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Reflexão do Evangelho: A experiência nas comunidades

Confira a reflexão do evangelho para o próximo domingo, dia 11 de fevereiro. O texto fala sobre Marcos 1.40-45, e pertence a Dari Jair Appelt, da IECLB.

Boa leitura!

Introdução

A confiança em Deus permite-nos experimentar o seu poder: esse bem que poderia ser o tema do culto. A ousadia de um leproso marginalizado, que rompe as barreiras do isolamento e arrisca achegar-se a Jesus em seu sofrimento, é sinal de fé e confiança.

Jesus, que conhece a condição do doente e a situação em que ele vive, sem perspectivas de comunhão e cura, acolhe a confiança expressa, compadece-se do leproso e responde à sua necessidade. Estranha é a recomendação de Jesus ao homem que, momentos antes, de joelhos, num gesto de humildade, havia revelado sua total confiança nele: “Olhe! Não conte isso a ninguém, mas vá pedir ao sacerdote que examine você…” Considerando que também Mateus e Lucas relatam esse episódio, podemos entender que ele é de extrema importância para entender que “os milagres são para a fé sinais que apontam para o reino de Deus, que já agora irrompe no velho mundo: na pregação e atuação de Jesus é vencido o reino das trevas, e Deus liberta e redime a sua criação de doença, pecado e morte…”(Bertholdo Weber, p. 258).

Perguntamos: o que os três textos previstos têm em comum?

No texto de 2 Reis 5.1-14, temos o relato da cura de Naamã, herói de guerra e comandante do exército do rei da Síria, também ele um leproso. O doente chega até Eliseu, “homem de Deus”, porque outras pessoas se envolvem com ele e querem ajudá-lo e por iniciativa do próprio profeta. A cura acontece porque Naamã, depois de resistir por um momento, dá ouvidos a seus oficiais e acolhe a ordem de Eliseu de “banhar-se sete vezes no rio Jordão”. Diante dos argumentos e das ponderações, ele confia nas palavras do profeta e experimenta cura. 1 Coríntios 9.24-27 trata da perseverança na busca pela vitória da causa do evangelho.

O apóstolo Paulo usa os jogos olímpicos como comparação para a carreira da fé. Assim como nas provas de atletismo, o treinamento perseverante é recompensado com a vitória e com uma coroa de louros, assim os cristãos correm e dedicam-se a uma causa maior (a causa do evangelho), mesmo que para isso precisem sujeitar-se a determinados “sacrifícios”. A busca pela solução de problemas, entre eles a doença, é comparada a uma corrida por mais vida, na qual a graça de Deus e o reconhecimento de seu poder exercem papel fundamental. Em resumo, é comum aos textos o estímulo à perseverança e à confiança para superar as sombras da morte e promover a vida.

Exegese

Comparando o texto de Marcos com o texto paralelo de Mateus 8.1-4, observamos que os v. 43 e 45 foram omitidos. Também em Lucas 5.12-16, o v. 45 de Marcos foi reformulado. Isso indica que o texto passou por mudanças durante as fases da tradição. Weber também lembra que “a maioria dos manuscritos diz que Jesus atendeu ao pedido do leproso por compaixão, enquanto outros leem: tendo-se irado… Sua ira, nesse caso, não se dirige contra o leproso, mas contra o espírito imundo, a causa da enfermidade”.

E nós entendemos bem isso, porque também nos indignamos com tudo o que gera sofrimento, exclusão e morte. Se Jesus diz ter vindo para que todos tenham vida, e vida em abundância (Jo 10.10), então está evidente que ele quer eliminar aquilo que gera sofrimento, libertar para a vida, reintegrar na comunhão. Segundo a compreensão judaica, a lepra era considerada “o primogênito da morte” (Jó 18.13). Quem estivesse acometido por essa enfermidade via-se excluído da comunidade e proibido de aproximar-se de outras pessoas. Expostos à miséria sem fim, os leprosos iam morrendo aos poucos, incriminados como pecadores, visto que a lepra era considerada um castigo de graves culpas. Se ocorria alguma cura, a ser ratificada por um sacerdote (v. 44), é de supor que se tratasse de qualquer outra doença similar.

A ordem de Jesus para que o curado se mostre ao sacerdote e faça a oferta de purificação (Lv 14.1ss) mostra que Ele respeita a lei que rege seu povo. O “atestado de saúde” da parte do sacerdote seria a permissão para voltar ao convívio familiar e social. Mas essa ordem conflita com a outra: “Olha, não diga nada a ninguém!”. Isso tem a ver com o segredo messiânico. Muito se tem meditado sobre isso: por que manter segredo sobre as curas de Jesus e seu poder? É evidente que Ele não pretende tornar-se conhecido como taumaturgo (milagreiro, curandeiro). Jesus pretende ocultar sua dignidade divina e cumprir sua missão de pregar o evangelho como Servo de Deus obediente.

Porém a virtude, o dom que dele irradia, é tão poderoso que as pessoas correm atrás dele em busca de solução para os seus problemas. Para Marcos, o desvendar do segredo messiânico só se dará na cruz. Lá, na cruz, ficará clara a sua identidade e que o reino de Deus realmente começou em sua pessoa e obra. E sob as luzes da ressurreição se evidenciam, mais ainda, o projeto de Deus e seu sonho para com a humanidade. Quem não estiver disposto a aceitar e suportar o mistério da cruz, a enfrentar o sofrimento com esperança de superação, a buscar por Ele com humildade, perseverança e fé não será verdadeiro seguidor. Quem não o reconhecer como o Messias que alcança a glória pelo caminho da cruz verá em Jesus apenas um “quebra-galho” para resolver algum problema. E isso, conforme Marcos, Jesus quer evitar.

O leproso que se aproxima de Jesus, rompendo com a tradição e com as normas de segurança, provavelmente faz isso por desespero e por não concordar com sua condição imposta pela lei. A confiança no Senhor torna-o audacioso, apesar de sua humildade. Quando deveria ter alertado sobre a sua condição, clamando “imundo! imundo!”, para afastar as pessoas e evitar o contágio, ele se aproxima com esperança e fé. Reconhece que Jesus tem poder para mudar sua condição. E a resposta de Jesus não poderia ser diferente.

A postura ousada e os sentimentos do leproso são acolhidos. Indignado com a causa da enfermidade, com a sua interpretação e suas consequências, Jesus reage de imediato e revela sua vontade. Mesmo querendo preservar sua identidade, Ele não resiste diante do sofrimento imposto ao leproso, considerado um vivo-morto, um “caso perdido”. Jesus quer a vida, a libertação de todos os males. Num misto de ira e compaixão, Jesus também se arrisca e destrói tabus: estendendo a mão, toca-o sem temer o contágio. Uma palavra basta para mudar tudo: Quero, fica limpo!

“Com isso, Jesus não apenas liberta o homem de sua terrível doença física, mas da maldição da Lei e do reino das trevas… Cura, nos evangelhos, é sinal do advento e da presença do reino de Deus em Jesus, sua palavra e ação… A confirmação da cura pela autoridade sanitária competente, no caso, o sacerdote, é pré-requisito para a integração do curado na vida normal da sociedade” (Weber).

Outro detalhe interessante no relato é que o curado não faz o que Jesus ordenou. Sua alegria é tamanha, que ele não consegue se conter; precisa partilhar o que aconteceu, afinal está livre e limpo. Imagino que ele nem se deu conta de que poderia estar complicando a vida de seu benfeitor. O homem “bota a boca no trombone”, espalha aos quatro ventos o que lhe aconteceu ao ser tocado pelo poder do Messias. Em consequência, provoca a afluência de muita gente, que vem buscar cura e milagres junto a Jesus. Jesus, por sua vez, retira-se para outros lugares para meditar sobre sua missão, para orar, para resistir à tentação de simplesmente atender expectativas, sem com isso promover mudanças em todo o sistema. Sua missão é bem maior: é salvar a humanidade, é proclamar a proximidade do reino de Deus, é mostrar que os sinais desse reino já estão presentes no que ele vem fazendo.

Meditação

Quando criança, fiquei sabendo que, em minha cidade, havia uma família acometida de uma doença chamada “lepra”. Essa vivia isolada, sem poder trabalhar ou ir à escola. Dependia de doações de alimentos e roupas de pessoas da comunidade. Esses donativos eram deixados próximos à casinha de madeira, muito modesta, para ser apanhados assim que o entregador se afastasse. Foi a curiosidade que me levou, depois de um tempo, agora já adolescente, a conhecer melhor essa gente.

Confesso que senti o estômago “embrulhar” diante do mau cheiro que exalava da casa e das pessoas. Senti também indignação pelo descaso das autoridades e da própria comunidade, que nada faziam para ajudar essas pessoas e encaminhá-las para tratamento. Abandonados à sua própria sorte, elas pareciam conformadas no aguardo da morte. Isso num tempo em que já se conhecia tratamento para essa doença. É sabido que a hanseníase (mal de Hansen) é hoje, graças à medicina, perfeitamente curável quando diagnosticada em tempo e submetida a um tratamento especializado. Como saí de casa ainda jovem, soube, bem mais tarde, que alguns daquela família haviam conseguido sobreviver graças à solidariedade e atitude de pessoas de boa vontade, que enfrentaram medos e tabus e encaminharam os doentes para tratamento.

Entrementes, no exercício do ministério pastoral, acompanhei o tratamento de várias pessoas com hanseníase e, sempre que sentava ao lado delas e lhes estendia a mão, de imediato me perguntavam se eu não tinha medo de contágio. Percebia que ainda eram vítimas de um preconceito e de uma discriminação secular. Hoje existem outras doenças que provocam sentimentos de rejeição e aca¬bam marginalizando pessoas; existe descaso com a saúde pública, negligência e conformismo com a condição em que se encontra o povo.

O saudoso pastor Bertholdo Weber escreveu:

“… existem ‘leprosos’ em toda a parte, homens e mulheres, crianças e velhos que vivem excluídos da vida social e comunitária, marginalizados do ‘centro’ da vida e cuja comunhão se evita como a própria doença contagiosa. A grande maioria do nosso povo está doente, passa fome e miséria e vive à margem da sociedade consumista que cultiva o ideal dos sãos e fortes, dos belos e ricos que aparecem na tela do cinema e na TV. O fraco, o pequeno, o que não pode produzir e nada tem é o joão-ninguém, o ‘leproso’ do nosso tempo”.

E ele tem razão. Mas, diante da realidade de sofrimento, em que muitos clamam por mais vida e anseiam por soluções, perseverando teimosamente em busca de cura ou ajuda para sobreviver, qual é nossa missão? Deus quer que todos tenham uma vida digna, que a verdade prevaleça, que o amor seja prioridade, que haja paz com justiça… Jesus nos ensina como podemos contribuir e cooperar para que os sinais do reino de Deus se multipliquem e possam gestar um novo tempo, transformar a realidade. A missão da comunidade é dar testemunho da misericórdia e do amor de Deus, do poder de sua graça, mobilizando pessoas para denunciar todas as sombras da morte e enfrentar o sofrimento imposto.

A comunidade cristã é capacitada pelo poder do Espírito Santo e vocacionada para servir, seguindo o programa diaconal de Jesus. E, para saber qual é esse programa, recomendamos o contato com a sua palavra, a comunhão com o Senhor, para que ele nos toque, liberte e envie a pregar, ensinar e servir.

A missão da comunidade é romper com preconceitos, questionando a discriminação, os privilégios de alguns em prejuízo da saúde e do bem-estar de muitos, testemunhando com palavras e ação o amor que liberta de toda a miséria, reconcilia, integra e promove comunhão, esperança e nova vida em Cristo. É impossível ficar indiferente diante dos desafios missionários que estão por todos os lados. Diante do clamor dos injustiçados não podemos calar; é preciso fazer acontecer, mobilizar-se em busca de soluções e prevenir-nos diante do que ainda pode vir pela frente.

“Quem tem medo de se comprometer e de sujar as mãos não pode ser seu discípulo” (Weber).

A nossa atitude, quando em sintonia com a vontade de Deus, promove mais vida, maiores cuidados com toda a criação de Deus. A nossa fé em Cristo nos compromete, alimenta a esperança e produz frutos quando se torna ativa no amor. Penso que temos que ser mais ousados tanto na busca por soluções como no enfrentamento dos problemas e nas proposições para a causa do Reino.

Imagens para a prédica

1 – O texto pode ser encenado por um grupo da comunidade, para que os presentes consigam visualizar os diferentes momentos desse encontro entre o leproso e Jesus. Considerando que temos experiência com doenças, perdas e toda sorte de dificuldades, o pregador poderia solicitar manifestações de fatos e momentos em que os membros sentiram na pele a discriminação e também em que se indignaram diante do sofrimento de outras pessoas. Quem sabe, poder-se-ia perguntar ainda como a gente se sente quando se depara com a cura de uma doença grave (tipo câncer) ou então quando se sente cuidado e recupera a esperança.

2 – Fazendo um diagnóstico da realidade, no contexto em que a comunidade está inserida, pode-se perceber que há campo fértil para a semeadura e o mutirão pela vida. O trabalho que é feito, as atividades desenvolvidas, contemplam o projeto do Reino? O que estou fazendo se sou cristão? Essa poderia ser uma pergunta para lembrar o compromisso de colocar sinais de paz e de graça, de agir para transformar a realidade.

3 – Um outro ponto de partida pode ser a indignação diante de notícias que nos chegam sobre desrespeito à vida, violência, indiferença de “homens da lei” diante da situação do povo, decisões que comprometem o futuro da humanidade, impunidade. A atitude de Jesus é um indicativo interessante, e sua ação quer chamar a atenção para uma causa maior, na qual somos convidados a nos integrar. A comunidade tem o privilégio de se encontrar com o Senhor em sua palavra e sacramentos, conversar com ele, clamar por ajuda, falar das graças recebidas, pois a cruz e a ressurreição revelaram o sentido da vinda de Jesus.

Subsídios litúrgicos

Sugiro que o oficiante trabalhe a liturgia de forma a possibilitar uma maior participação dos membros, tanto nas leituras como nas orações. A escolha dos hinos é fundamental para ajudar no louvor, no reconhecimento do poder de Deus, na gratidão pelos dons e pelas dádivas. Na oração geral da igreja, podem ser recolhidos motivos de gratidão por curas, superação de problemas, consolo e mudanças, assim como motivos de intercessão, para que os presentes tenham oportunidade de manifestar seu clamor, fazer suas súplicas e crescer na confiança de que Deus nos ouve, acolhe nossos sentimentos e não nos deixa sem resposta.

Pode-se intercalar os diferentes motivos com refrões que se encontram nos cânticos litúrgicos (Em Tua Casa). Seria significativo convidar para esse culto as pessoas enfermas que ainda podem vir, também as que já superaram seus problemas, para um momento de unção com óleo e uma palavra de bênção. No envio da comunidade, deveria transparecer o compromisso que temos com a vida e com a vontade salvífica de Deus.

Bibliografia
NESTLE-ANGERMANN, Inge; NESTLE, Dieter. Mk 1,40-45. Neue Calwer Predigthilfen. Band 3 B, 1981, p. 162-169.
WEBER, Bertholdo. Marcos 1.40-45. Proclamar Libertação VI, 1980, p. 258-264.

Fonte: Texto de Dari Jair Appelt da IECLB. Novo Testamento, Livro de Marcos, capítulo: 1. Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal. Publicado no site Luteranos.com.

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