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Quinta-feira Santa: Prova de Amor maior não há que doar a vida pelo irmão (João 13,1-17) [Mesters, Lopes e Orofino]

OLHAR DE PERTO AS COISAS DA NOSSA VIDA

Somos convidados a meditar sobre a última ceia de Jesus com os seus amigos. Durante a ceia, Jesus se levanta para lavar os pés dos seus discípulos. Um gesto que era próprio dos empregados. Pedro não entende o gesto e não quer que Jesus lave seus pés. Ele não aceita este serviço da parte de Jesus. Acha que ia contra a dignidade de Jesus lavar os pés dos seus discípulos. Ele não entende que prova de amor maior não há do que doar a vida pelo irmão. A verdadeira prática religiosa é o serviço amoroso aos pobres, aos irmãos e irmãs.

 

SITUANDO

O Evangelho de João tem uma dinâmica que envolve os leitores e as leitoras. No primeiro livro, o Livro dos Sinais (1,19 a 11,54), vimos a revelação progressiva que Jesus fazia de si e do Pai. Pouco a pouco, a gente ficou sabendo quem é Jesus e qual a missão que recebeu do Pai. Paralelamente a esta revelação, apareciam a aceitação por parte do povo e a resistência por parte das autoridades religiosas. No fim, o balanço foi o seguinte: O grupo fiel dos discípulos e das discípulas, mesmo sem entender tudo, aceitou Jesus, acreditou nele e se comprometeu com ele. O outro grupo dos judeus resistiu e acabou rompendo com Jesus, querendo matá-lo.

O segundo livro, o Livro da Glorificação, que estamos iniciando neste círculo, tem outra dinâmica. Na primeira parte (Jo 13 a 17), Jesus se reúne com o grupo fiel  na última ceia. Na segunda parte (Jo 18 e 19), o outro grupo toma as providências para executar o plano de matar Jesus. Na terceira parte (Jo 20 e 21), Jesus ressuscitado reencontra a comunidade e a envia em missão, a mesma que ele recebeu do Pai.
COMENTANDO

 João 13,1: A passagem, a Páscoa de Jesus
Finalmente, chegou a hora de Jesus fazer a passagem definitiva deste mundo para o Pai. Esta passagem através da morte e ressurreição é motivada pelo amor aos amigos: “Tendo amado os seus, amou-os até o fim!” É o êxodo, a páscoa de Jesus, que vai abrir a passagem para todos nós, de volta para o Pai.

 

João 13,2-5: O lava-pés – dois contrastes
Chama a atenção a maneira contrastante como João apresenta a cena do lava-pés. Ele diz que Jesus e os discípulos se encontram à mesa numa refeição. Para os judeus, a comunhão de mesa era um momento de muita intimidade, onde só participavam os maiores amigos. Mas aqui, Judas, que já tinha decidido entregá-lo, está presente e participa. O amor de Jesus é maior. Ele aceita Judas na mesa. Este é o primeiro contraste. Há outro. Jesus veio do Pai e volta para o Pai. Mesmo sendo de condição divina (JO 14,10-11; Fl 2,6), ele assume a atitude de empregado e de escravo. Coloca um avental e começa a lavar os pés dos discípulos. Começa a realizar a profecia do Servo de Deus (Is 42,1-9). É a imagem do Deus servidor que contrasta com a imagem do Deus todo-poderoso.

 

João 13,6-11: Reação de Pedro
Pedro reage. Não quer aceitar que Jesus lhe lave os pés. Jesus diz que, se Pedro não aceitar que lhe lave os pés, não vai poder ter parte com ele. O que significa isto? É que Pedro tinha dificuldade em aceitar Jesus como o Messias Servo que sofre. Pedro queria um Messias-Rei que fosse forte e dominador. Nos outros evangelhos, Pedro recebe a crítica de Jesus: “Vai embora, Satanás!” (Mc 8,33). Ele tem que mudar de ideia e aceitar Jesus do jeito que Jesus é, e não um Jesus de acordo com o seu próprio gosto.

 

João 13,12-17: Bem-aventurança da prática
Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus vira o avental, recoloca o manto, senta novamente na cabeceira da mesa e começa a comentar o gesto. Ele pergunta: “Vocês entenderam o que eu fiz?” Parece que não tinham entendido, começando por Pedro. E continua: “Se eu, sendo mestre e senhor, lavei os pés de vocês, vocês também devem lavar os pés uns dos outros”. Em outras palavras, quem quer ser o maior deve ser o menor e o servidor de todos. Aqui, nesta prática humilde do serviço, está a raiz da verdadeira felicidade: “Se vocês compreenderem isto e o praticarem, serão felizes!” Diz a Primeira Carta de João: “Filhinhos, não amemos com palavras nem a língua, mas com ações e em verdade! (1Jo 3,18).

 

ALARGANDO

 A Última Ceia e o Lava-Pés no Evangelho de João

Mateus, Marcos e Lucas descrevem como Jesus instituiu a Eucaristia durante a última ceia. João descreve a última ceia, mas não descreve a instituição da eucaristia. Será que esqueceu ou achou que não era importante? É que João tem a sua maneira de descrever a Ceia Eucarística.

Ela está no capítulo 6, onde fala da multiplicação dos pães para o povo (Jo 6,5-15). Está no longo discurso sobre o Pão da Vida (Jo 6,22-71). Está aqui no capítulo 13, onde insiste no serviço amoroso, simbolizado no lava-pés (Jo 13,1-17). Está no capítulo 19, onde descreve a morte de Jesus como cordeiro pascal (Jo 19,31-37).

A ceia narrada no evangelho de João é bem diferente daquela narrada nos outros evangelhos. Aqui no quarto evangelho não se fala em comer o corpo e beber o sangue de Jesus num memorial até que ele venha (1Cor 11,23-26).

No Evangelho de João, o pão e o vinho são substituídos pelo gesto de lavar os pés de seus discípulos e discípulas. Gesto de amor e de entrega que precede e conduz à sua glorificação. “Tendo amado os seus, Jesus amou-os até o fim” (Jo 13,1). Este mandamento de serviço e de amor é que purifica qualquer pessoa que queira seguir Jesus (Jo 15,3).

O gesto de lavar os pés não é feito antes da ceia, mas durante a ceia. Jesus não quer fazer um mero gesto de purificação ou higiene. Durante a ceia (Jo 13,2) ele se levanta, tira o manto, que é um gesto de entrega e serviço (Jo 13,4), e ele mesmo derrama a água na bacia para lavar os pés de seus discípulos. Quando chega diante de Pedro, este toma o gesto de Jesus como se fosse de fato um gesto ritual de purificação e não aceita que Jesus lhe lave os pés (Jo 13,6-11). Jesus corrige a interpretação de Pedro e dá o sentido verdadeiro. O gesto do lava-pés significa que a verdadeira purificação acontece na entrega e no serviço (Jo 13,10). Significa também que Jesus é o Messias-Servo, anunciado por Isaías (Is 42,1-9). Por isso, se Pedro não aceitar tal gesto, não poderá estar em comunhão com Jesus (Jo 13,8). Para Jesus, os que aceitam sua mensagem, suas palavras e seus gestos, estão puros e prontos para o Reino. O que purifica a pessoa não é a observância da Lei, mas sim a prática das palavras de Jesus. Quem for capaz de amar como Jesus amou, receberá o Espírito que é serviço gratuito aos irmãos e irmãs (Jo 13,34-35). Este exemplo dele nos deixou (Jo 13,15). Mas na ceia nem todos estavam puros (Jo 13,11). O adversário se fazia presente em Judas (Jo 13,2). Mesmo assim, Jesus lava os pés de Judas antes que ele saia para cumprir sua missão (Jo 13,21-30). O amor vence o ódio!
O Livro da Glorificação e a hora de Jesus

O Livro da Glorificação (Jo 13,1 a 20,31) é chamado assim porque mostra a realização plena de tudo que Jesus vinha prometendo enquanto fazia os sete sinais nos capítulos anteriores. O Livro da Glorificação começa com a frase: “Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Finalmente, chegou a hora de Jesus ser glorificado pelo Pai (Jo 12,23.27-28; 13,31; 17,1) e de ele nos revelar o verdadeiro rosto do Pai, que é o amor (1Jo 4,8.16). A frase mostra que Jesus está disposto a levar até o fim sua obra de revelar o amor do Pai.

A Hora de Jesus é a hora do seu retorno ao Pai. Como esta hora foi fixada pelo próprio Pai, ninguém sabe o momento exato em que ela acontecerá. Por isso, no Evangelho de João, na medida em que vamos acompanhando a caminhada de Jesus cresce o suspense com relação à chegada hora de Jesus. Este suspense atinge seu ponto máximo em Jo 17,1: “Pai, chegou a hora: glorifica teu Filho para que teu Filho te glorifique!”

A dinâmica do texto do Quarto Evangelho vai preparando o leitor para que ele mesmo possa descobri o momento certo da chegada desta hora. O suspense começa nas Bodas de Caná. Diante do pedido de sua mãe, Jesus diz que sua hora ainda não chegou (Jo 2,4). Mas a atuação de Maria mostra que a caminhada em direção à hora já foi iniciada e os sinais começam a surgir. Diante da samaritana Jesus diz que “virá a hora – e é agora – em que surgirão os verdadeiros adoradores do Pai” (Jo 4,23). Os sinais de Jesus aumentam o suspense. Por duas vezes, os inimigos querem prendê-lo, mas ainda não tinha “chegado a sua hora”, e a prisão não acontece (Jo 7,30 e 8,20). Para o evangelista não são os inimigos, mas sim o Pai quem determina a hora de Jesus. Quando chegar a hora da elevação do Filho do Homem, acontecerá, ao mesmo tempo, a glorificação de Jesus e a derrota de seus adversários (Jo 12,31-32).

Os sinais feitos por Jesus levam seus inimigos a planejar sua morte (Jo 11,45-54). Jesus sabe então que sua hora está chegando (Jo 12,23.27; 13,1;16,32). A tensão entre ele e seus adversários culmina na sexta hora, no momento em que se sacrificavam os cordeiros para a Páscoa (Jo 19,14). Nesta hora Jesus, o novo cordeiro de Deus, inaugura a nova Páscoa. Este exato momento entre a hora de Jesus como cordeiro e sua gloriosa subida para o alto é descrito com belas palavras em Ap 5,5-14.

Para as comunidades do Discípulo Amado também chegará a hora. Para cada discípulo ou discípula o encontro com Jesus acontece numa hora marcante e inesquecível (Jo 1,39). Mas o suspense que existiu entre Jesus e o mundo também continuará a existir entre a comunidade e o mundo. Para a comunidade chegará uma hora semelhante à de Jesus (Jo 16,2). Esta hora significa perseguições e morte (Jo 16,4). Diante do exemplo deixado por Jesus, as comunidades chegarão, através desta hora, à alegria que vem de Deus (Jo 16.21-22).

 

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