Temos assistido a uma presença mais intensa de grupos religiosos atuando como ativistas políticos nos mais diversos movimentos
Nunca se falou tanto da presença e da influência de grupos religiosos na política institucional no Brasil, especialmente do segmento cristão evangélico! Nestes últimos dias, a aprovação do ensino religioso confessional em escolas públicas pelo Supremo Tribunal Federal -STF e as pressões sobre centros culturais e museus para reprimirem exposições sobre sexualidade, consideradas “indecentes”, colocaram “lenha nesta fogueira”.
Em âmbito nacional, as eleições de 2014 já foram marcantes, pois, pela primeira vez, dois candidatos à Presidência da República eram declaradamente evangélicos: o Pastor Everaldo e a ex-senadora Marina Silva.
O segmento tem hoje 87 parlamentares no Congresso (dois senadores e 85 deputados federais). É a chamada Bancada Evangélica. Não alcançaram a meta de 100 parlamentares no pleito de 2014, mas mesmo assim é, certamente, uma potência numérica e de articulação.
Com base nesses números não é difícil afirmar que há uma força evangélica na política. Não é surpresa que candidatos e profissionais de marketing tenham detectado há algum tempo a tendência, e, a cada eleição, seja frequente a prática de “pedir a bênção” a líderes evangélicos. Também são recorrentes as crescentes pressões sobre candidatos e seus partidos, que nada têm de religiosos, a assumirem compromissos com a defesa de pautas da moralidade religiosa. As performances de João Dória e Geraldo Alckmin na Expocristã, realizada em São Paulo no mês de agosto, mostram bem isto.
Nos últimos anos também temos assistido a uma presença mais intensa de grupos religiosos, muitos deles evangélicos, atuando como ativistas políticos nos mais diversos movimentos e nas mídias sociais. Neste caso não se trata apenas de campanhas em prol de candidatos, mas campanhas contra: alguns deles são demonizados por conta de sua identidade partidária ou de plataformas eleitorais libertárias. Por outro lado, políticos conservadores também são alvo de oposição de evangélicos progressistas.
Mais ainda, é crescente o número de ativistas religiosos em campanhas por temas e pautas atuais controversas. É o caso da discussão da diminuição da maioridade penal e o da inclusão de “gênero” como tema transversal dos Planos Nacional, Estadual e Municipal de Educação. Há militância por apoio e por oposição às propostas.
Para se refletir de forma coerente sobre este contexto aqui descrito, é preciso considerar, primeiramente, que a presença de grupos religiosos na política não pode ser vista como uma ameaça à democracia ou à laicidade do Estado. Ela reflete a dinâmica da cultura brasileira em que as religiões têm importante papel na ordenação e no sentido da vida.
A laicidade do Estado sempre foi um processo com avanços e retrocessos por conta da presença católico-romana na política há mais de 500 anos. Por exemplo, a resistência ao tema “gênero” na educação foi “puxada” por católicos, bem como a recente aprovação do ensino religioso confessional em escolas públicas. E o interessante é que não há fortes questionamentos quanto a esta participação católica na política.
Neste sentido, a presença mais intensa dos evangélicos na esfera pública institucional e digital pode ser vista como indício do próprio avanço da democracia (com ambiguidades, é claro) e da pluralidade religiosa.
O que não pode acontecer é que apenas um grupo ganhe voz no espaço público. Aí não temos democracia. A possibilidade do debate e de expressão das diferentes vozes precisa ser garantida neste contexto democrático e aqui o lugar das mídias se reveste de importância.
Ocorre que, dado o contexto de força dos evangélicos, muitos líderes se imaginam com poder político e eleitoral e falam em nome do segmento. Fica-se com um só discurso, neste caso o conservador. Isso leva a outro ponto importantíssimo: é urgente superar a apresentação dos evangélicos como um grupo homogêneo. Ou seja, é necessário rechaçar tendências unificantes de um segmento que é mais do que plural. A Bancada Evangélica não é politicamente homogênea bem como não o são os ativistas no espaço público.
Há líderes que instrumentalizam a religião para seus projetos de poder? Como há! E devem ser questionados! Mas nesse processo, sobretudo nas bases das igrejas, está a fé, a crença, sonhos e esperanças de muita gente sincera, que acredita haver um Deus no meio de tudo isto. Por isso religião e política devem ser discutidas, sim.
Isto possibilitaria, por exemplo, se monitorar e denunciar os casos de abuso da fé dos membros das igrejas por meio da retórica de lideranças que usam o terror e a deturpação de informações. Isto se dá, por exemplo, na divulgação da falsa ideia de que políticas públicas de direitos humanos e sexuais são implementadas para “acabar com a família” ou de expressões de arte que seriam práticas para destruição da moral religiosa.
Urge o espaço à diversidade de vozes. Tornar nítidas e públicas as diferentes posturas e projetos do segmento evangélicos, que também é formado por pessoas de fé que defendem a justiça com paz e promoção da vida plena para todas as pessoas sem distinção.
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Fonte: Artigo de Magali do Nascimento Cunha, jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora e pesquisadora em mídia, religião e cultura da Universidade Metodista de São Paulo. É colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas. Publicado em Carta Capital, 05/10/2017.