por Magali do Nascimento Cunha, via Carta Capital*
Seminários e livros estimulam o debate a respeito das relações entre fé e ativismo político
Em 10 e 11 de maio será realizado, na PUC-SP, um seminário que traz um tema significativo para o momento vivido no Brasil e no mundo: “Religião e Política: Um olhar sobre o campo religioso brasileiro”.
Cientes do protagonismo que grupos religiosos, especialmente evangélicos, têm ocupado no cenário político, organizações sociais, de diversas frentes, promovem o evento para o qual convidaram pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento para expor suas reflexões sobre o tema.
A partir da abordagem ampla a respeito da religião na formação do Brasil e sobre o neoliberalismo como religião, o seminário, gratuito e aberto (inscreva-se aqui), oferecerá uma análise do campo religioso brasileiro e da religião na conjuntura política nacional.
Estas organizações fazem parte do grupo cada vez mais largo de segmentos sociais atentos às dinâmicas políticas das quais participam grupos religiosos. Significa sair da postura de perplexidade frente às situações em curso para uma dimensão mais ativa e propositiva. Além dos eventos, editoras também abrem espaço para esta reflexão e tornam possível a aquisição de conhecimento com densidade e pluralidade.
A Editora Baioneta reuniu jornalistas, cientistas políticos e sociólogos do Brasil, da Argentina, do México e da Nicarágua na reflexão sobre como o pensamento religioso opera dentro dos quadros sociais e culturais na América Latina. Na obra “Religião e política em tempos de mudança” são discutidas não só as possibilidades abertas na esfera pública – à direita e à esquerda – pelas manifestações de fé, mas como transformações e reveses na história política recente do continente são, tantas vezes, narradas e explicadas por cosmovisões religiosas.
A nova era em que vive o catolicismo, sob a liderança do papa Francisco, o neopentecostalismo como uma poderosa força sociopolítica, um “refúgio” comunitário para as massas em interação com as mídias para ocupar os espaços “mundanos” da sociedade, as pautas renovadas das comunidades eclesiais de base ligadas à Teologia da Libertação, como a ecologia, são abordagens significativas do livro, organizado pelo pesquisador argentino Pablo Semán.
A obra trata ainda das correntes espiritualistas da Nova Era e das últimas crises político-institucionais latino-americanas, como a recente onda de violência na Nicarágua entre o governo sandinista e opositores, com lugar para um cristianismo conservador.
A proposta é rever premissas da sociologia e da ciência política que indicaram, décadas atrás, a chegada de uma era de desenvolvimento político desconectado do religioso. As experiências debatidas em detalhes, sob diferentes enfoques, comprovam a persistência do lugar das religiões no cenário político.
Em abordagem mais específica na relação entre política e religião, e, por que não dizer, corajosa, foi lançado pela Editora Anablume, “Religião, Corporeidade e Direitos Reprodutivos”.
É a primeira obra de uma coleção da editora criada para tratar de “Espiritualidades”. Os organizadores, Angélica Tostes e Claudio de Oliveira Ribeiro, reconhecem ser tarefa urgente oferecer reflexões sobre este tema neste complexo tempo de avanços e retrocessos na relação corporeidade-política, sobretudo quando se trata dos usos, desusos e abusos da religião em relação aos corpos das mulheres.
O livro enfatiza a religião cristã e tem a colaboração da teóloga Ivone Gebara, colunista de Diálogos da Fé, de CartaCapital, da pastora batista Odja Barros, da professora e pesquisadora metodista Sandra Duarte e da pastora luterana Lusmarina Campos. Intervenções poéticas de mulheres cristãs permeiam os textos.
Este esforço conjunto busca contribuir com novos saberes e com outras dimensões teológicas para a discussão dos direitos reprodutivos das mulheres a suas relações com a religião cristã. E como são plurais e diversos, os textos reconhecem que o cristianismo pode ser usado politicamente tanto para oprimir quanto para dar voz aos corpos invisibilizados pela tradição patriarcal e heterossexual.
Estas três frentes de reflexão descritas aqui – um evento e dois livros – sinalizam o quanto há muito o que se dizer da relação entre religião e política neste tempo do Brasil e do mundo.
Importa que se pense sobre este fenômeno em curso, superando-se uma das maiores ameaças ao Estado laico e democrático, que é a ignorância, hoje fortemente alimentada por notícias falsas e outros conteúdos superficiais. Todas estas diferentes perspectivas têm em comum a afirmação de que a presença de grupos religiosos no espaço público não deve ser vista como ameaça ainda que entre eles existam os que tenham discursos e propostas conservadoras e reacionárias.
O pluralismo no Estado laico e democrático deve ser espaço para posições políticas e ideológicas diferentes. É no confronto e no debate respeitoso entre as diferenças que se abre espaço a mudanças. E a busca de conhecimento e de reflexão para além dos “achismos” e preconceitos é excelente ponto de partida.
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Texto de Magali do Nascimento Cunha, Jornalista e doutora em Ciências da Comunicação, é colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas. Publicado por Carta Capital.