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Relações de Comunicação Comunitária e Inclusiva – Olhar e Fala da Mulher

Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, o CEBI partilha o texto da pastora Cibele Kuss. Boa leitura!


Sou de uma época em que a canção Feminina, de Joyce, tocou-me profundamente Ô mãe, me explica, me ensina, me diz o que é feminina?
Não é no cabelo, no dengo ou no olhar, é ser menina por todo lugar Então me ilumina, me diz como é que termina? Termina na hora de recomeçar, dobra uma esquina no mesmo lugar…
A pergunta feita à mãe traz um lugar de referência, em que a vida é tecida a partir da potência existente nas relações familiares. Potência de vida e de morte.

Conceição Evaristo[i] diz que um dos primeiros sinais gráficos aprendidos foi um gesto de sua mãe, em que ela, agachada, desenhava um grande sol na companhia das filhas, usando um graveto. Um grande sol iluminador de sonhos e de vida. As rodas de mulheres iluminam o caminho e juntas vamos aprendendo como “colocar a boca no trombone”, criando fissuras e abrindo janelas ali onde os corpos e as falas das mulheres são insistentemente caladas pelo patriarcado.

Carolina de Jesus é uma mulher negra, brasileira, catadora e escritora que subverteu a comunicação da norma da linguagem culta, branca e masculina.

Débora e Jael, a Mulher Samaritana, escreveram suas histórias na tradição bíblica através do discurso reivindicatório de justiça e inclusão, ou poderíamos dizer através de uma política de justiça de gênero com gestão democrática da vida, em espaços de tomada de decisão hostis e proibitivos à participação de mulheres. Tão hostis que se organizam para a eliminação dos corpos e das vozes de mulheres. Os textos mais contumazes talvez sejam o feminicídio em Juízes 19 e a tentativa expressa em João 8, O feminicídio de mulheres na Bíblia ao lado do de mulheres no cenário político brasileiro indica que a força do patriarcado é assimétrica e indissolúvel.

A estratégia patriarcalista é a manutenção do controle sobre as mulheres para uma exploração permanente. Levitas, escribas, fariseus, namorados, maridos, chefes, padres, pastores, bispos, presidente, deputado, também os militantes e companheiros de movimentos sociais e comunitários continuam tendo suas masculinidades moldadas pelos males do sistema patriarcal, atravessado pelo racismo, homofobia e capacitismo.

É importante entender que dentre as narrativas de fé encontramos as que contribuem para oferecer uma linguagem enraizada na afirmação do direito humano à vida com dignidade. Uma linguagem religiosa, que resgata a presença das mulheres e suas estratégias milenares de inclusão, denúncia e resistência constituem uma herança imprescindível na atualidade.

O fundamentalismo religioso judaico-cristão em tempos de crise democrática atua na recuperação e retomada de uma leitura bíblica ultra conversadora em que o poder pertence ao esquema homem-branco-hetero-pai-patrão-sacerdote. Incentiva e promove uma formação religiosa que considera o diferente como perigo, o contraditório como uma espécie de afronta a Deus e outras verdades como falácias visto que haveria apenas uma só verdade. Isso porque “o fundamentalismo, que não aceita dialogar, exigindo a aplicação das normas em todos os casos, em distinção de nenhum tipo, e [que] não reconhece a autonomia dos interlocutores, apenas reiterando seus próprios princípios de referência”[ii].

Esse cenário não dialógico e persecutório é especialmente difícil para as mulheres, pois conta com um regramento autoritário que sempre tende a referenciar modelos de liderança e jeitos de comunicação vinculados ao poder dominante. A censura a artistas mulheres, lideranças em mandatos parlamentares, mulheres ordenadas nas igrejas, jornalistas, cientistas, dirigentes de movimentos sociais, a todas as mulheres que se reúnem e se organizam requer muitas rodas populares e coletivas em que as mulheres referenciam umas às outras e se movimentam em proteção e encorajamento mútuo.

As mulheres são advertidas, interrompidas, subestimadas e desqualificadas em sua inteligência, o que impacta diretamente em sua comunicação oral e escrita. Falar em público e representar uma categoria são conquistas recentes. Entre irmãs e irmãos nas comunidades de fé, companheiras e companheiros na luta política há “aqueles que nasceram líderes” e assim morrerão na mesma função sem permitir que numa mesma geração haja possibilidade de transição e diversidade em espaços de poder e liderança.  A situação continua tão grave que em pleno século XXI ainda há comunidades cristãs que necessitam ser preparadas para receber uma primeira pastora, porque o cargo sempre foi ocupado por homens.  Ela falará do altar, representará a instituição, deverá ser ouvida em reuniões deliberativas e são muitas as histórias de violência atravancando a comunicação.

É possível afirmar que “a característica que tem marcado a trajetória ecumênica brasileira é o compromisso com a promoção dos direitos humanos”[iii]. As organizações baseadas na fé, que atuam sustentadas na diaconia ecumênica de Jesus, têm feito muitos esforços no apoio a projetos protagonizados por mulheres assim como na execução direta de projetos em que grupos, sujeitas e sujeitos sejam suas próprias vozes e corpos na força de seu lugar no contexto.

Os Programas de Pequenos Projetos da Fundação Luterana de Diaconia – FLD e da Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE, por exemplo, têm apoiado ao longo de décadas iniciativas de organizações, movimentos sociais e comunidades de fé que corajosamente se organizam para que mulheres e jovens negras, indígenas, lgbtqia+, com deficiência criem de estratégias de comunicação feminista, antirracista e antifundamentalista, afirmadoras de equidade com acesso a processos de tomada de decisão e posições de poder igualitários.

O desafio para o campo da comunicação popular e inclusiva é a renovação da participação, com justiça de gênero e gestão democrática. Gênero e Democracia na perspectiva decolonial. É o seguimento da escrevivência de Conceição Araújo e a quebra de paradigma comunicacional de Carolina de Jesus. As mulheres continuam a se perguntar sobre o que é ser feminina-mulher-feminista-negra-indígena-branca-trans nesse país que nos mata sem culpa e piedade. Elas continuam a se agachar na roda ao lado de outras mulheres.

Para continuar a reflexão, seguimos também no caminho junto às mulheres catadoras que dizem sobre si: Sou Mulher Catadora! Por uma comunicação com equidade, diversidade e poder.

Mulher Catadora é Mulher que Luta (legenda inglês) – YouTube

Autora: Cibele Kuss
Teóloga feminista e pastora luterana, secretária executiva na FLD-COMIN-CAPA


[i] Texto apresentado na Mesa de Escritoras Afro-brasileiras, no XI Seminário Nacional Mulher e Literatura/II Seminário Internacional Mulher e Literatura, Rio de Janeiro, 2005. Publicado no livro Representações Performáticas Brasileiras: teórias, práticas e suas interfaces. Marcos Antônio Alexandre (org.). Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007. p 16-21.

[ii]CIPRIANI, Roberto. A religião no espaço público. In: ORO, Ari Pedro; STEIL, Carlos Alberto; CIPRIANI, Roberto; GIUMBELLI Emerson (eds.).  A religião no espaço público: atores e objetos. São Paulo: Terceiro Nome, 2012, p. 15-27.

[iii] KUSS, Cibele; BENCKE, Romi M. Ecumenismo e cooperação inter-religiosa na diaconia transformadora. In: KUSS, Cibele (Org.). Fé, justiça de gênero e incidência pública: 500 anos da Reforma e Diaconia Transformadora. 1. ed. Porto Alegre: Fundação Luterana de Diaconia, 2017, p. 81. Disponível em: <https://fld.com.br/publicacao/fe-justica-de-genero-e-incidencia-publica-500-anos-da-reforma-e-diaconia-transformadora/> Acesso em: 10 nov. 2021.

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