Nossa irmã Amelia Hakme Romano fala neste artigo sobre a experiência da ressurreição na comunidade.
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Paz na Bíblia é shalom (hebraico), significa integridade da pessoa diante de Deus e de outras pessoas, uma vida feliz, plena e abundante. Lembramos que viver a paz não é fácil. A proposta que Jesus trouxe de paz, é sinal de perseguições para as comunidades. Por isso mesmo, precisamos confiar, lutar, trabalhar, perseverar para que um dia a paz de Deus triunfe.
Paz é sinal da presença de Deus, nosso Deus é um “Deus da paz”.
O Evangelho de João capítulo 20,19ss nos conta que as pessoas amigas de Jesus estavam juntas numa casa com as portas fechadas com muito medo, e que Jesus se coloca no meio delas e diz: “a paz esteja com vocês”! Deseja novamente a paz mostrando as marcas da crucificação nas mãos e nos pés, enviando-as a missão soprando sobre elas o Espírito. Jesus infunde agora aos seus discípulos e discípulas o seu alento de vida, que é o Espírito. É aquele Espírito que tinha entregue na cruz, uma vez terminada a criação do homem (Jo 19,30: disse: “Fica terminado”. E entregou o Espírito). O Espírito que Jesus comunica cria nos seus a nova condição humana, a condição de ser “espírito”. Como Jesus cumpriu a sua missão demonstrando seu amor até as últimas consequências (Jo13,1), agora suas amigas e amigos deverão fazer a mesma coisa.
João usa muitas imagens e símbolos para significar a ação do Espírito. Como na criação (Gn 1,1), assim o Espírito desceu sobre Jesus “como uma pomba, vinda do céu” (Jo1,32). É o começo da nova criação. Jesus fala as palavras de Deus e comunica-nos o Espírito sem medida (Jo3,34). As palavras de Jesus são Espírito e vida (Jo 6,63).
Viver a justiça é romper com a injustiça
Jo 20,23: “Aqueles a quem perdoastes os pecados ser-lhes-ão perdoados…”
Em João o conceito de pecado (Jo 1,29; 8,21) consiste em aceitar um sistema de injustiças que estraga a raiz e a fonte da vida. João não concebe o pecado como uma mancha, e sim como atitude da pessoa: pecar é ser cúmplice da injustiça encarnada no sistema opressor. Quando a pessoa muda de atitude e põe em favor do ser humano, cessa o pecado (Jo15,3). Jesus cria um espaço humano, onde, em vez da injustiça, reina o amor mútuo: é a comunidade alternativa que possibilita aos seres humanos sair do sistema que os leva a cometer a injustiça. É na comunidade que mulheres e homens farão a sua opção. Viver a justiça e romper com a injustiça.
Jesus confiou aos seus a continuidade de sua obra. (Jo20,21). Pelo Espírito que recebem dele, são suas testemunhas perante o mundo. Sua atividade, como a de Jesus, é a manifestação por obras e atos de amor gratuito e generoso do Pai. Por isso, sucederá a eles o mesmo que aconteceu a Jesus: haverá aqueles que acreditarão e os que não acreditarão e endurecerão o coração, serão rejeitados e perseguidos. A missão de Jesus não era a de julgar as pessoas (Jo3,17;12,47).
A missão da comunidade é fazer brilhar no mundo o amor e a glória do Pai. (Jo17,22) e assim tornar Jesus presente. Jesus é a luz, aos homens e mulheres cabe dar o passo, rompendo com o sistema injusto em que vivem e que é as trevas. A comunidade criada por Jesus é opção de salvação.
É na comunidade que se faz a experiência do amor
Jo 20,24-25: Tomé não estava presente e não crê no testemunho dos outros. Os discípulos disseram a ele que viram o Senhor em pessoa e que esta experiência os transformou quando da infusão do Espírito. No entanto, Tomé não acredita e exige colocar os dedos nas feridas da mão e do pé de Jesus. Tomé separado da comunidade, está em perigo de se perder, por não ter participado da experiência comum, nem ter recebido o sopro do Espírito, nem com ele, a missão. É um deles, precisa ver para poder crer, não aceita a experiência dos amigos. A existência da nova comunidade transformada pelo Espírito não é prova suficiente de que Jesus está vivo. Ainda que esteja disposto a morrer, não crê na permanência da vida. Tomé teimoso, não admite que o que seus amigos viram, seja o mesmo Jesus que ele conhecera. Exige uma prova individual e extraordinária. Ele precisa compreender que o encontro com Jesus, que funda a fé, se realiza através da experiência do amor na comunidade; é nela que agora se manifesta e se percebe sua glória. (Jo 17,21.23;13,35). A ressurreição é, por isso, o centro da vida cristã.
Após oito dias Jesus se faz presente e Tomé está com eles. As portas continuam fechadas, mas não há temor. Jesus apresenta-se a Tomé e ele o chama de “Senhor e Mestre” e o aceita fazendo também a experiência que seus amigos fizeram. Jesus o censura, pois não acreditou no testemunho da comunidade, exigindo uma experiência individual. Tomé aprende que Jesus se revela e se encontra no centro da comunidade.
A experiência extraordinária (Tomé) não é o que constitui o verdadeiro fundamento da fé: é a experiência e prática do amor entre os irmãos e irmãs que constitui sua base sólida e permanente.
Todas as pessoas, em qualquer época, tem que ver o Senhor, e essa visão realiza-se ao experimentar a vida que ele comunica. (Jo14,19) “Vós, porém, me vereis, porque eu tenho vida e também vós o tereis” É o Espírito que produz esta experiência de visão.
O evangelho fica aberto para o futuro: “Bem aventurados os que, sem terem visto, chegam a crer”. Crerão em virtude da mensagem das discípulas e discípulos (Jo17,20), que continuarão se manifestando no meio do mundo o amor de Jesus.
Jo, 20,30-31: o autor conclui com o objetivo do evangelho: levar a crer para ter vida. “Jesus realizou ainda, na presença de seus discípulos, muitos outros sinais que não estão neste livro; estes ficam escritos a fim de que chegueis a crer que Jesus é o Messias, o Filho de Deus e, crendo, tenhais vida, unidas a Ele”.
“Eu vim para que todos e todas tenham vida e vida em abundância!” (Jo 10,10).
Mensagem para nós ao fazermos memória da ressurreição.[i]
Jesus ressuscitado é o crucificado, é aquele que viveu nesta terra, e traz as marcas de sua paixão. Ele está conosco em nossas comunidades, no sofrimento do povo, nas marcas das pessoas torturadas pela fome, pelo trabalho escravo e pela injustiça. Ele está nas pessoas que lutam pela vida cheias de coragem e não se rendem, pois sabem que Jesus ressuscitado se faz presença entre nós.
“Eu vim para que todos e todas tenham vida e vida em abundância!” (Jo 10,10).
Que possamos dizer como Tomé: “Meu senhor e meu Deus!”
Autora: Amelia Hakme Romano
[i] Bibliografias:
RAIO X da VIDA. Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de João. Carlos Mesters; Mercedes Lopes; Francisco Orofino. PNV 147/148. CEBI. São Leopoldo. RS
Bíblia de Jerusalém. PAULUS.1994