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Comentário do Evangelho: “Quem não está contra nós, está ao nosso favor”

Leia o comentário do evangelho sobre Mc 9, 38-43.45.47-48. O texto é de autoria de Thomas Hughes (em memória).

Esta reflexão nos coloca mais uma vez no contexto do ensinamento de Jesus aos seus discípulos, enquanto caminhavam para Jerusalém. Já vimos que a partir da “crise galilaica”, Jesus mudou a sua estratégia, afastou-se das multidões e dedicou-se à formação mais intensa dos seus discípulos, pois estes se mostravam incapazes de acolher a novidade do Evangelho, com a mudança radical de atitudes que ele implicava.

A primeira atitude a ser corrigida, nesta reflexão, é a de querer reservar o Espírito de Jesus como propriedade da comunidade. João se queixa que um homem que não os seguia estava expulsando demônios em nome de Jesus. Atitude mesquinha, de querer dominar o Espírito de Deus, sequestrar o poder divino! Mas, infelizmente, uma atitude bastante prevalecente em certos setores mais retrógrados das Igrejas ainda hoje, que acham que toda a riqueza do mistério de Deus possa caber dentro das margens estreitas das suas definições dogmáticas! Hoje, Jesus nos ensina a verdadeira atitude de um discípulo: “Não lhe proíbam, pois… quem não está contra nós, está a nosso favor” (v. 40).

Temos que aprender a acolher as manifestações verdadeiras do Espírito de Deus em todas as religiões e culturas, e estar alertas para que nós mesmos não O escondamos ou deturpemos! Discernimento deve ser uma atitude permanente de vida!

A segunda parte do trecho nos coloca diante do problema do escândalo aos pequenos na comunidade. Aqui cumpre ressaltar que “os pequenos” neste texto não são as crianças, mas os humildes e pobres da comunidade cristã. É bom lembrar o sentido original da palavra “escândalo”. Vem de um termo grego que significa “pedra de tropeço”. Então se trata de uma situação em que os pequenos da comunidade “tropeçam”, isso é, não conseguem manter-se em pé ou se afastam, por causa de certas atitudes dos dirigentes comunitários (é bom notar que o discurso e as advertências se dirigem aos discípulos, e não aos de fora). Deve ter sido um problema comum, pois o Discurso Eclesiológico (isto é, da Igreja) no Evangelho de Mateus trata do mesmo assunto (Mt 18, 6-14). Usa imagens e linguagem tipicamente semitas: Jesus manda cortar e jogar fora “a mão, o pé, e o olho”, que causam escândalos aos pequenos.

Obviamente não se propõe aqui uma mutilação física, mesmo se, ao longo da história, houvesse quem assim o entendesse – por exemplo, Orígenes. Na verdade, “mão” significa a nossa maneira de agir, “pé” o modo de caminhar na vida e “olho” o jeito de ver e julgar as coisas, ou até, a nossa ideologia. Então o texto convida os dirigentes das comunidades cristãs (hoje bispos, padres, pastores, irmãs, ministros etc.) a reverem o seu modo de agir, pensar e julgar, para averiguar se não estão causando a queda dos pequenos e humildes. Se descobrirmos que assim esteja acontecendo, então devemos “cortar e jogar fora” – ou seja, mudar o que causa o problema. Caso contrário, não experimentaremos na comunidade a presença do Reino de Deus – a vivência dos valores do Evangelho, que Jesus deu a vida para estabelecer.

A caminhada para Jerusalém, no Evangelho de Marcos, é um grande ensinamento de Jesus para quem quer segui-lo como discípulo. Trecho por trecho, vai desafiando a mentalidade dos discípulos, tão marcada pelos valores da sociedade vigente, e semeando os valores do Reino. Hoje, Ele nos desafia a praticarmos um verdadeiro ecumenismo e diálogo inter-religioso, e a revermos os nossos modos de agir e pensar, para que a experiência cristã de comunidade seja uma amostra real dos valores do Reino de Deus.

Texto partilhado pelo autor em 2013.

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