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Ninguém Solta a Mão de Ninguém

Fazendo ecoar o Dia Internacional pela Não Violência, o CEBI partilha o artigo do pastor Henrique Vieira com o título: Ninguém Solta a Mão de Ninguém.


Ao cair da tarde daquele primeiro dia da semana, estando os discípulos reunidos a portas trancadas, por medo dos judeus, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “Paz seja com vocês! “
Tendo dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se quando viram o Senhor.
Novamente Jesus disse: “Paz seja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu os envio”.
E com isso, soprou sobre eles e disse: “Recebam o Espírito Santo.”

Jo 20, 19-22

Os discípulos estavam reunidos e de portas fechadas, pois estavam com medo. Jesus havia sido entregue por líderes religiosos ao Império Romano e, dessa forma, foi preso, torturado e assassinado. Era um momento de tensão, pois todo o movimento criado por Jesus se encontrava sob forte perseguição e ameaça. 

Eu imagino a mescla de sentimentos no coração daquelas mulheres e daqueles homens. Além do medo, a saudade de Jesus e as lembranças de tantos momentos vividos com ele. A memória das longas conversas, dos banquetes festivos, da partilha do pão, da caminhada junto aos pobres. Imagino que os olhos estavam marejados, o coração  apertado e que as memórias saudosas se multiplicavam. Certamente Jesus fazia falta. Além do medo e da saudade, imagino a quantidade de incertezas que sentiam. O que fazer? Para onde ir? O que faremos com os sonhos que pulsam dentro de nós? Era um momento de mais dúvidas do que de certezas. Eles deviam se olhar, um buscando no olhar do outro um pouco de segurança e conforto, alguma direção. Ainda imagino a forte sensação de impotência e de vulnerabilidade diante da força do Estado e da frieza dos líderes religiosos. A quem recorrer?

No meio dessa multidão de sentimentos, eles se juntaram em uma casa. Apesar de todas as incertezas, certamente havia uma forte intuição de que deveriam estar juntos. Não poderiam passar por aqueles momentos isoladamente, sozinhos. Segundo a memória do Evangelho de João, enquanto estavam reunidos, Jesus apareceu no meio deles. Os Evangelhos testemunham da ressurreição de Jesus. Apesar da violência fatal do sistema político e econômico, os discípulos afirmaram que Jesus estava vivo e no meio deles. Isto significa que a ressurreição era uma insurreição, ou seja, uma desautorização da violência do Estado. Os discípulos afirmavam corajosamente: “Jesus presente, agora e sempre”. Jesus entrou na sala e mostrou as feridas de seu corpo. São marcas de um corpo ferido, machucado e exposto à violência. Parece-me que Jesus não queria ser visto como um herói imbatível, mas como alguém que foi até o fim ao lado dos pobres e dos oprimidos. As marcas de Jesus se ligam às marcas de todos os corpos oprimidos ao longo da história, como negros, indígenas, mulheres, LGBTs, sem terra, sem teto, refugiados, pobres…

Jesus, então, desejou paz aos seus discípulos. Não se trata de uma paz silenciosa e alienante. Sentir os dramas do mundo necessariamente nos deixa inquietos. Contudo, a paz proposta por Jesus se trata daquela paz que acolhe esta inquietude, mas não nos deixa cair no desespero e na desesperança. Mas Jesus ainda fez mais, porque confiou aos discípulos a tarefa de continuar o sentido de sua vida e vocação: o amor como serviço ao povo e a construção da justiça do Reino de Deus. Então Jesus soprou sobre eles o Espírito Santo, como se dissesse: “vocês não estão sozinhos, eu seguro a mão de vocês.”

O que sabemos é que, a despeito das dificuldades, precisamos seguir em frente. Sabemos que esta caminhada de resistência não pode se dar de maneira isolada, mas com laços profundos de solidariedade e compaixão. Ninguém soltando a mão de ninguém, multiplicando resistências em tudo quanto é canto, anunciando nos pequenos e grandes espaços que o futuro haverá de ser justo, solidário e fraterno. Nessa comunhão generosa atualizamos o sentido da ressurreição, desautorizamos as estruturas de morte e anunciamos a Vida plena como resposta final. Sempre juntos, porque ninguém solta a mão de ninguém.


Autor: O pastor Henrique Vieira é evangélico, teólogo, professor, cientista social, historiador e ator.

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