importância na sociedade. Além disso, crianças com suas mães viviam quase constantemente na impureza legal. A pessoa, que as tocasse, poderia se tornar também impura. Provavelmente os discípulos queriam evitar o contágio de seu Mestre. Jesus não se condiciona e diz a linda frase: “Deixem as crianças virem a mim. Não lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas” (10, 14). E Jesus abraçou as crianças e as abençoou. Logo nos convida a sermos como elas para entrar no Reino.

A meu ver, o que Marcos quer ressaltar com a presença das crianças, logo após o texto sobre o divórcio, não é tanto sua inocência, mas seu não poder. Para entrar no Reino é preciso renunciar a todo poder-dominação, isto é, tornar-se como as crianças. É uma velada mensagem à postura dos maridos naquela sociedade e alguns na nossa também.

Aproximemo-nos do texto para ver alguns detalhes.

(2ª parte)

Jesus está rodeado pelas multidões. Alguns fariseus se aproximaram dele, fazendo a pergunta sobre, se a Lei permitia a um homem divorciar-se de sua mulher. Não perguntam pelo parecer de Jesus como em outras vezes, mas sobre a Lei. Eles não vinham para terem maior orientação ou buscar a vontade de Deus, mas para “tentá-lo”, diz o texto. Qualquer coisa que Jesus dissesse, comprometeria sua reputação.

Então, Jesus os fez recordarem a Lei. Eles sabiam citá-la de cor. Deuteronômio 24,1-4 era uma Lei dura contra a mulher, como dissemos anteriormente. Somente o homem podia divorciar-se. A mulher tinha que assumir uma atitude de passividade. Então, Jesus esclarece: “Foi por causa da dureza do coração de vocês, que Moisés escreveu esse Mandamento. Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. O que Deus uniu o homem não pode separar” (10,5-9).

Isto conecta com a primeira leitura de hoje, tirada do capítulo 2 do Gênesis, no segundo relato da criação. Embora o texto não seja histórico, mas somente teológico, fala que a mulher foi tirada da costela do homem. Sair da costela, é sair do lado do homem como companheira que caminha lado a lado. Por isso, Jesus alude ao princípio, quando Deus faz homem e mulher em igualdade, caminhando lado a lado.
É a cultura a responsável pelas diferenças entre os seres humanos. Não vem de Deus. Jesus deixa claro que serão os dois uma só carne. Ambos que não podem ser separados por ninguém.

De todos os modos, sabemos que há muitos matrimônios malsucedidos e que o Papa Francisco chegou até convocar um Sínodo sobre a Família para tratar da situação do matrimônio. Esse Sínodo ocorreu depois de ampla consulta ao povo. Podemos ler e meditar a Exortação Apostólica pôs sinodal chamada “Amoris Laetitia”, escrita pelo próprio Papa Francisco após o Sínodo sobre a Família. Está em uma linguagem ao alcance de todas as pessoas. Ali encontramos orientações para os casos de separação e nova união.

Sinto-me solidária de todas as pessoas em casos de separação entre os casais, pois imagino como deve ser duro esse momento. Porém, como educadora que sou, dedicando-me à educação escolar por longos anos, gostaria de deixar aqui uma pequena reflexão sobre os filhos de casais separados com os que lidei em muitas ocasiões. Sirvo-me do pensamento de Pe. José Antonio Pagola, sacerdote espanhol, no comentário ao Evangelho de hoje. Na sua reflexão ele diz: “Nunca se deveria esquecer que os que se separam são os pais, não os filhos. Eles, os filhos, têm direito de continuar desfrutando de seu pai e sua mãe, juntos ou separados e não merecem ser testemunhas dos conflitos nas relações entre os dois. Sobretudo, não devem ser coagidos a tomar partido por um ou pelo outro. Que nenhum dos dois os utilizem como ‘arma de ataque’ em seus enfrentamentos. Por outro lado, é mesquinho chantagear os filhos com presentes ou condutas permissivas para conquistar o seu carinho. Quem quer o bem da criança, facilita-lhe a comunicação com o pai ou a mãe que não vive com ela. Além, disso, os filhos têm direito a que seus pais se reúnam para tratar assuntos de sua educação e saúde, assim como para tomar decisões relativas ao seu bem. O casal não pode se esquecer de que, mesmo separados, continuam a ser pais e mães de filhos que precisam deles.

Que a mensagem sobre a igualdade que nos deixam a primeira leitura e o Evangelho, reafirmem em nós a fraternidade que a Carta aos Hebreus, de onde é tirada a segunda leitura de hoje, convida-nos a cultivar. Ela diz: “Aquele que santifica e os que são santificados, todos têm a mesma origem. Por isso Jesus não se envergonha de chama-los irmãos” (Hb 2,11).

Que tenhamos uma linda semana de reflexão e revisão da própria vida.

 

Fonte: Seção Ministério da Palavra na Voz das Mulheres (MPVM)/Portal Instituto Humanitas-Unisinos

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