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Um mundo em guerra e o desafio da Paz

A cada ano, a ONU consagra o 21 de setembro como “dia internacional de promoção da cultura de paz”. No hemisfério sul, este dia marca o início da primavera e a ONU propõe que desponte uma nova primavera de paz e justiça para o planeta e para todos os povos da terra. Nestes tempos em que vivemos, além da guerra entre a Rússia e os Estados Unidos com apoio da União Europeia, guerra que tem seu palco na Ucrânia e do genocídio cotidiano praticado pelo Estado de Israel contra o povo palestino, o mundo conta com ao menos 28 guerras de caráter internacional e extremamente violento. Na África, os principais conflitos acontecem na África Central, no Saara Ocidental, nos Estados do Sahel, na Líbia, Eritreia, Etiópia, Nigéria, Somália, Ruanda, Mali, Burundi, República Democrática do Congo, Angola e Moçambique. Entre todas essas guerras atuais, talvez a mais cruel e sanguinária é a que continua dizimando o Sudão e o Sudão do Sul. Há a violência de Estado que guerreia contra grupos dissidentes e há guerras provocadas por grupos extremistas como o Al Shabaab no Quênia, o Boko Haram na Nigéria e M23 na República Democrática do Congo.

Filmes e noticiários de televisão nos habituam de tal modo com as notícias cotidianas de bombardeios e destruições de bairros ou de hospitais em Gaza que nem estranhamos mais. Os noticiários de cada dia, pagos pelo governo dos Estados Unidos nos alimentam com as notícias contra o governo da Venezuela e o seu “ditador” Nicolas Maduro que teria, conforme as agências norte-americanas e europeias, fraudado uma eleição. Deveriam dizer que ele é ditador porque impede que os impérios se apossem do petróleo da Venezuela. É claro que se trata de um governo autoritário, mas se, por acaso, fosse mais democrático, o país já estaria nas mãos do império dos Estados Unidos. Os mesmos democratas que denunciam a ditadura do governo venezuelano convivem tranquilamente com o genocídio que o governo de Israel comete contra o povo palestino, com apoio total do governo dos Estados Unidos.

Nesse momento, o Brasil constata que nos últimos meses foram queimados 4, 5 milhões de hectares de seus biomas naturais. O país inteiro parece em guerra contra a natureza e se revela como imenso território destruído pelo fogo, com suas consequências terríveis de poluição do ar e a mais prolongada seca já vivida na Amazônia e em várias outras regiões do Brasil. A guerra é como os incêndios que começam com uma faísca no capim seco ou um toco de cigarro jogado em local inadequado. Assim como no organismo humano, a febre é sintoma de infecção, também, a guerra é expressão da cultura de violência e confiança no poder das armas.

A ONU compreende que somente uma cultura de paz pode verdadeiramente vencer a violência. Nesse ponto, todas as religiões e tradições espirituais têm função essencial. Uma nova formação espiritual da humanidade supõe que, em qualquer tradição espiritual, ou mesmo sem nenhuma pertença religiosa, as pessoas procurem desenvolver a consciência da responsabilidade por todos os seres vivos.

Fazemos parte de uma única família que partilha a mesma terra e bebe do mesmo poço. Para isso, crentes das mais diversas religiões devem rever a própria imagem de Deus, como autor e principio da paz.

Muitos grupos religiosos ainda acreditam em um deus intransigente e severo, que pede sacrifícios e divide os seres humanos em crentes e descrentes, fiéis e infiéis. O resultado disso é sempre uma cultura de intransigência e intolerância. Crer nesse tipo de deus supõe organizações religiosas baseadas no dogmatismo e no autoritarismo de suas hierarquias. Esses grupos podem até falar de paz, mas, na prática, plantam sementes de divisão entre as pessoas.

Ao contrário disso, cada vez mais se desenvolvem nos mais diversos caminhos religiosos a convicção de que Deus só pode ser Amor e Solidariedade. A espiritualidade decorrente desse modo de crer é a profecia da Paz. As mais diversas religiões têm a responsabilidade de educarem a humanidade para conviver em paz e a partir da justiça ecossocial. Jesus proclamou como pessoas abençoadas e prestigiadas por Deus (bem-aventuradas) as que constroem a paz, porque, assim, podem ser chamadas de filhas e filhos de Deus (Mt 5, 9).

O bispo italiano Tonino Bello dedicou toda a sua vida ao trabalho pela paz. Ele afirmou: “A paz não acontece apenas acabando com todos os conflitos, pois esses são uma realidade da vida. A paz supõe o aprendizado da convivialidade na diferença e da educação, como caminho de amor e abertura aos outros”.

[1] – MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Email: [email protected]

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